quarta-feira, 15 de julho de 2015

Dez anos

José Carlos Bolognese
No próximo mês de agosto completo dez anos dessas relutantes escrevinhações. O assunto Varig/Aerus, o meu “Samba de uma nota só”, como o chamei desde o início, só me deu a alegria de me reaproximar de colegas conhecidos de voo e de terra - e de me aproximar outros que não conheci, mas que repartem comigo o mesmo drama. Não sou um sujeito muito organizado, não acho importante ficar arquivando tudo e, salvo que trabalho sobre um tema que continua o mesmo até hoje, não me lembro muito do que escrevi.


Quem escreve – até bula de remédio – espera ser lido, pelo menos por aqueles ligados ao tema. No meu caso, eu sempre sonhei ser lido e repassado (podem rabiscar nas entrelinhas: sujeito pretensioso!) pelo universo dos variguianos indignados e, com algumas ousadas escapadinhas, para a “mídia”, por pessoas e entidades influentes de fora do nosso meio e mesmo de fora do país. Os colegas e amigos da Varig me deram agradáveis retornos e incentivos; pessoas influentes - umas poucas - como os jornalistas Ricardo Setti, Átila Nunes, Danielle Nogueira, Déborah Copic e Fernando Toscano e alguns políticos que não traem seus eleitores, também se fizeram presentes... e no entanto aqui estou eu, apenas marcando o décimo ano de uma luta inacabada.

Se não melhorei a vida material de ninguém, nem a minha, pois é a volta do nosso dinheiro o motivo dessa minha digitação compulsiva, acho que afinal aprendi sobre mim mesmo e sobre o país injusto onde vivo. Por país, quero dizer estado, visto que a sociedade, a nação dos brasileiros é feita de uma maioria de pessoas trabalhadoras, que não violam leis que desconhecem, assim mais por seu próprio caráter e formação do que pelo conhecimento e o acatamento delas. No meu modo de ver, os brasileiros (variguianos incluídos) se impressionam menos com as instituições e seus manuais de operação – as leis – do que com pessoas investidas de poder. Tanto é assim que sempre estamos à espera do próximo salvador da pátria. Terceirizar o pensamento é mais confortável que pensar por si mesmo. Mas resulta em abdicar de uma vida melhor. Nós encarnamos o que o escritor Robert Gerzon chama de complexo de Abel:

Abel é o protótipo do neurótico, o “cara legal” que vira a ansiedade contra si mesmo, resultando em baixa autoestima e doença psicossomática auto-sabotadora.

“O complexo de Abel simboliza o fracasso de suportar a ansiedade necessária para desenvolver a personalidade. Ele se manifesta todas as vezes que permitimos que outras pessoas definam quem somos ou quais são nossas crenças.”

e ainda....

“Quando pessoas se juntam a grupos ou adotam crenças para evitar a responsabilidade de pensar por si próprias, seguem os passos de Abel… e geralmente se tornam vítimas dos Cains ávidos de poder.”

Uma tristeza que me acompanha nesses últimos nove anos é já ter compreendido o complexo de Abel – mas não saber como lutar efetivamente contra seus efeitos danosos. Não permito que outras pessoas definam o que sou ou o que penso – mas são outras pessoas que determinam como eu vivo - infelizmente. Escrever, reclamar das injustiças é minha maneira de evitar a ansiedade tóxica – sempre presente - e dar a ela alguma utilidade. Mas, a falta de resultados concretos somada ao inexorável passar do tempo é algo com o que não se lida facilmente.

Resta, na falta dos resgates materiais que espero e mereço - afinal todos nós merecemos – ficar analisando os ganhos possíveis dentro situações complicadas como essa que vivemos. Um desses ganhos é estar aqui mesmo, forçando uma disciplina que custei a assumir para dedilhar um teclado, focando a mente no garimpo ideias coerentes. A busca do melhor sentido, de palavras que melhor se ajustem às frases, da pesquisa, do uso até meio atrevido do amplo estoque de ideias dos outros, encontradas em livros e na Internet é um ativo imune a calote. A outra forma de encontrar algum sentido em tudo isto é a de – obrigado ou não – descobrir que materialmente é possível viver com menos. Podemos, mas depende de cada um, comer menos, usar as coisas da vida diária por tempo mais longo, conversar mais com estranhos, aceitar que outros sofrem mais que nós... e por aí vai. O que eu não faço é abrir mão do meu espaço mental e espiritual - onde não é preciso viver com menos.
Este é o lugar, o refúgio imune ao empobrecimento. Com ou sem o Aerus.
Título e Texto: José Carlos Bolognese, 15-7-2015

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