Aparecido Raimundo de Souza
***
Brastemp não fede nem cheira. Nem
cheira, nem fede. Não defeca, nem sai da
moita. Não bebe, nem deixa outro entornar. Não come e nem permite que os
talheres sejam movimentados. Fica em cima do muro, olhando para o vazio do
terreno, espionando quem passa e sondando os sons das casas vizinhas.
— Entre cascudo e traíra, prefiro
robalo...
É um tremendo cara de pau o
Brastemp! Não dá ponto sem nó. Sabe como tirar o seu da reta e deixar o buraco
do furisco de algum mané na seringa. Chora de barriga cheia, dá linha à pipa,
quando sente que a coisa vai ficar preta. Comunga aquele velho axioma que
ensina: “é melhor passar por bobo sendo sabido, do que se gabar um tremendo
sabichão, dando uma de besta quadrada”.
— Estou mais para covarde vivo que
herói cheio de medalhas no peito, morto e falecido dos pés a cabeça.
***
Tarafeu de Aquino vive espalhando,
aos quatro cantos, que “caiu na rede é peixe”. Principalmente se a coisa, mero
acaso, ou descuido, descambar para a sua.
Tarafeu entende que a situação faz o ladrão, assim como depois da
batalha, aparecem os valentes e, depois de um bando de mortos, “haverá,
consequentemente, mais de um cadáver sem vida para ser enterrado em covas de
cemitérios periféricos”.
— Hoje eu pego a Solange...
A Solange é uma mulher onde o galo
não canta e a galinha comanda. Todavia, o Galo aqui citado, é um sujeito
conhecido pela alcunha de “Engole Cobra Com Chocalho e Tudo”. Policial militar
da pesada, desses tidos como “linha
dura”, e, como tal, temido e odiado pela galera da comunidade. Dizem que, além
de brabo, é matador profissional. Despachou, pelo menos, uns trinta para as
“terras dos eternos dormidos”. Via contrária, como fêmea bonita é feita estrada
boa, macia e aconchegante, porém, perigosa, o Tarafeu resolveu, apesar dos
contras, arriscar as suas fichas. Para inicio de conversa, cismou de dar uma de
canibal, e, na pele desse simpático personagem, comer, em pedacinhos bem
apimentados, a mulher do “Engole Cobra Com Chocalho e Tudo”, ainda que
precisasse, para tê-la na cama, transformar um simples limão em uma boa e
saborosa laranjada. Laranjada?! A porca torceu o rabo. Tarafeu de Aquino caiu
morto com um balaço no meio da cabeça, pelo “Engole Cobra Com Chocalho e Tudo”,
que chegou em casa da Solange (justo naquela hora do bem-bom) disfarçado de
liquidificador.
***
Brim e Trim brigam como cachorro e
gato. Às vezes, nessas contendas, dá cachorro, noutras, gato. Raramente, os
três. Quando isso acontece, ambos se apartam. Cada um vai para um lado, com
cara de pedinte-noiado que peidou dentro da igreja no meio dos fieis, na hora
da santa missa. Trim come sardinhas em lata ao molho de tomates e arrota
caviar. Brim prefere moscas fritas em banha de porco e constrói castelos no ar.
Trim acha que a necessidade faz o sapo pular. Não só o sapo, mas a rã, o
cágado, o cangurú, o leão e o macaco. Pular, pois, para Trim, não é prioridade
só do sapo. O homem também usa do mesmo artifício. Dependendo da situação, não
pula, vai mais longe, salta. Quanto a esse quesito, Brim não se manifestou.
Preferiu ficar na dele...
***
Amaro pegou, não o bonde andando,
mas o trem. Caiu feio, se esfolou todo. Quase morreu. Ficou uma semana na
salmoura comendo papinha de hospital de segunda.
— Deixa estar, jacaré! A lagoa vai
secar...
Não secou. Depois do susto, Amaro
compreendeu que a água não tem cabelo, nem barba, nem bigode, nem cavanhaque.
Sequer um topetezinho assim, que seja, para se agarrar na hora em que a bunda
bater n’água fria e o cu não saber nadar dando braçadas entremeado às pregas.
Amaro descobriu mais: sentiu, na pele, que a água, efetivamente, é careca. De
pai e mãe. Chegou a conclusão, igualmente, de que a pressa é inimiga da
perfeição. Que a ansiedade exagerada nada mais é que sofrer por antecipação.
Diferente de foder. Quem fode por antecipação, acaba gozando nos pé da cama da
cunhada. Pior, se, ao invés dos pés, na hora do supremo gozo, encontrar, de contrapeso,
o “calcanhar de Aquiles...”.
***
Durval tinha mania de fazer cortesia para se dar bem. Deu na telha de cantar a Arlinda, sua vizinha boazuda de fechar o comércio. A moça morava sozinha, não tinha namorado. Investiu pesado. Mandou flores, comprou presentes. Se derreteu em vestidos e peças íntimas, entre elas uma calcinha minúscula e um shortinho que, vestido na beldade, deixava a gostosona mais apetitosa, crescendo, faceira, aos olhos da rapaziada feito rabo de cavalo em pangaré de pinguço. Ele, o mísero cantador, não sabia, contudo, que ela queria ver o capeta, mas não a sua pessoa, nem pintada de ouro. Para tentar um ponto final na situação, Arlinda chamou o Tiseu, um amigo distante, cabra parrudo, verdadeiro Hércules com músculos à moda Schwarzenegger embutido. Só não era mais grosso, o fulano, por absoluta falta de espaço. Quem tem um cara desses, no seu “retaguardo”, não precisa de segurança. No domingo, Durval, como sempre, se achegou. Arlinda, maquiavélica, mandou que ele entrasse.
Dentro da casa, metido num desses velhos armários Luiz XV, um
elemento estranho à história, esperava a hora certa para cair matando. Arlinda
virou, mexeu, foi lá dentro, voltou vestida com uma camisa amarrada na barriga
mostrando o umbiguinho, e, na parte das coisas proibidas, a tal calcinha de
puta que Durval lhe dera, que, a bem da verdade, mostrava tudo e só escondia
dos esbugalhos da criatura, o que não carecia ficar destampado. Sumiu de novo,
desta vez para as bandas da cozinha. Serviu café, pão, bolo, biscoito, os
cambaus. Durval era meio barro, meio tijolo, pintor de rodapés, salva-vida de
aquário... comeu, comeu, bebeu, bebeu, repetiu, se empanturrou... quando, altas
horas, pensou em partir para cima da moça e usufruir dos seus pecados expostos,
frenteou bigode a bigode com o baita do grandalhão. Foi como se a montanha do
seu sobressalto tivesse parido um rato desconjuntado. Disse o cara: “Mano, meu
santo não bate com o seu. Eu sou o tinhoso em pessoa. Vou puxar seu tapete e,
de quebra, ajeitar seu topete. Você, ultimamente, não tem penteado, como manda
o figurino, seus cabelos crespos e sedosos...”.
Durval, em resposta, pontilhou
severo, decidido, demonstrando uma coragem puramente medrosa: “Crespos e
sedosos? Escuta aqui, seu filho de uma égua. Se tu és homem e macho, cai pra
cima. Vou te mostrar com quantos paus se faz uma canoaaaaaaaaaa...”.
De repente, num repente repentinamente repentino e repetentemente envolvido numa dança grostesca de passos não ensaiados, as chibatadas de Teseu lhe fizeram recuar. Durval se contorceu sobre si mesmo, reboleante, vencido, destroçado. Numa sequência bizarra, beijou paredes, se abraçou aos fragmentos de cadeiras despedaçadas. Sua cabeça deu com os chifres numa garrafa de vinho vazia, e, seu nariz, cheirou o gosto amargo do chão. No minuto seguinte, o depauperado não viu mais nada. Tudo virou um labirinto de imagens difusas e... escuridão.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de São
Paulo, Capital. 9-11-2021
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