Plínio Sgarbi
A Luta pelo Direito de Rudolf von Ihering, jurista-filósofo alemão, editado pela primeira vez em 1872, é um livro sobre Política e Direito, onde o homem, mais do que articulador da vida social é o agente que desagrega a opressão, a humilhação e a indignidade. O objetivo do direito é a paz, a luta é o meio de consegui-la. Enquanto o direito tiver de rechaçar o ataque causado pela injustiça, e isso durará enquanto o mundo estiver de pé, ele não será poupado.
A vida do direito é a luta, a luta de povos, de governos, de classes, de indivíduos. Todas as grandes conquistas do Direito, abolição da servidão humana, da liberdade do pensamento, etc, foram alcançadas à custa de combates através dos séculos.
Entre o direito do ser e do dever, analisando a justiça, Rudolf von Ihering usa, de forma ensaísta, uma famosa celeuma jurídica para ilustrar seu pensamento: a libra de carne, tema da peça de Shakespeare, "O Mercador de Veneza".
Lá pela metade do livro, o jurista alemão escreve que em sua consciência, o devedor de uma dívida encontra-se na mesma linha do ladrão. Onde a justiça caminha a passos de tartaruga, na minha leiga impressão jurídica, torna-se curioso esse pensamento às vistas do processo da prescrição.
Uma divida financeira, após três ou cinco anos, torna-se prescrita e o devedor terá seu nome limpo e a liberdade para contrair novas dívidas. Muitos desses devedores são por natureza, caloteiros e mesmo com processos e bloqueios financeiros, sempre arrumam um jeito de praticar as suas lábias-manobras caloteiras, conquistando a confiança de pessoas honestas.
Nessa linha que o autor descreve, quem seria o maior ladrão: o devedor-caloteiro, que enche um carrinho de mercadorias em um supermercado e paga a fatura com um cheque sem fundos, ou um desempregado que roubou desse supermercado apenas um pacote de biscoitos para alimentar um filho?
Sendo então os delitos de estelionato e roubo, ambos sofrerão consequências. O fulano estelionatário que pagou a sua compra com cheque sem fundos sofrerá bloqueios financeiros e depois de alguns anos, terá novamente a liberdade de contrair dívidas. Já o desempregado, que roubou uma caixa de biscoitos, sofrerá as consequências imediatas, como a prisão e se esse for um infeliz azarado, corre o risco de perder até a sua própria vida, vítima de uma perseguição exibicionista de um segurança ou policial.
Há na sociedade o ladrão que desvia recursos públicos, recursos destinados à saúde, ensino, segurança, habitação, etc. Esse sim o grande bandido, câncer de uma sociedade.
De políticos de todas as espécies, servidores públicos de qualquer exercício de cargo, civis inseridos em quadrilhas bem aparelhadas e esquemas muito bem organizados, abrigados em entitidades, associações, igrejas, sindicatos ou grupos e amparados por ternos, batinas, aventais, togas e fardas, que desviam recursos, materiais e instrumentos públicos, obtidos através do povo, assaltantes, traficantes, a um simples marginal ladrão de galinha que começa a escalada do crime empunhando uma arma, na minha opinião, são todos bandidos.
O grande entrave para a atuação eficaz da Justiça é a existência de leis casuísticas que protelam ao máximo a apuração e o julgamento desses infratores.
A justiça tarda e não raras vezes, falha.
Como lutar pelo direito de exigir punições e que esses recursos desviados voltem aos cofres públicos?
Onde a sociedade não se impõe de forma organizada, não são gerados controles efetivos do poder. Assim, seus detentores não se sentem obrigados a prestar contas e a corrupção e a roubalheira correm soltas.
Muitos desses Bandidos que desviam recursos públicos são adorados pelo povo e, então, o voto eleitoral passa a ser uma "arma" pela qual alvejamos apenas em nossas testas. Porém, mesmo sabendo o efeito dessa "arma", sempre surgirão frentes tentando convencer ser as melhoristas, com as mesmas artimanhas e com os mesmos velhos discursos, vendendo esperanças na humanização do trato social nesse estado de coisa que não tem mais conserto. A esperança pode tornar menos difícil suportar o momento presente e aí sempre aparecerão aqueles vendendo oportunisticamente esperanças que faz eleitores a se oferecerem a uma sempre e certa "servidão voluntária".
Cesare Beccaria, 1738-1794 |
(... eis porque tanta gente só vê na sociedade política uma máquina complicada, na qual os mais hábeis ou os mais poderosos governam as molas ao seu capricho. Eis também o que multiplica esses homens frios, insensíveis a tudo o que encanta as almas ternas, que só experimentam sensações calculadas que, todavia, sabem excitar nos outros os sentimentos mais caros e as paixões mais fortes, quando estas são úteis aos seus projetos... “Dos Delitos e das Penas - Cesare Beccaria, filosófico-humanitário italiano – 1764”)
Título e Texto: Plínio Sgarbi
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