terça-feira, 6 de julho de 2021

[Aparecido rasga o verbo] A trama do imediato

Aparecido Raimundo de Souza

PAULINHO BOGODÓ pega o telefone, liga para o seu médico e marca, com a secretária dele, uma consulta. No dia aprazado, sai do serviço depois de pedir permissão ao seu chefe. Funcionário exemplar, procura chegar mais cedo para poder regressar o mais rápido possível aos seus encargos. Na recepção, paga o valor que lhe fora cobrado e espera a sua vez. Menos de vinte minutos depois, a bela moça que trabalha com o clínico sinaliza para que ele entre. Assim que se acomoda na frente de seu esculápio, põe para fora seu rol de reclamações.

Paulinho Bogodó.
— Doutor Eusébio, não ando me sentido bem...
Doutor Eusébio.
— Qual é o seu problema, meu caro Paulinho?
Paulinho Bogodó.
— Estou trabalhando pesado, de segunda a segunda, como se fosse uma besta...
Doutor Eusébio.
— Continue...
Paulinho Bogodó.
— A noite, ao chegar em casa, tomo banho, janto e me recolho. É nessa hora que o bicho pega, doutor. A patroa, depois da novela, quer uma atençãozinha. Sabe como é: não estou conseguindo acompanhar o ritmo dela. 

Doutor Eusébio. 
— Procure se adequar, meu jovem, isso que ela está fazendo é bom. Faz você se acalmar, aliviar o estresse, sem falar em outras maravilhas.
Paulinho Bogodó.
— Pode até ser, doutor, pode até ser. Mas o que estou querendo dizer ao senhor é que a Claudinha, minha amada e querida, de uns tempos para cá, se tornou insaciável. Toda noite, quer “tirar” duas, três... se duvidar, quatro...
Doutor Eusébio.
— E onde está seu problema, meu rapaz? Você é jovem e, pelo seu porte físico excelente, concluo que é um sujeito saudável, vigoroso, tem um carisma excelente... é só dar o que ela quer...

Paulinho Bogodó.
— Eu dou, doutor. Nossa! Chego junto, compareço. O negócio é que ela, por ser muito jovem, mais nova que eu cinco anos, quer sempre mais e vem exigindo meus esforços além da conta. Como disse, ela não se contenta só com uma transa. É duas, três e, no final das contas, eu acabo trabalhando, também em casa, ou não sei se me entende, fazendo hora extra. Grosso modo, dando duro pior que na minha função dentro da fábrica. Estou me sentindo como um boi de carga. Sexta feira passada, eu parecia um cavalo no pasto.
Doutor Eusébio.
— Converse com ela. Mulher gosta de conversar. Chega junto, mete um papo no ouvido dela, fala meia dúzia de besteiras... casamento é isso, meu prezado.
Paulinho Bogodó.
— É o que mais faço, doutor. Ela, porém, não quer conversar. Não é do tipo romântica. Na hora do bem bom, não se contenta com papai-mamãe. De umas noites para cá, cismou de... cismou de me dar o... esquece, doutor. Queria, porque queria, fazer o um tal do canguru perneta...

Doutor Eusébio se abre numa gargalhada espalhafatosa:
— Você deve se dar por satisfeito, Paulinho. Mulher quanto mais quente e fogosa, melhor... ela não quer papai e mamãe, prefere outras modalidades de sexo? Satisfaça a moça com o canguru perneta. Manda bala. Ela quer dar o... parta para cima... coma...
Paulinho Bogodó.
— Estou me sentindo um leão, doutor, um leão... todavia, na hora agá...
Doutor Eusébio.
—Você tem se alimentado direito?
Paulinho Bogodó.
— Sou bom de garfo. Pareço um porco, doutor Eusébio. Graças à Deus, quanto a isso não tenho o que reclamar da Claudinha. Ela é boa de cozinha...

Doutor Eusébio.
— Cá entre nós, morre aqui. Você tem dado alguns pulinhos fora?
Paulinho Bogodó.
— Que isso, doutor. Não sou de fazer essas coisas. Desde que me casei, há dois anos, Claudinha tem sido a minha única mulher. Ainda que caísse em tentação, doutor, meu tempo é curto. O senhor sabe disso. Saio às seis da manhã, trabalho o dia inteiro, deixo a empresa às dezoito horas, pego dois trens do metrô e, de lambuja um quarenta janelinhas. Chego em casa por volta das vinte e duas. Como poderia pular cerca? Mesmo que eu quisesse. A não ser que, vamos supor, hipoteticamente eu, no trajeto da ida ou da volta, dentro do metrô superlotado... colocasse a carroça na frente dos burros.

Doutor Eusébio.
— Acredito em você, Paulinho. Só perguntei por perguntar. De repente, você arranja um casinho aqui, uma paquerinha acolá... estou preocupado em você pegar aí pelas ruas, uma doença... e passar para a sua senhora. Graças à Deus você é um cara responsável e com a cabeça no lugar.
Paulinho Bogodó.
— Tenho mesmo a cabeça no lugar, doutor. Oportunidades não me faltam. Lá mesmo, no meu trabalho, tem umas duas sirigaitas que, se eu estalar os dedos, vêm correndo. Pela minha idade, vinte e oito anos, eu poderia ser igual macaco, pulando de galho em galho. Entretanto, respeito a minha joia rara e, embora às vezes me veja na pele de um tigre, conto até mil e falo para mim mesmo: ‘Paulinho, você é casado, respeite a sua mulher’. Por conta disso, estou mais para um gato dormindo em cima do saco...
Doutor Eusébio.
— Fico feliz em saber. Juro que pensei, você fosse me segredar que, de vez em quando, dá umas miadinhas enquanto castiga a fenda do pecado com seu curió.

Paulinho Bogodó.
— Meu curió está meio para baixo. Houve um tempo em que eu me sentia como uma centopeia. Ao invés dos pés, parecia ter... o senhor sabe a que me refiro. Não podia ver um rabo de saia... hoje não passo de um chimpanzé... só faço a Claudinha rir das minhas palhaçadas...
Doutor Eusébio.
— Bem, meu caro Paulinho, pelos exames que pedi que fizesse e, pelo que estou vendo aqui, os resultados não poderiam ser melhores. Você está ótimo e, em plena forma. Procure chegar mais cedo em casa, tente dar um trato na sua Claudinha. Fuja um pouco do cotidiano, do habitual... ela quer sexo assim, ou assado, parta para cima. Ela deseja uma posição mais apimentada, mais afoita? Não titubeie. Faça... lembra, meu amigo. Nunca perca o controle, principalmente na hora da cama. Castigue a companheira sem dó nem piedade...

Paulinho Bogodó.
— Estou tentando, doutor Eusébio, juro que estou tentando... o problema é que lá na empresa, sou pau para toda obra. Às vezes me vejo na pele de um rinoceronte. Ontem mesmo me senti um perfeito elefante. A cada dia o quadro muda e cria proporções gigantescas. Confesso que logo deverei me transformar num hipopótamo... aliás, por falar em hipopótamo, pareço estar um pouco acima do peso?
Doutor Eusébio.
— Paulinho, deixa de pensar besteira. Você está normal. Você não tem nada. Voltando a bater na tecla do seu casamento. Reaja, homem. Procure dar mais atenção à Claudinha. Cuidado com os amantes. Deixe de ser molenga. De repente, ela pode ser a sua opção mais saudável para que você volte aos trilhos e enxergue uma luz no fim do túnel. Vamos, cara, você pode, você consegue.

Paulinho Bogodó.
— Quero voltar, de fato, a ser aquele garanhão atabalhoado, doutor... montar no lombo da minha patroa e cavalgar, cavalgar, fazer dela a minha vaca —, desculpe a franqueza —, fazer dela a minha égua. Ou melhor dito, a minha potranca... mil perdões, por estar vomitando tudo isto, alugando os seus ouvidos...
Doutor Eusébio, rindo:
— Estou aqui para ouvir meus pacientes, Paulinho. E na medida do possível, dar conselhos, quando me permitem. Depois de tudo o que me relatou, estou propenso a lhe dar uma sugestão, se me permite. Posso?
Paulinho Bogodó.
— A vontade, doutor. Vá em frente... afinal, somos amigos...
Doutor Eusébio.
— Com toda esta bicharada que você enumerou aqui, acho melhor —, me perdoe a colocação —, por favor, não me entenda mal. Longe de mim... acho mais conveniente você procurar, urgentemente um veterinário...

Paulinho Bogodó riu a bom rir, pediu ao doutor um atestado para apresentar ao seu superior. Da porta, antes de fecha-la, de vez, gritou para o galeno:
— Preciso voltar ao trabalho. Boa tarde, doutor.

Doutor Eusébio, assim que confirmou com a sua recepcionista a saída definitiva de Paulinho Bogodó ligou, exultante, para a Claudinha. A bela e apetitosa de seu paciente atendeu, na primeira:
— Oi minha linda, sou eu, seu gostosão tarado. O seu chifrudo acabou de sair daqui. Olha só, lindeza. Daqui a pouco, a gente se encontra no lugar de sempre. Em meia hora chego no nosso loft. Fica preparada. Como a gente mora perto... e você tem a chave... hoje vamos partir para um... como foi que o Bogodó falou? Ah, lembrei: canguru perneta. Beijos.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo, 6-7-2021

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