Meu amigo Sérgio lembra que em
1971, de traquinagem, quebrou o farol de um carro estacionado perto da casa
dele. O pai soube, deu-lhe uma surra de cinta e o traquina nunca mais fez
aquilo. Entrou para a faculdade e hoje é um profissional de sucesso. Em 2011
seu filho fez o mesmo, Sérgio reprisou a surra que levara, mas seu filho o
denunciou e ele foi condenado à prestação de serviços comunitários. O filho
caiu na droga e hoje está num abrigo para menores. Em 1971, o coleguinha mais
moço de Sérgio sofreu uma queda no recreio, a professora deu-lhe um abraço e o
menino voltou a brincar. Em 2011, outro menino esfolou-se no pátio da mesma
escola, a diretora foi acusada de não cuidar das crianças, saiu na TV e ela
renunciou ao magistério e hoje está internada, em depressão.
Em 1971, quando os coleguinhas
de Sérgio faziam bagunça na aula, levavam um pito do professor, eram levados à
direção e ainda sofriam castigo em casa. E todos se formavam prontos para a
vida. Em 2011, a bagunça em sala de aula faz o professor repreendê-los, mas
depois pede desculpas, porque os pais foram se queixar de maus-tratos à
direção. Hoje fazem bagunça no trânsito e no cinema, incomodando os outros. Em
1971, nas férias, todos saíam felizes, enfiados num Fusca. Depois das férias,
todos voltam a estudar e a trabalhar mais. Em 2011, a família vai a Miami,
volta deprimida e precisa de 15 dias para voltar à normalidade na escola e no
trabalho.
Em 1971, quando alguém da
família de Sérgio adoecia, ía ao INPS, esperava duas horas, era atendido, tomava
o remédio e ficava bom. Saía a correr, pedalar, subir em árvores de novo. Em
2011, os parentes de Sérgio pagam uma fortuna em planos de saúde, fazem exames
de toda sorte, à procura de câncer da pele, pressão nos olhos, placas nas
artérias, glicose, colesterol, mas o que têm é distensão muscular por causa de
exageros na academia. Em 1971, o tio preguiçoso de Sérgio foi flagrado fazendo
cera no trabalho. Levou uma reprimenda do chefe na frente de todos e nunca mais
relaxou. Em 2011, o cunhado de Sérgio foi flagrado jogando xadrez no computador
da empresa, o chefe não gostou e o puniu. O chefe foi acusado de assédio moral,
processado, a empresa multada, o cunhado relapso foi indenizado e o chefe
demitido.
Em 1971, o irmão mais velho de
Sérgio deu uma cantada na colega loira de trabalho. Ela reclamou, fez charminho
e aceitou um jantar. Hoje estão casados. Em 2011, um primo de Sergio elogiou as
pernas da colega de escritório, foi acusado de assédio sexual, demitido e teve
que pagar indenização à mulher das belas pernas, que acabou no psiquiatra. Meu
amigo Sérgio me pergunta o que deu em nós, nesses 40 anos, para nos tornarmos
tão idiotas, jogando fora a vida como ela é. Dei a resposta: é a ditadura da
hipocrisia imbecil do politicamente correto.
Título e Texto: Alexandre Garcia
Via Rubens de Freitas
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