quinta-feira, 8 de abril de 2021

E se Kierkegaard tivesse que fazer testes covid?

Vitor Cunha

Camus intuía existirem três soluções para o absurdo: suicídio, salto de fé ou a aceitação do absurdo. Há uns tempos andamos ocupados em providenciar uma saída institucional para a primeira opção através da eutanásia. Ainda não está completamente aprovada, mas há de estar, pelo que é como se já estivesse. Assim, podemos aceitar já esta resolução secular para a solução um do problema que consiste no estado providenciar significado para a nossa existência e, em simultâneo, significado para a sua alienação. Curiosamente, esta solução, a do suicídio por procuração, integra plenamente a necessidade do salto de fé da segunda opção, a de que outros podem decidir sobre as opções fundamentais de cada um como se uma resolução não implicasse responsabilidade e avaliação individual.

O salto de fé de Kierkegaard pode ser providenciado com o veneno que escolher: socialismo, liberalismo (ateu ou moderno), ou a sua síntese simbiótica em covidismo etc. Para algumas pessoas basta a convicção de que são deusas por terem vagina; para outras basta a convicção de que os seus sentimentos são avatar da construção moral coletiva; para outros ainda, basta serem chamados de especialistas por uma televisão qualquer.

Relutantemente, a par destas crenças pessoais intrametafísicas, ainda subsistem religiões que permitem a algumas comunidades um salto de fé em algo que transcende a “autoridade ética” (cof, cof) dos governos. 

O Islão é uma delas e também providencia solução para a primeira hipótese, a da eutanásia involuntária de infiéis, pelo que, logicamente, poderia ser adotada como religião oficial do estado poupando angústia existencial desnecessária aos cidadãos inconformados.

A terceira via é aceitar o absurdo. Aceitar o Facebook, o estado de emergência, a busca do R perdido, as obrigações sociais da ciência na vertente pós-moderna de hipóteses tornadas dogmas e dogmas tornados em premissas que invalidam qualquer formulação de uma preposição lógica a ser testada. É a opção ir para a praia e viver para lá da COVID, rindo na face dos coletivistas. É opção para já, pelo que não vejo outra hipótese que não aproveitá-la enquanto se pode. Particularmente por se saber que é a opção a ser retirada o mais brevemente possível, deve ser vivida em pleno conhecimento de que a própria vida se tornará num pecado de hedonismo perante o deus-estado.

Quando Camus concluiu que o suicídio não era solução ainda não havia a COVID nem a síntese socialismo-liberalismo. Pelo contrário, concluiu em época em que fervilhavam ideologias passíveis de saltos de fé. Agora, na pós-verdade, em plena pós-ideologia, talvez a conclusão fosse diferente.

NOTA ADICIONAL: Comentário antecipado do Paulo Valente: “e se fosses cagar?”; Comentário antecipado do Lopes: “tu queres é APARECER”. Assim fica já tratado.

Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias, 8-4-2021

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