domingo, 8 de janeiro de 2023

Como as ditaduras nascem

O controle autoritário não vai ficar restrito aos “bolsonaristas”, pois, quando se dá tanto poder a tão pouca gente, é da natureza humana desejar mais e mais poder


Rodrigo Constantino

Muitos livros e textos foram escritos recentemente sobre como as democracias morrem. Os autores, geralmente, pretendiam denunciar as ameaças da direita nacional-populista, de gente como Trump ou Bolsonaro. Mas as democracias norte-americana e brasileira não sucumbiram por atitudes desses presidentes. Elas, porém, se enfraqueceram muito sob o pretexto de combatê-los. Ou seja, para “salvar a democracia”, o sistema, com seu viés esquerdista, atuou para dilapidar o tecido social e dilacerar as instituições republicanas.

No Brasil, por conta da fragilidade maior dessas instituições e da cultura da liberdade, o avanço tirânico foi muito maior. Hoje já estamos sob uma ditadura no Brasil, eis a triste verdade. Há jornalistas e parlamentares punidos pelo “crime” de opinião, censurados, impedidos de parlar na praça pública da era moderna. Isso sem nada que remeta ao devido processo legal. Não há império das leis, mas, sim, de homens que vêm abusando de seu poder e rasgando a Constituição da qual deveriam ser os guardiões.

No começo, quando os alvos eram os mais “radicais”, a imensa maioria se calou. Allan dos Santos [foto] era muito barulhento e xingava o ministro Alexandre de Moraes. Então tudo bem destruir seu canal Terça Livre? Daniel Silveira se excedeu num vídeo em que fala até em dar uns sopapos no ministro Fachin. Mas então tudo bem ignorar sua imunidade material e prendê-lo? Alguns foram ficando mais assustados, mas ainda consideravam uma realidade muito distante, coisa que acontecia só com os “bolsonaristas fanáticos”. 

Mas Guilherme Fiuza, respeitado jornalista, com décadas de trabalho reconhecido, teve suas contas banidas das redes sociais. Esse que vos escreve idem, mesmo trabalhando para grandes veículos de comunicação, como Gazeta do Povo, Jovem Pan e esta Revista Oeste. Não só minhas contas com milhões de seguidores foram suspensas e agora só podem ser vistas por quem usa VPN no Brasil, como acontece em ditaduras comunistas, mas minhas contas bancárias foram congeladas e meu passaporte foi cancelado. Sou tratado como um perigoso bandido, um marginal, um terrorista, tudo isso sem transparência, sem o devido processo legal, sem chance de defesa. Democracia?

Ser um cidadão brasileiro, neste momento, é assustador. Felizmente tenho mais cidadanias e estou fisicamente como residente permanente de um país mais sério, com leis. Os tentáculos da ditadura togada podem chegar longe, mas não podem tudo. O intuito está evidente: asfixiar meu sustento, inviabilizar meu trabalho e me intimidar, me calar. E não estou sozinho, como vimos. A tendência é cada vez mais gente ser incluída no grupo dos “golpistas perigosos”, até que todos compreendam que só haverá “liberdade” para quem disser amém para Alexandre de Moraes ou Lula. Isso é ditadura. 

E há um lado fascinante nisso tudo, em que pese o desespero como brasileiro. É poder, como intelectual, acompanhar de perto — muito perto, como vítima — a criação e o avanço de uma ditadura. Eu li muitos livros sobre o assunto, a gente acha que conhece bem as teorias, mas nada como a prática para confirmar as teses. O que está em curso no Brasil hoje era previsível, e os principais responsáveis não se enxergam como culpados — ainda. Quando a ficha cair, será tarde demais.

O sucesso dos jornalistas independentes e corajosos incomodou demais a turma do clubinho, da velha imprensa, os medíocres, que são incapazes de brilhar por conta própria

Falo dos “moderados”, dos “liberais”, dos “tucanos”, dos “jornalistas” que ou se calam diante de tanto absurdo ou incentivam o “fiador da democracia” a perseguir “bolsonaristas”. Os motivos para isso são muitos, e vão desde o oportunismo até a inveja. Eu, Fiuza, Paulo Figueiredo, nós temos não só milhões de seguidores, mas engajamento, audiência e o respeito de boa parte do público. Isso incomoda quem é pena de aluguel ou covarde a ponto de não denunciar o arbítrio supremo. A luz incomoda as criaturas das sombras.

E toda ditadura começa com certo apoio, eis a verdade. Ela raramente se apresenta como um projeto maligno e terrível. Ayn Rand, em A Revolta de Atlas, explica bem o emocional por trás do avanço tirânico quando uma fábrica é tomada por revolucionários. O funcionário que aceita e aplaude o discurso autoritário o faz para destruir o colega mais bem-sucedido. Freud falava do narcisismo das pequenas diferenças. O plebeu não inveja tanto o rei, inalcançável e distante, mas, sim, o outro plebeu que melhorou de vida por mérito próprio. O invejoso se irrita com a grama mais verde do vizinho, com a promoção do colega de trabalho, com o carro novo do “amigo”.

O sucesso dos jornalistas independentes e corajosos incomodou demais a turma do clubinho, da velha imprensa, os medíocres, que são incapazes de brilhar por conta própria. A TV Jovem Pan, com um ano de existência, já passava a audiência da GloboNews. Esta Revista Oeste cresce sem parar, enquanto aquela outra revista se prostitui cada vez mais para depender de mecenas corruptos ou verbas públicas. A Gazeta do Povo ultrapassou a marca de 100 mil assinantes, com o respeito dos seus leitores por fazer jornalismo de verdade. Os militantes petistas, diante de um espelho, precisam acusar os independentes corajosos de “militantes bolsonaristas”, pois não entendem como pode alguém fazer de fato análise sem obedecer a algum político qualquer.

E foi graças a essa mídia oportunista e pusilânime que a ditadura conseguiu avançar. Faltam bagagem cultural e conhecimento histórico a essa turma, porém, para entender que uma tirania jamais se satisfaz. O controle autoritário não vai ficar restrito aos “bolsonaristas”, pois, quando se dá tanto poder arbitrário a tão pouca gente, é da natureza humana desejar mais e mais poder. O abuso veio para ficar, portanto, e deve seguir crescendo. Quem não rezar a cartilha desses poderosos será alvo de censura, de inquéritos ilegais e sigilosos, caso resolva emitir suas opiniões. As ditaduras avançam sob o silêncio dos “bons”, que acham que nunca serão eles as vítimas da tirania. Quando perceberem que estavam errados não haverá mais a quem recorrer.

Título e Texto: Rodrigo Constantino, Revista Oeste, nº 146, 6-1-2022

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