Carina Bratt
Era tão magra e raquítica que muitas
vezes se via confundida com um desses palitos de restaurantes de periferia. Às
costas do dia a dia, passava longe da arrogância, embora se achasse melhor que
todo mundo. Não se amava, se mordia a ponto de sangrar os cotovelos dos pés de
tanta inveja que sentia, principalmente de uma vizinha sua, que parecia ter sido
irmã siamesa de Pabllo Vittar em encarnações passadas.
Frequentemente abordava longos papos
consigo mesma. Extremamente inteligente, conversava, ora com as paredes, ora
com seus medos e receios, embora, na maioria das vezes, não entendesse
exatamente nada do que as cadeiras da cozinha lhe dissessem. Católica até dizer
chega, não faltava às missas de domingo. Chegava sempre atrasada, quando todos se
propunham a ir embora e o padre, para fugir de suas tagarelices, se escondia
ligeiro, na cueca do sacristão.
Apesar disso tinha Deus Pai como um Ser
Divinizado. Comungava com os botões de suas blusas e vestidos, que “Fé demais
não cheirava bem”, principalmente depois que assistira por cento e duas vezes ao
longa “Leap of Faith”, de Richard Pearce. Nutria, por conta desse filme, o convencimento
positivista de que o negócio mais lucrativo do mundo seria um só. Comprar um de
nossos parlamentares (fosse essa bosta senador, deputado ou ministro do Supremo)
pelo que ele não valeria ainda que trocado por merda na feira de Acari e
vendê-lo para Donald Trump pelo que ele pensaria custar em dólares estando fora
do país.
Sua única sogra jamais fora
considerada parente mesmo quando estivera casada com o filho da pobrezinha por
dois meses. Para ela, essa infâmia se constituía numa pedra de encosto,
principalmente na de seu entre aspas, “marido provisório”, enquanto lhe servira
de esposo. Propagava em encontros com amigas e amigos que feliz, de fato, fora o
bíblico Adão, que não tivera uma jararaca em sua existência, apenas uma
cobrinha insossa e sem graça com a qual palitou por diversas vezes os dentes
depois de jantar fartamente a sua pequena e sonhadora Evinha.
Desgraçadamente viciada em carros antigos
adorava bater uns nos outros, só para ver o tamanho do estrago. Nunca tirou
carteira de habilitação. Sempre que vencia a sua CNH, renovava o porte de arma.
Entendia que uma Beretta na cintura se constituía na melhor amiga e companheira
de uma motorista, assim como uma puta de beira de estrada se tornava
indispensável na boleia de um caminhoneiro solitário e longe da família.
Mão de vaca e sovina em excesso, abria
a guarda somente para cumprimentar os bois que encontrava por onde passava. Carregava
a certeza de que alguém parado numa esquina (fosse tarde da noite ou não) poderia
desconfiar, sem medo de errar, tratar-se de um ladrão em potencial. Todavia, se
a criatura corresse, ao se ver aproximar um estranho, seria um veadinho
qualquer com dinheiro oriundo de propinas de algum figurão filiado ao PT.
Mulher jovem de espírito decidido, sem
freios ou papas na língua, possuía as curvas perfeitas. Não como as da estrada
de Santos, no litoral paulista, tampouco as perigosas da Serra do Rio dos
Rastros, em Santa Catarina. Pior, se assemelhava, sem dúvida alguma, as de Hana
Roade, na famosa ilha de Maui no Havaí. Não
andava, em hipóteses nenhuma, na linha, não por assombro ou cagaço de vir a ser
atropelada por um trem, contudo, o de ser ferida pela agulha pontiaguda de
alguma Maria Bordadeira capenga das vistas.
Para ela, a humanidade se dividia
indubitavelmente em duas partes distintas: os que não tinham pavor de encarar o
mundo de frente e os que se acovardavam e viravam marionetes nas mãos dos afortunados
e soberanos. Apostolava um exemplo simples, para corroborar o seu fio de
conduta: “Assim como temos os brasileiros que votam em ladrões e mafiosos há os
de sangue nas ventas, que partem para a briga e expulsam os demônios que querem
se abancar infinitamente no que eles pensam ser o PODER”.
Quando descobriu ao completar vinte e
cinco anos um câncer nos ossos e meses depois veio a óbito, todos os vizinhos e
amigos lhe foram dar o derradeiro adeus numa cerimoniazinha simples. A mãe,
coitada, antes de o caixão baixar à sepultura, quis dizer algumas
palavras. Por certo, cá entre nós, o
mínimo que poderia fazer, em face daquela fatalidade repentina. Entre lágrimas
a lhe escorrerem pelo rosto enrugado, amparada por consanguíneos vindos às
pressas, ergueu os olhos para o céu e mandou bala:
- Senhor, receba minha filha em sua
Santa Misericórdia, com a mesma alegria e prazer com que te despacho agora.
Título e Texto: Carina
Bratt, secretária e assessora de imprensa do jornalista e escritor
Aparecido Raimundo de Souza. De São Paulo, Capital. 12-8-2018
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