André Azevedo Alves
É um erro classificar o Chega como
um partido de extrema-direita, mas, paradoxalmente, essa demonização é a melhor
oferenda que André Ventura poderia desejar para a sua rápida afirmação
política.
O desfecho das eleições de 6
de outubro marca inequivocamente uma crise do espaço partidário não socialista
em Portugal. Em contraciclo com boa parte da Europa — onde são os partidos
socialistas tradicionais que se encontram em profunda crise — as eleições
portuguesas reduziram o espaço não socialista a pouco mais de um terço dos
votos. Esta crise exigirá uma reflexão aprofundada a vários níveis, mas vale a
pena para já deixar algumas notas iniciais partido a partido.
O PSD tem um muito mau
resultado. É certo que o descalabro não foi tão mau como se antecipava um mês
antes das eleições e como algumas sondagens sugeriam, mas ter um dos piores
resultados de sempre face ao que foi a governação do PS e a campanha de António
Costa só pode ser considerado um desaire eleitoral.
Rui Rio tem cumprido o que
prometeu e encostado o PSD ao centro-esquerda e ao PS, mas a consistência na
aplicação da estratégia não foi acompanhada de resultados. O que não deve
surpreender já que a estratégia leva à desmobilização de importantes segmentos
do eleitorado à direita que tradicionalmente também se reviam no PSD. Isto além
de dificultar passar a mensagem de que o PSD visa ser uma alternativa de
governação ao PS — e não um mero potencial parceiro para entendimentos com os
socialistas.
Para justificar a sua
existência, o PSD precisa de voltar a afirmar-se como ponto focal da agregação
de todo o espaço do centro-direita, algo que dificilmente poderá ser conseguido
pelo prosseguimento da estratégia de Rui Rio.
Se o PSD está mal, o CDS está
ainda pior. Quem se recorda agora das previsões que, no rescaldo das últimas
autárquicas atípicas em Lisboa, apontavam a possibilidade de o CDS chegar aos
15% a 20% nas legislativas? Com uma votação fortemente penalizadora e uma
drástica redução do seu grupo parlamentar, é a própria sobrevivência do partido
que pode estar em risco. Não obstante a qualidade do programa coordenado por
Adolfo Mesquita Nunes, a liderança de Assunção Cristas pecou por indefinição,
comunicou mal e teve pouco carisma.
Ainda assim, é claramente
injusto atirar todas as culpas para Cristas já que, pelas razões que expliquei aqui, seria difícil a quem quer que fosse suceder ao
“irrevogável” Paulo Portas e ao deserto que este criou à sua volta. Com Iniciativa
Liberal e Chega no Parlamento o caminho para a recuperação do CDS é estreito e
acidentado. A ala liberal do CDS (e da JP) olhará naturalmente com apetite para
o dinamismo e frescura do projeto da IL, enquanto os segmentos com tendências
mais conservadoras e nacionalistas dificilmente deixarão de se sentir atraídos
por André Ventura.
A Iniciativa Liberal consegue
o feito extraordinário de eleger um deputado nas primeiras legislativas a que o
partido concorre – e sem apresentar rostos mediáticos. Mais: consegue entrar no
Parlamento com um programa e um discurso em muitos aspectos contraintuitivo e
que até há poucos anos era quase unanimemente demonizado em Portugal. Ironia do
destino, o grande estratega e obreiro deste notável sucesso – Carlos Guimarães
Pinto, que foi cabeça de lista pelo Porto – fica a escassas décimas de ser
eleito e será o independente João Cotrim de Figueiredo (cabeça de lista por
Lisboa) a ter a responsabilidade de representar a IL no Parlamento.
Com potencial essencialmente
nas zonas urbanas com maiores níveis de educação e rendimento, o caminho para o
crescimento da IL existe, mas está longe de ser linear. Além da necessidade da
liderança do partido articular discurso e posições com o seu único deputado, a
afirmação da IL vai depender também da sua coesão interna e da sua consolidação
como porta-bandeira de um programa consistente de redução do estatismo na
economia e na sociedade portuguesa.
Já a eleição de André Ventura
teve um perfil substancialmente diferente. Com uma votação mais dispersa (o que
quase impediu a eleição de Ventura, mas sugere melhores perspectivas de
implantação a curto e médio prazo), o Chega afirmou-se essencialmente pelo seu
líder e pela mensagem de direita sem complexos e com laivos de populismo antissistema.
Ao contrário da IL (e do CDS), o Chega não se preocupou com o programa (que
chega a ser embaraçoso) e teve uma campanha pouco sofisticada.
Em linha com o que já era
expectável no rescaldo das eleições europeias, à direita continua a ser o Chega quem tem
maior potencial de crescimento. André Ventura tem perfil para se tornar uma
figura ainda mais mediática, é um excelente comunicador e tem boa imagem. Mas
talvez mais importante ainda seja o facto de corresponder a um espaço eleitoral
em crescimento nas democracias ocidentais e que, como Jaime Nogueira Pinto bem realçou, estava até agora vazio em Portugal.
Ainda é cedo para avaliações
definitivas, mas, tendo em conta o que apresentou até agora, é um erro
classificar o Chega como um partido de extrema-direita (e simplesmente ridículo
acusá-lo de ser fascista ou nacional-socialista). Mas, paradoxalmente, a
demonização do Chega é a melhor oferenda que André Ventura poderia desejar para
a sua rápida afirmação política. Afinal, como vários exemplos internacionais
têm demonstrado nos últimos anos, não há melhor forma de dar credibilidade a um
discurso de direita com uma matriz de populismo antissistema do que ser
unanimemente condenado e colocado de parte pelos partidos e protagonistas desse
mesmo sistema.
Afirmar que o Chega será o
maior partido da direita portuguesa daqui por 8 anos é uma aposta de alto risco,
mas, se houver competência na direção e organização do partido, Ventura tem
óbvia margem de progressão eleitoral. Tanto à direita como também em segmentos
que tradicionalmente votam na esquerda e extrema-esquerda nas periferias das
principais áreas metropolitanas. O futuro é neste caso particularmente incerto,
mas, se as coisas correrem bem a André Ventura, não é difícil antever um
cenário futuro no qual o Chega pode vir a ser essencial à formação de uma
maioria de direita.
Título e Texto: André Azevedo
Alves, Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica
Portuguesa, Observador,
12-10-2019
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ResponderExcluir- O bisavô de André Ventura era perneta;
- a bisavó de André Ventura viajou num banco do elétrico 28, exatamente o mesmo (banco) que Oliveira Salazar sentou quarenta anos depois;
- André Ventura fez xixi na cama do primo Reinaldo;
- André Ventura, tinha 16 anos, ficou devendo trinta escudos à prima Rosário;
- Etc...