Helena Matos
Ilustração: Henrique Monteiro |
Por que hão de países cujos
cidadãos vivem pior que os gregos, pagam mais impostos que os gregos e se
reformam mais tarde que os gregos ser "solidários" com os gregos? O
voto foi dos gregos, não deles
Há três conclusões a tirar do
referendo grego:
I) Não se pode negociar com
demagogos da mesma forma que se negoceia com quem está disposto a respeitar as
regras.
II) Aos demagogos os povos não
exigem nada antes toleram quase tudo porque os demagogos sobrevivem porque
transferem sempre as culpas para os outros.
III) Se no poder os demagogos
são quase imbatíveis na verdade só lá conseguem chegar porque beneficiam de uma
extraordinária tolerância e condescendência por parte dos outros protagonistas.
A coisa começou mais ou menos
assim: eles têm tanta graça. Porque não usam gravata. Porque usam rabo-de-cavalo.
Porque rapam o cabelo. Porque andam de bicicleta. Porque andam de mota. Porque
andam de metro. Porque andam. Porque são aplaudidos nas marchas do negócio do
politicamente correcto. Porque passam dos restaurantes mais in para os
colectivos de okupas. Porque para lá dos seus círculos só vêem roubalheira,
negociatas, interesses. Porque nas televisões de dedo espetado dizem que todos
os outros são corruptos. Eles, claro, nunca são corruptos e se por acaso alguém
lhes chama a atenção para um financiamento obscuro ou um caso de nepotismo
reagem vivamente indignados e exigem desculpas imediatas. É como o patriotismo.
Quando eles falam de orgulho nacional, de pátria e de levantar a cabeça quase
nos devemos perfilar. Mas se forem os outros a fazer o mesmo discurso está-se
diante de velho ranço da direita nacionalista, patrioteira, folclórica para não
dizer fascista.
Eles determinam o que é
correcto e incorrecto. Mas não só. Garantem também como vão ser as famílias do
futuro, as causas do futuro, o futuro em si mesmo. Do berço à cova eles têm uma
causa e uma política para cada momento.
Eles são os nossos radicais.
De esquerda, claro. (Também os há de direita e vão vê-los dentro em breve!)
Em muitas das universidades
são dominantes. Os jornalistas tratam-nos por tu. São tão amorosos não são? Tão
inteligentes, tão giros, tão sexys. E depois dizem aquelas coisas sobre as
pessoas que não são números, falam de afectos, de virar a página a isto e
àquilo sem mais problemas. São adoráveis de facto. Até ao momento em que têm
poder.
Aí percebe-se que não mudaram
nada. Continuam na mesma barricada dos outros tempos. Enquanto exigem para si e
para os seus resultados um respeito institucional quase sagrado fazem
gato-sapato dos seus interlocutores. Desautorizam-nos. Ridicularizam-nos.
Fintam-nos. E no fim gritam que é preciso negociar, dialogar, estabelecer
pontes.
Dantes queriam fazer
revoluções. Agora têm projectos. A diferença é que nas revoluções arranjavam
portas a dentro o seu financiamento: nacionalizavam e confiscavam. Agora exigem
ser patrocinados. Como se tudo não passasse de um filme.
Desculpem mas neste logro só
cai quem quer. E cair uma vez vá que não vá. Duas já tem que se lhe diga e à
terceira ou é masoquismo ou estupidez. Como aqui escrevi há algumas horas o
referendo que decorreu na Grécia não teria sido considerado aceitável caso não
tivesse sido convocado pelo Syriza, tão queriducho que ele é das redacções, dos
activistas, das pessoas de causas e de toda aquele gente que vive de teorizar
sobre aquilo que os outros devem fazer, dar, garantir… Imaginam o que não se
teria dito e escrito caso, por exemplo, em Angola se convocasse um referendo
com esta informalidade, para não lhe chamar outra coisa? Já imaginaram a
senhora Marine Le Pen a querer referendar numa semaninha algumas daquelas
ideias que lhe animam o encéfalo?
Não, não me vão dizer que há
matérias que não são referendáveis. Desde esta semana na Europa referenda-se o
que se quiser e nos moldes em que se quiser. Até por exemplo cessar a ajuda à
Grécia. Por que hão de países cujos cidadãos vivem pior que os gregos, pagam
mais impostos que os gregos e se reformam mais tarde que os gregos ser
“solidários” com os gregos que votam num governo que para cúmulo namora
descaradamente com uma Rússia que é uma ameaça directa para segurança de alguns
desses países?
Devíamos ter pensado nisso
antes? Pois devíamos. Mas agora é tarde. O que conta é que o Syriza ganhou na
Grécia. E é preciso que isso fique claro: ganhou na Grécia. E tem um mandato
para governar a Grécia. Não o dinheiro dos contribuintes europeus e a UE.
É dramático a Grécia sair do
euro? Para os gregos é, mas se calhar nem é tanto quanto ficar. E antes que
estejamos a ver Pablo Iglesias e Marine Le Pen com os mesmos truques em Madrid,
Paris e em Bruxelas convém que se esclareça que os votos nos radicais não valem
mais que os outros.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 6-7-2015
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-