A indiferenciação,
que avança como uma gangrena, é um mal característico de nossos dias.
Para o new look hodierno,
tudo se passa como se o prejudicial ao homem fosse seu acabamento. Pareceria
existir uma preferência pelo menos bem acabado enquanto inteligência,
equilíbrio, habilidade, sexo, percepção, etc., e pelo tosco em todos os
sentidos, desde que se apresente como manda o figurino hipermoderno, ou seja,
sorridente e despreocupado.
Vejamos alguns exemplos.
As diferenças entre as idades
são relativizadas. O que antigamente era “um homem feito”, hoje frequentemente
é um “adulto de bolso”… Quase não conta mais, para efeitos práticos, que a
pessoa tenha ou não atrás de si, muitos anos e sabedoria acumulados. Ou, se
conta, é para que lhe seja negado emprego por “excesso de idade”, o que,
conforme o ramo, já começa a acontecer aos 30 anos. Por mais que a pessoa
coloque de lado qualquer ideia de dignidade e procure parecer jovem, esportiva,
não conseguirá ter pleno trânsito, nem na sociedade em geral, nem mesmo entre
seus coetâneos. Pleno trânsito quase só o possuem aqueles que, por sua
condição, têm pouca experiência da vida. (1)
Fala-se em promover “o
homem pardo da ONU”, ou “o homem bege”, a saber, a média cromática entre o
branco, o preto, o vermelho e o amarelo. Um homem indeterminado, sem raça
definida, destituído o quanto possível de características próprias e, a fortiori,
de sua ascendência familiar. A ONU arroga-se assim o direito de corrigir o que
certamente considera um “erro” da natureza… Ora, a natureza é uma obra de Deus.
Será que a ONU julga ter altura para corrigir a Deus?
A palavra “unissex”, tão
corrente, mostra a tendência à fusão dos sexos, quanto o permita a natureza, ou
esquecida esta. A voga do homossexualismo está para os sexos como o “homem
pardo da ONU”está para as raças. O meio-termo em todos os campos é a grande
obsessão.
Observa Edgar Morin: “O
homem se efemina: fica mais sentimental, mais terno, mais fraco. Ao pai
autoritário sucede o pai maternal, ao marido-chefe, o companheiro. [...] Inversamente,
à emancipação masculiniza, certas condutas femininas: a autodeterminação
sociológica adquirida pela mulher se torna autodeterminação psicológica. [...]
A mulher está presente por toda parte, mas a mãe envolvente, desapareceu”.
(2)
Também vão diminuindo cada vez
mais as diferenças entre pais e filhos, bastardos e filhos legítimos, esposas e
concubinas, homens normais e tarados, bêbados e sóbrios, professores e alunos,
patrões e empregados, ricos e pobres, índios e “caras-pálidas”, bem-educados e cafajestes,
civilizados e bárbaros, história e devaneio, fato e versão, realidade e ficção,
música e ruído, obras de arte e brincadeiras de mau gosto… e até mesmo entre
padres e leigos. Por vezes, fico pensando que mesmo alguns representantes do
sagrado vão se despindo de seus véus de mistério para poder habitar no vale
poluído da humanidade em liquidação de si mesma.
Hoje em dia, a superioridade
muitas vezes inferioriza. Por exemplo, a natural ascendência própria à idade.
Afirma Valéria Propato: “Ter a hierarquia do conhecimento invertida é uma
experiência completamente nova em nossa sociedade. Por assimilarem a mídia
digital com mais rapidez, crianças e jovens hoje têm uma autoridade em relação
aos adultos que nunca tiveram”. (3)
O ridículo dá as mãos ao pedante
na mania do “politicamente correto”, ou seja, na tentativa por vezes vã de
evitar termos que exprimam desigualdades passíveis de ferir as
susceptibilidades dos que sob algum aspecto estão abaixo da média. Os velhos
tornaram-se “homens da terceira idade”; os cegos, “deficientes visuais”; os
loucos, “usuários de serviços psiquiátricos”; as mães solteiras, “mães
celibatárias”, etc.
Manifestações de uma tendência
ainda mais extremada consistem em amortecer as diferenças existentes entre os
homens e os bichos. Fala-se cada vez mais em “direitos” dos animais, artigos em
revista de veterinária chamam-nos de “pacientes”, constroem-se hotéis para
gatos, escovam-se os dentes de cachorros, (4) seus corpos são enterrados em “cemitérios” com
direito a lápide e flores, etc.
Curioso que, em se tratando de
animais, fala-se muito da importância de manter a biodiversidade da natureza;
mas pouca atenção se dá em manter os povos com suas características próprias.
Procura-se prestigiar os bichos e depreciar ao máximo a velha e notável raça
humana… (5)
__________
Notas:
1.
“O blue jeans, traje deliberadamente popular introduzido nas
universidades americanas por estudantes que não queriam parecer com seus pais,
terminou surgindo, em dias de semana e feriados, ou mesmo, no caso de ‘ocupações
criativas’ e outras avançadinhas, no trabalho, embaixo de muita cabeça
grisalha” (Hobsbawn Eric, Era dos Extremos (Companhia das Letras, São Paulo,
1998, p. 320).
2.
op. cit., I, p. 140 e 152.
3.
“Isto é”, S. Paulo, 9-4-2000.
4.
“O Estado de S. Paulo”, 1-2-99, p. A9.
5.
“O homem, dotado de alma espiritual, foi colocado por Deus acima da escala dos
seres vivos, como príncipe e soberano do reino animal” – Pio XII, Alocução de
30-11-1941.
Título, Imagem e Texto: Leo Daniele, ABIM,
10-09-2014
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