Guilherme Fiuza
Semana passada neste espaço foi publicada uma única frase: o Brasil chegou onde não poderia ter se permitido chegar.
Todos entenderam o
significado. A escalada na quebra das regras e os sinais emitidos por
autoridades constituídas de que a lei passou a ser um detalhe das suas vontades
tinha chegado ao ponto da ruptura. Para alguns sempre pode parecer que a
ruptura está mais adiante. As aparências enganam mesmo. Olhe para o domingo em
Brasília e diga se as referências civilizatórias estão intactas.
O texto de uma frase só foi
publicado neste espaço na véspera do bloqueio de todas as minhas redes sociais.
Quem acompanha o meu trabalho sabe que evito escrever em primeira pessoa. Nunca
fui a primeira pessoa no meu trabalho, nem um especialista onisciente, nem
protagonista de nada: sempre atuei como um observador da realidade, disposto a
pensar sobre ela, sem o monopólio da verdade. Portanto é lamentável ter que
falar das “minhas redes sociais”. De qualquer forma, não estou reivindicando
nada.
O tempo de reivindicação, para
mim, já passou. Foi o que tentei expressar ao dizer que o país não poderia ter
se permitido chegar ao ponto em que chegou. Num estado de coisas onde o direito
passa a estar sob uma neblina consentida, o valor da palavra desaba. Tudo pode
significar o seu contrário no império da má fé. Por isso não tenho nenhum brado
retumbante a dar sobre a censura imposta a mim. Fiz todos os alertas possíveis
no tempo em que acreditava neles. Agora acho que tenho o direito de não querer
pregar no deserto.
Para
alguns sempre pode parecer que a ruptura está mais adiante. As aparências
enganam mesmo. Olhe para o domingo em Brasília e diga se as referências
civilizatórias estão intactas
E estou falando em primeira pessoa porque os meus censores me colocaram nesse papel. A tática deles, como sempre, é tentar criar um estigma pessoal, projetar um personagem mau em quem está falando o que eles não querem que seja falado. É mais fácil do que apenas distorcer o que foi dito. E o kit estigmatização todos sabem qual é: golpista, propagador de ódio, bolsonarista, etc. Até aqui não sei exatamente quem são meus censores. Mas os colaboradores deles já se revelaram.
O bloqueio das minhas redes
aparentemente seguiu uma ordem judicial. Digo aparentemente porque não fui
informado e o advogado que consultei também não conseguiu ainda essa
informação. O que chegou a mim foi um email de uma das plataformas avisando que
a retenção do meu perfil seguiu uma determinação “legal”. Legal entre aspas
porque naturalmente estamos diante de uma legalidade que passarinho não bebe.
Mas aí os cupinchas da censura
se revelam. O jornal “O Globo” fez um papel vergonhoso me enfiando no pé de uma
matéria sobre rifas e financiamentos de manifestações. Como eu não tenho nada a
ver com isso, eles inventaram uma forma de me relacionar ao assunto me
promovendo a “golpista” e afirmando que faço um “chamado ao tumulto”. Alguns
dias depois, a mágica: minhas redes são bloqueadas.
Será que foi um daqueles
expedientes imundos de catar um panfletinho de jornal decadente e usar como
base de medida “judicial”? Do tipo: estamos calando o golpista que o jornaleco
disse que é golpista?
Talvez. Porque poucas horas após o bloqueio (executado na noite de 3 de janeiro) surgiu uma matéria no site G1, também do grupo Globo, com meu nome na manchete - de novo uma atenção exclusiva à minha pessoa, dessa vez com o adjetivo “bolsonarista” na chamada de capa do Globo.com. E o mais interessante: a “matéria” afirmava que “Segundo apuração da TV Globo, o bloqueio das contas foi determinado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.”
(A vírgula depois de “STF” é
obra dos analfabetos do G1, que assim promoveram Alexandre de Moraes a único
ministro da corte suprema. Ou talvez eles achem que é o único mesmo).
Como a TV Globo “apurou” a
origem de uma ordem judicial que nem o atingido, nem seu advogado conseguem
“apurar”? Você já entendeu a coreografia do bailado.
Já fui funcionário das
Organizações Globo e considero uma instituição importante para o país.
Infelizmente está entregue a esse papelão, metida nesses Fora Bolsonaro, Fora
Temer, etc - e o golpista sou eu. Quem tem relevância dentro das Organizações
Globo sabe muito bem quem sou eu, sabe que sou autor de mais de uma dezena de
livros bem sucedidos, com adaptações premiadas para o cinema, tratando dos mais
diversos temas da vida e da arte. “Bolsonarista” deve ser quem não aderiu ao
Fora Bolsonaro, quem reconheceu a boa gestão de Paulo Guedes, quem não vive de
conspiração em conspiração. E quem não tenta transformar Lula em santo. Aliás,
eu sei muito bem o que todos vocês acham do Lula.
Estou respeitando o bloqueio,
não estou buscando atalhos para aparições nas redes sociais. Vamos ver se a
Justiça se digna a informar o que se passa ou se ela vai preferir ficar nas
sombras, falando por meio de porta-vozes informais, como se vê nos filmes de
máfia. Lamento tudo isso, mas tenho a profunda felicidade de não ser um de
vocês, e de não ter que encontrar toda hora um covarde no espelho.
Título e Texto: Guilherme
Fiuza, Gazeta do Povo, 9-1-2023, 9h16
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