A voz rebelde de Lobão é uma
rajada de ar fresco que respiramos na asfixia do politicamente correto
Rodrigo Constantino
“A bundamolice comportamental,
a flacidez filosófica e a mediocridade nacionalista se espraiam hegemônicas.
Todo mundo aqui almeja ser funcionário público, militante de partido,
intelectual subvencionado pelo governo ou celebridade de televisão, amigo”. É o
músico Lobão com livro novo na área. Trata-se de “Manifesto do Nada na Terra do
Nunca”, e sua metralhadora giratória não poupa quase ninguém.
Polêmico, sim. Irreverente,
sem dúvida. Mas necessário. As críticas de Lobão merecem ser debatidas com
atenção e, de preferência, isenção. O próprio cantor sabia que a patrulha de
esquerda viria com tudo. Não deu outra: fizeram o que sabem fazer, que é
desqualificar o mensageiro com ataques pessoais chulos, com rótulos como
“reacionário” ou “roqueiro decadente”. Fogem do debate.
Lobão tem coragem de remar
contra a maré vermelha, ao contrário da esquerda caviar, a turma “radical chic”
descrita por Tom Wolfe, que vive em coberturas caríssimas, enxerga-se como
moralmente superior, e defende o que há de pior na humanidade. No tempo de
Wolfe eram os criminosos racistas dos Panteras Negras os alvos de elogios; hoje
são os invasores do MST, os corruptos do PT ou ditadores sanguinários
comunistas.
O roqueiro rejeita essa típica
visão brasileira de vitimização das minorias, de culpar o “sistema” por crimes
individuais, de olhar para o governo como um messias salvador para todos os
males. A ideia romântica do “Bom Selvagem” de Rousseau, tão encantadora para
uma elite culpada, é totalmente rechaçada por Lobão.
Compare isso às letras de
Chico Buarque, ícone dessa esquerda festiva, sempre enaltecendo os “humildes”:
o pivete, a prostituta, os sem-terra. A retórica sensacionalista, a preocupação
com a imagem perante o grande público, a sensação de pertencer ao seleto grupo
da “Beautiful People” são mais importantes, para essas pessoas, do que os
resultados concretos de suas ideias.
Vide Cuba. Como alguém ainda
pode elogiar a mais longa e assassina ditadura do continente, que espalhou
apenas miséria, sangue e escravidão pela ilha caribenha? Lobão, sem medo de
ofender os “intelectuais” influentes, coloca os pingos nos is e chama Che
Guevara pelos nomes adequados: facínora, racista, homofóbico e psicopata. Quem
pode negar? Ninguém. Por isso preferem desqualificar quem diz a verdade.
Lobão, que já foi cabo
eleitoral do PT, não esconde seu passado negro, não opta pelo silêncio
constrangedor após o mensalão e tantos outros escândalos. Prefere assumir sua
“imbecilidade”, como ele mesmo diz, e mudar. A fraude que é o PT, outrora visto
como bastião da ética por muitos ingênuos, já ficou evidente demais para ser
ignorada ou negada. Compare essa postura com a cumplicidade dos “intelectuais”
e artistas, cuja indignação sempre foi bastante seletiva.
Outra área sensível ao autor é
a Lei Rouanet, totalmente deturpada. Se a intenção era ajudar gente no começo
da carreira, hoje ela se transformou em “bolsa artista” para músicos já famosos
e estabelecidos, muitos engajados na política. Lobão relata que recusou um
projeto aprovado para uma turnê sua, pois ele já é conhecido e não precisava da
ajuda do governo. Compare isso aos ícones da MPB que recebem polpudas verbas
estatais, ou que colocam parentes em ministérios, em uma nefasta simbiose
prejudicial à independência artística.
O nacionalismo, o ufanismo boboca,
que une gente da direita e da esquerda no Brasil, também é duramente condenado
pelo escritor. Quem pode esquecer a patética passeata contra a guitarra
elétrica que os dinossauros da MPB realizaram no passado? Complexo de
vira-latas, que baba de inveja do “império estadunidense”. Dessa patologia
antiamericana, tão comum na classe artística nacional, Lobão não sofre. O rock,
tal como o conhecimento, é universal. Multiculturalismo é coisa de
segregacionista arrogante.
No país do carnaval, futebol e
novelas, onde reina a paralisia cerebral, a mesmice, o conformismo com a
mediocridade, a voz rebelde de Lobão é uma rajada de ar fresco que respiramos
na asfixia do politicamente correto, sob a patrulha de esquerdistas que
idolatram Chico Buarque e companhia – não só pela música.
Em um país de sonâmbulos,
anestesiados com uma prosperidade ilusória e insustentável; em um país repleto
de gente em busca de esmolas e privilégios estatais; em um país sem oposição,
onde até mesmo Guilherme Afif Domingos, que já foi ícone da alternativa
liberal, rendeu-se aos encantos do poder; o protesto de Lobão é mais do que
bem-vindo: ele é necessário. Precisamos de mais Lobão, e menos Chico Buarque.
Título e Texto: Rodrigo Constantino,
economista, O Globo, 14-05-2013
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Mas Rodrigo Constantino, tem que entender que gostar de Chico é chique, mesmo que não entendam uma só palavra que diga, os deslumbrados e ávidos por um pouco de "cultura" são obrigados a prestar reverência ao canalha! Veja bem: se você não é fã do Chico, significa que é um bitolado, entende?
ResponderExcluirLobão surgiu como uma luz no fim do túnel, uma voz ativa e corajosa. Não fiquei surpresa porque Lobão nunca foi de ter papas na língua.
Maravilha pura a sua resenha.
Abraços.
Sua admiradora,
Suzana
O Chico tem seu valor. Acho ele um incoerente sim por ser um comunista rico mas ele tem um legado cultural que me faz ter orgulho de ser brasileira.
ResponderExcluirComparar os dois não é justo pois viveram em momentos diferentes.
Posso afirmar com certeza que a obra que o Lobão vai deixar não chega aos pés da obre que o Chico vai deixar. Eu confesso que esperava mais do Chico neste momento politico mas tb acho que se o máximo que a nossa geração consegue fazer pela cultura é destruir o trabalho a geração anterior, ele fez bem em se retirar do cenário. Nossa geração tem Lobão. A geração do meu filho tem o funk.
Talvez, um dia, num futuro próximo, assistamos a uma 'cantora' de funk nua desconstruir a imagem do Lobão .
Circe Aguiar
E todos aplaudirão
ResponderExcluircirce aguiar