Fake news de bom tamanho é a história da Folha contada pelo próprio jornal
Augusto Nunes
A velocidade com que foi
servida avisa que a metamorfose estava no forno faz tempo —provavelmente, desde
o fim do primeiro turno. E as mudanças foram produzidas para que tudo ficasse
essencialmente igual, informaram as edições da Folha de S.Paulo já
na primeira semana de novembro. Até 30 de outubro, o jornal fez o diabo para
que Luiz Inácio Lula da Silva vencesse o duelo travado com Jair Bolsonaro.
Agora, faz o que pode e o que é proibido para garantir ao ex-presidiário que
promoveu a gênio da raça uma posse de monarca e um majestoso início de mandato
— o terceiro e certamente o último. Para facilitar as coisas, o jornal luta
para varrer da face do país Jair Bolsonaro e seus mais de 58,2 milhões de eleitores.
Aos olhos de quem preza o convívio dos contrários, essa imensidão de gente equivale à metade dos brasileiros habilitados a escolher diretamente qualquer dos candidatos à Presidência da República (e tem todo o direito de fazer o que lhe der na telha). Na cabeça despótica da seita que se lixa para o Mensalão e o Petrolão, fora o resto, os inimigos encarnam o que há de mais tenebroso no planeta: o bolsonarismo, que seria o fascismo em sua versão mais medonha. Pertencem a uma subespécie que apoia o vírus chinês, o negacionismo científico, o negacionismo eleitoral, o golpismo, a distribuição de armas entre bebês de colo, a misoginia, a homofobia, o machismo, a canonização dos milicianos homicidas, a proclamação da escravatura. Um bolsonarista merece prisão perpétua. E Jair Bolsonaro não merece menos que a morte.
É com isso que sonham publicamente dois colunistas da Folha. Os demais torcem para que o sonho se concretize. Não existe no bunker do jornal alguém que se atreva a digitar um único e escasso circunflexo que pareça favorável a Bolsonaro. Se algum distraído de nascença entrar nesse campo minado, e sussurrar algo semelhante às falas do contraponto imposto pelo PT e pelo TSE à Jovem Pan, não escapará do linchamento ao som do Lula Lá. Os militantes acampados nas páginas do jornal defendem sem disfarces a censura à imprensa. Liberdade de expressão não se aplica à desinformação, miam os democratas de picadeiro.
Sem explicações aos leitores,
o jornal substituiu “Orçamento secreto” por “emendas do relator” no dia em que
Lula topou manter a gastança intocada
Há semanas, um editorialista
desavisado pediu a Lula que revelasse logo o nome de quem será seu ministro da
Economia. Foi repreendido pelo ombudsman. Incomodar com tal
cobrança a reencarnação de Nelson Mandela, comparou um colunista, é como exigir
do técnico espanhol Pep Guardiola que divulgue antes do jogo a escalação do
time. Guardiola, que aliás costuma antecipar os nomes de quem jogará, jamais
promoveria a capitão da equipe um José Dirceu, como fez Lula no primeiro
mandato. Só jornalistas de baixíssimo calibre poderiam parir as mudanças que
aperfeiçoaram a novilíngua da transição.
Até o fim de outubro, por
exemplo, o atual presidente foi chicoteado por um aluvião de vogais e
consoantes que lhe atribuíam a paternidade do crime de lesa-pátria: o
“Orçamento secreto”, como a Folha sempre denominou o
bilionário balaio de verbas distribuídas entre parlamentares pelo relator do
Orçamento da União. Sem explicações aos leitores, sem sequer uma nota na seção
Erramos, o jornal substituiu “Orçamento secreto” por “emendas do relator” no
dia em que Lula topou manter a gastança intocada em troca da ampliação do bando
de parceiros na Câmara Federal. Também subitamente a “PEC Kamicaze” virou “PEC
da Transição”. O conteúdo é o mesmo: trata-se de um conjunto de medidas
destinadas a bancar despesas adicionais sem que o governo se exponha a punições
reservadas a quem ultrapassa o teto de gastos. O nome mudou depois que os
dribles nas restrições legais ganharam a benção do presidente eleito. Lula é um
estadista. Quem rima com kamicaze é Bolsonaro.
Tanto assim que nunca inspira
manifestações de rua promovidas por seus eleitores. Na visão estrábica da Folha,
ocorrem invariavelmente “atos antidemocráticos”, ou “mobilizações de viés
golpista”. Também por isso, teve o mandato encurtado por outra invencionice dos
linguistas de galinheiro que abundam na turma pautada por Alexandre de Moraes.
Bolsonaro deixou de ser um presidente no exercício do cargo. Foi rebaixado a
“incumbente”. Aprendi no dicionário que o palavrão quer dizer “titular de um
cargo político”. Há um outro significado: “Algo que se inclina para baixo”. Foi
decerto a segunda acepção que apressou sua anexação ao repertório vocabular do
matutino cuja tiragem diária agoniza pouco acima de 60 mil exemplares.
“Combater fake news não é censura”, recitam de meia em meia hora os reinventores da imprensa. E só é considerado jornalista quem milita na Folha ou em redações controladas por esquerdistas que confundem O Capital com Brasília. Os outros são blogueiros bolsonaristas, apresentadores bolsonaristas ou difusores de mentiras a serviço do Gabinete do Ódio. Merecem o silêncio ordenado por Alexandre de Moraes e seus Vigilantes da Suprema Verdade. Devem ser banidos das redes sociais, como exige a “agência de checagem” criada pelo jornal em adiantado estado de decomposição. É preciso exterminar a qualquer preço os propagadores de mentiras. Haja cinismo: uma das maiores fake news difundidas desde Gutemberg é a história da Folha contada pela Folha.
Nessa versão de Sessão
da Tarde, o jornal nasceu de verdade em março de 1983, no primeiro comício
da campanha das Diretas Já, que reivindicava a volta da eleição do presidente
da República pelo voto popular. Essa fantasia conveniente apaga o passado
sombrio da empresa surgida há 100 anos. Desaparece, por exemplo, a fortuna
extraída do terminal rodoviário instalado ilegalmente numa praça de São Paulo.
Somem os veículos cedidos aos órgãos de repressão política pelo diretor de um
vespertino pertencente ao mesmo grupo empresarial. E são enterrados em cova
rasa fatos que deixariam envergonhado o mais inescrupuloso rufião da Boca do
Lixo.
A Folha acaba
de noticiar com o distanciamento de quem registra uma queda de temperatura no
Alasca a proposta apresentada a Lula por Alexandre de Moraes: o ministro acha indispensável
a aprovação, em regime de urgência urgentíssima, de um projeto de lei que
submeta à censura o Google e outros espaços da internet. O fairplay faz
sentido. Entre 1968 e 1975, a revista Veja, o Estadão e
o Jornal do Brasil enfrentaram com bravura, altivez e
inventividade a censura praticada por censores federais numa sala da redação.
A Folha nunca soube o que é isso. Graças à autocensura
praticada pelos próprios jornalistas, nunca foi publicada uma única vírgula que
aborrecesse os donos do poder.
É o que acontecerá se as
algemas que ameaçam a internet se estenderem a toda a imprensa. A Folha não
vai precisar de censores externos. Os editores serão mais eficientes.
Imagens: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
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