Jim,
boa tarde.
Achei
este texto que fiz para o meu pai.
Não sei
se o meu cidadão pai está morto ou vivo, vez que sumiu e nenhum dos filhos sabe
dizer-lhe o paradeiro.
Mando
as únicas fotos que tenho.
Abraços,
Aparecido
12 de agosto de 2018
Lembranças
de meu Papito
(Para meu pai Roberto Raymundo de Souza)
Aparecido Raimundo de Souza
SEMPRE
PENSO NELE.
E o faço imbuído numa saudade enorme, com respeito, com paciência de um filho
que não se achou. Ao ver aproximar-se o seu dia, o dia dedicado aos pais,
envelhecidas recordações insistem em arrancar-me lagrimas ocultas. O fato é que
papai sempre fez questão de viver ausente. Foi assim desde que passei a me
entender – não como gente – mas como adulto.
Acostumei-me desde tenra idade, a sua falta logo ao acordar
à mesa do café, a sua carência física na hora do almoço e do jantar sempre
feito entre mamãe e os meus outros seis irmãos. Como eles, habituei-me,
igualmente, ao seu paradeiro incerto, duvidoso, ao seu lapso de afetividades em
relação aos nossos laços de consanguinidade.
Essa brecha deixada por papai, apesar dos pesares, legou-me
marcas profundas ao coração. Com o passar dos anos, a minha certeza de
felicidade, o meu conceito de família perdeu o brilho do amor. A minha alma se
transformou em pedra bruta. O meu “eu” sucumbiu às inconsequências de um amor
que não foi regado, como uma plantinha que necessitava de água para sobreviver.
Todavia, consegui vislumbrar nessa falta de insensatez de
papai, alguns pontos positivos. Para não me tornar cansativo citarei apenas um
a título de exemplo. Jamais deixar meus filhos ao abandono, ou jogados à sorte
de dias cinzentos e divorciadamente vazios, sem a magia e o encantamento de
estar com eles, lado a lado, vivenciando cada minuto, cada hora, cada
acontecimento novo.
A abstinência de meu pai pelo silêncio duradouro fez-me,
pois, forte na fraqueza. Deu-me a coragem para seguir adiante. Cheguei aonde pretendia
meio capenga verdade seja dita, porém, confesso, o seu eterno desaparecimento
pontilhou meus passos com profundas marcas indeléveis. Saudades criaram formas,
formas se agigantaram e se perpetuaram na solidão da minha estrada incerta e
sem fim.
É por isso que procuro, hoje, como pai que sou estreitar de
maneira sólida os laços de parentesco com meus pequenos. Sedimentar o aconchego
de maneira que eles, amanhã, não vivam cada um para si, ou pior, não sigam cada
um a seu modo, remando em mar de fúria, sem destino previamente traçado,
esgaravatando o destino, sozinhos, marchando cada um a seu bel prazer, a
procura da sua rota, como nômades, neófitos sem horizontes, às apalpadelas,
destituídos sobremaneira, da consciência do que a sociedade teima em chamar de
família.
Em linha igual não tenho raiva de meu pai. Pouco convivemos
um trilhar a dois. Não tenho muitas fotos (talvez umas três ou quatro), não
tenho vídeos, cartas escritas ou bilhetes. Não tenho recordações, álbuns ou
quimeras para perpetuar pequenos mimos. Apesar desse buraco negro, não guardo
ódios, não alimento rancores. Ele fez a sua escolha e seguiu em frente.
Quem sabe, talvez, papai não tenha fugido dele mesmo em
busca de seu próprio eu interior. Pelo
sim, pelo não, não me cabe julgá-lo, não me cabe condená-lo, ou
absolve-lo. Meus irmãos dizem que nosso
velho veio a óbito recentemente. De
concreto, sei apenas que desconheço onde está sepultado.
Se realmente baixou à morada derradeira (onde repousaremos
quando a figura da morte nos fizer passar a mão no banquinho e deixar o palco
da vida), por certo nos veremos, nos encontraremos em alguma esquina de sonho,
ou numa praça de saudade, iluminados por alguma estrela cadente... talvez ai, e
só então, ai, verdadeiramente nos abraçaremos.
Nessa hora eu deixarei, enfim, de sentir esse vazio mórbido que me
persegue, essa lacuna iracunda que me tolhe ser verdadeiramente feliz e
plenamente realizado.
Título, Imagens e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, jornalista. De São Paulo, Capital.
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