O TSE usou de modo ilícito suas funções na
máquina pública para submeter 215 milhões de brasileiros a um flagrante regime
de exceção
Jornalistas da Globo comemoram
a vitória de Lula nas urnas. Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução |
A ditadura judiciária imposta
ao Brasil pelo STF em geral, e pelo ministro Alexandre de Moraes em particular,
é o maior escândalo jamais registrado na história política do país. Não há
precedentes de que algo assim tenha acontecido, em qualquer época: um grupo de
nove pessoas, que não foi eleito por ninguém e não dispõe nem de um busca-pé
como arma de fogo, usou de modo ilícito suas funções na máquina pública para
submeter 215 milhões de brasileiros a um flagrante regime de exceção, violando
de maneira sistemática, viciosa e agressiva a Constituição Federal e a
legislação em vigor, as liberdades públicas e os direitos individuais.
É bem sabido, objetivamente,
por que uma aberração desse tamanho aconteceu. As coisas só ficaram do jeito
que estão por causa da passividade do Senado, que tem a obrigação legal de
impedir que o Supremo faça o que tem feito há pelo menos quatro anos, e das
Forças Armadas, para quem a Constituição impôs o dever de defender o Estado de
direito e as instituições nacionais se elas forem ameaçadas — e ninguém ameaçou
mais as instituições, de 2018 para cá, do que o STF.
Nem um nem outro fez nada; os
ministros foram em frente, sem encontrar resistência nenhuma, e o resultado
está aí. Menos mencionada, em tudo isso, é uma outra realidade. O STF e o
ministro contam com um imenso apoio para a aventura em que enfiaram o Brasil —
e isso foi decisivo, também, para a implantação da ditadura que existe hoje no
país.
Começa pelo mundo político. Houve uma ou outra oposição, aqui e ali, mas o fato é que a grande maioria dos políticos brasileiros apoia o Supremo e Moraes, por ação ou omissão. Não é preciso perder muito tempo arrumando explicações complicadas para coisas simples: basta constatar que a Câmara dos Deputados aceitou sem dar um pio a prisão, por nove meses, de um deputado federal. Foi absolutamente ilegal. O deputado não cometeu nenhum crime inafiançável e nem foi preso em flagrante, as únicas condições em que a legislação brasileira permite a prisão de um parlamentar eleito — mas a Câmara, no plano dos fatos, apoiou a decisão do ministro, como apoia o seu inquérito perpétuo e totalmente fora da lei para punir o que ele chama de “atos antidemocráticos”.
Não se sabe de nada parecido
em nenhum parlamento de país sério, em qualquer lugar do mundo. Se engolir uma
agressão dessas proporções não é dar apoio, então o que seria? Na mesma linha,
e já no terreno da alucinação, um deputado propôs a construção de estátuas de
Alexandre Moraes em todas as praças do país. Precisa dizer mais alguma coisa?
Mesmo
quando impôs a censura prévia durante a campanha eleitoral, Alexandre de Moraes
foi aplaudido como um herói pelos jornalistas
O STF conta também com a
adesão extremada da maior parte da mídia, e certamente da totalidade dos
veículos da imprensa tradicional de São Paulo e do Rio de Janeiro — a única à
qual ainda se atribui algum valor hoje em dia. O ministro Moraes, em especial,
foi canonizado pelos jornalistas como o salvador da democracia no Brasil. Mesmo
quando impôs a censura prévia durante a campanha eleitoral, algo que não apenas
destrói a liberdade de expressão essencial para o exercício do jornalismo, mas
é expressamente proibido por lei, foi aplaudido como um herói.
Houve uma ou outra objeção
murmurada em editoriais aqui e ali, quase que pedindo desculpas, mas o fato é
que Moraes tem a aprovação praticamente unânime da imprensa brasileira — que
jogou o tempo todo junto com ele na sua guerra de extermínio contra o
presidente Jair Bolsonaro, e que já se prepara para receber do governo Lula, a
partir de janeiro, os bilhões necessários para resolver suas dificuldades de
caixa.
Jornalistas, em geral, tomam
cuidado quando falam bem de alguém como o ministro — pode pegar mal, não é? No
caso, porém, a prudência foi para o espaço, e a bajulação a Moraes é a mais
agressiva na memória recente dos meios de comunicação deste país.
Apoia o STF, obviamente, tudo
o que tem alguma coisa a ver com Lula e com seu futuro governo. É uma relação
de troca. Até agora, o Supremo serviu diretamente ao projeto de Lula: tirou o
ex-presidente da cadeia, anulou suas condenações na justiça, sumiu com a sua
ficha suja e, por fim, interferiu maciçamente a seu favor na campanha
eleitoral.
A partir de agora vai
continuar servindo, mas com toda a força da máquina estatal a seu favor. No
mesmo bonde estão o aparelho da “sociedade civil” — diretoria da OAB, bispos
católicos etc. etc. etc. —, as classes intelectuais em peso e tudo o que pode
ser descrito como “esquerda” neste país, incluindo os liberais do “centro
civilizado”, banqueiros de investimento e bilionários que deram a si próprios,
nestes últimos tempos, graves angústias e deveres sociais. Enfim, para
completar a multidão (há mais gente, mas dá para ir ficando por aqui mesmo),
existe o apoio incondicional do exterior.
Para os que mandam nas
democracias da Europa, dos Estados Unidos e seus subúrbios, o STF não pode
fazer nada de errado. Seria curioso saber o que aconteceria se alguém soubesse,
ali, 10% do que Moraes tem feito — da proibição de dizer que Lula foi condenado
pelos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, até mandar a polícia sair à
caça de um grupo de WhatsApp às 6 horas da manhã. Mas ninguém quer saber de
nada. Nossa “suprema corte”, para as elites do Primeiro Mundo, “salvou o Brasil
de Bolsonaro” — e isso não tem preço.
Quer
dizer: Bolsonaro é ruim, Maduro é lindo, o mundo volta a ser feliz e o STF,
comandado pelo ministro Moraes, salvou a todos
Está tudo certíssimo e
registrado em papelório oficial, naturalmente. A comissão internacional que
veio para cá com o propósito de observar a honestidade da eleição decretou para
o mundo, meio minuto depois do TSE anunciar o resultado, e sem apelação, que
estava tudo perfeito com a votação e a apuração comandadas pela “justiça
eleitoral”.
Não fiscalizou, nem investigou
e nem perguntou nada. Dezenas ou centenas de urnas com zero votos para
Bolsonaro, ou só 1? Nenhum interesse da comissão. Censura? O que é isso?
Interferência grosseira do TSE em favor de Lula na campanha eleitoral? Não vem
ao caso. É tudo uma festa. A mídia internacional, como a brasileira, achou a
eleição impecável — o Brasil, pela combinação dos valores democráticos de Lula
e da coragem do STF em “enfrentar” Bolsonaro, foi salvo do “populismo de
direita”.
Governos europeus que vivem em estado de histeria permanente em relação ao “clima” e ao “planeta” reabriram os fundos que haviam suspendido seus desembolsos no Brasil — volta tudo, agora, para o caixa das ONGs “ambientais”. A Amazônia “está salva”: Bolsonaro vai embora, todos os problemas vão sumir no dia 1º de janeiro de 2023, dos incêndios ao garimpo ilegal, e o STF foi essencial para se conseguir isso. Ou seja, além de salvar a democracia, o Supremo salvou também as reservas de oxigênio existentes no sistema solar.
Dez dos 11 ministros do STF recebem Lula na sede da Corte, em Brasília, para uma conversa que durou 50 minutos, 9-11-2022 |
É tudo uma palhaçada gigante. Bolsonaro, que se prepara para deixar o governo após o seu mandato legal de quatro anos, é um perigoso ditador que foi barrado por Lula e pelo STF. Nicolás Maduro, que é um ditador de verdade, desses que nunca mais vão sair do governo, é abraçado com açúcar e com afeto pelo antibolsonarista número 1 da Europa, o presidente François Macron, da França.
Quer dizer: Bolsonaro é ruim,
Maduro é lindo, o mundo volta a ser feliz e o STF, comandado pelo ministro
Moraes, salvou a todos. Macron provavelmente não tem a menor ideia de quem é
Alexandre Moraes; mas, se ficar sabendo que o ministro é mais contra Bolsonaro
do que o próprio Lula, pode acabar lhe dando a Legião de Honra.
Da mesma forma, a elite
americana se prepara para mostrar ao mundo que está ao lado do STF: seis
ministros, nada menos que seis, e Alexandre de Moraes no papel de grande chefe
de todos, estarão num evento em Nova Iorque nos dias 14 e 15 de novembro, onde
serão homenageados como colossos da democracia universal. A coisa se chama “O
Brasil e o Respeito à Democracia e a Liberdade” — isso mesmo “liberdade”, que
nunca esteve pior do que está hoje, e por culpa justamente do STF e Moraes.
Ninguém ali, obviamente, vai perguntar sobre processos em que os cidadãos não
sabem do que estão sendo acusados. Nem sobre o economista Marcos Cintra, que
fez uma sugestão ao TSE e foi intimado a comparecer à polícia para explicar
possível “crime eleitoral”. Nem sobre a “desmonetização” de comunicadores que
estão na lista negra do Supremo, e nem sobre coisa nenhuma.
Há, além disso, o puro
desvario da viagem, da comemoração e de tudo o mais. Imaginem se um grupo de
seis juízes das cortes superiores dos Estados Unidos, ou da França, ou da
Alemanha, ou de qualquer país considerado adulto, viesse ao Brasil, ou fosse a
qualquer lugar do mundo, para fazer uma coisa dessas — falar de política e
fazer propaganda dos seus próprios méritos. É demência em estado puro. O STF
ama fazer de conta que é a Suprema Corte americana; cada dia fica mais parecida
com Alexandre Moraes. Vão continuar como estão, é claro, ou buscar novos
extremos. Mudar para quê? Em time que está ganhando não se mexe.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Revista
Oeste, nº 138, 11-11-2022
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