Endocrinologista que estuda os efeitos de medicações para tratar a covid-19 aos primeiros sintomas foi a Manaus para ajudar no combate à pandemia
Paula Leal
Em meio ao colapso que atinge o sistema de saúde de Manaus, o médico endocrinologista Flávio Cadegiani [foto] foi até a capital do Amazonas para avaliar os efeitos da contaminação da nova variante do coronavírus e ajudar no tratamento de pacientes com a covid-19. O médico, que é editor de uma revista do grupo da Nature e pesquisador de um dos maiores estudos sobre tratamento precoce da doença no Brasil, conta o que observou em sua visita a Manaus e por que mudou de ideia a respeito da abordagem antecipada. Cadegiani conversou com Oeste e respondeu a cinco perguntas sobre a pandemia do coronavírus.
1 – O senhor foi a Manaus
para ajudar no tratamento de pacientes contra a covid-19. Qual é a situação da
saúde na cidade?
Chegamos a Manaus na
segunda-feira 1º de fevereiro, e a situação é até pior do que eu imaginava. Em
hospital privado, só estão sendo internados pacientes com mais de 50% de
comprometimento pulmonar. Não existem leitos disponíveis. Na minha avaliação, a
cidade investiu pouco no tratamento precoce. Usaram altas doses de
hidroxicloroquina naquele estudo [realizado em abril de 2020, o estudo
envolveu 81 pacientes hospitalizados em Manaus e foi interrompido seis dias
depois, quando 11 pessoas morreram], e morreu gente. Isso gerou muito medo;
quem indicava o tratamento precoce sofreu retaliação. Coincidência ou não, a
cidade teve uma explosão de casos. Também trouxemos R$ 30 mil em doações de
medicamentos como corticoides e anticoagulantes.
2 – E a respeito da nova
cepa do coronavírus no Estado do Amazonas, o que o senhor pôde observar?
É possível que a nova cepa
tenha surgido ainda em setembro do ano passado. Mas o crescimento e a explosão
de casos só ocorreram em dezembro. Em comparação com a outra variante do vírus,
o que se observa é que aqui existem muitos pacientes internados que são jovens,
sem fator de risco e muitas mulheres. Além disso, acompanhamos alguns pacientes
contaminados por essa nova cepa, que receberam tratamento em Brasília. Os
exames de sangue já estavam alterados antes mesmo da manifestação de sintomas.
Não sabemos se a doença evolui mais rápido ou se a primeira fase é
completamente silenciosa. Esse fato muda a forma de enxergar a doença porque a
janela para o tratamento precoce fica menor, pois, quando o paciente manifesta
sintomas, já está na segunda fase.
3 – O senhor chegou a dizer que não acreditava no tratamento precoce. Por que mudou de opinião?
Eu não falava contra, mas não acreditava. Só que começou a ficar muito claro que funcionava. Em poucos dias, nós tivemos de mudar o formato do nosso estudo sobre tratamento precoce porque estava ficando antiético dar placebo para os pacientes. Temos um dos trabalhos mais bem desenhados do mundo e em grande escala que está avaliando a abordagem precoce, que será publicado em breve. Infelizmente, a narrativa do tratamento precoce se perdeu. Porque não se trata de ser contra o tratamento precoce, as pessoas são contra o que essa questão representa politicamente. Estamos matando por divulgar contra o tratamento precoce.
4 – Parte da comunidade
médica alega que as medicações recomendadas para o tratamento precoce não têm
comprovação científica no combate à covid-19. Mesmo assim, muitos médicos
prescrevem as medicações e relatam a melhora de seus pacientes. Por que ainda
não há estudo para comprovar a eficácia desses remédios?
Não existir comprovação
científica não quer dizer que não funciona. Acho covarde exigir nível de
evidência 1A sendo que não houve tempo hábil e não há como financiar pesquisa
para gerar resultado com esse grau de exigência. Você precisa de pelo menos US$
500 milhões para gerar esse tipo de pesquisa. Não dá para exigir a robustez de
que uma pesquisa dessas necessita, a não ser que a droga seja patenteada ou que
exista financiamento ou interesse global no estudo. Muitos estudos usaram as
drogas do tratamento precoce em pacientes hospitalizados, em casos graves, e
consideram que elas não funcionam, sabendo que a doença tem diversas fases. O
que me causa estranheza é essa luta contra o tratamento. Mesmo sem comprovação,
na ausência de alternativas terapêuticas, é melhor você usar alguma coisa que
tenha qualquer nível de evidência e não faz mal do que não usar nada. Se você
falar que a ivermectina [vermífugo] faz mal, a medicina está
causando mal à humanidade há décadas. Isso se chama princípio da beneficência.
Falta pouco para comprovar. E, mesmo assim, comprovar não significa 100%. Você
vê certa comemoração perversa com o fato de que algumas pessoas que tomaram
hidroxicloroquina acabaram hospitalizadas. Como se a droga tivesse de ter 100%
de eficácia para comprovar que funciona.
“Acho que o vírus é muito
forte para você ficar fazendo competição entre modalidades.”
5 – O senhor é favor de
vacinas contra a covid-19?
Sou a favor da vacinação, mas
há pessoas que falam que vão se vacinar como se fosse uma indireta contra o
tratamento precoce. O tratamento precoce não é excludente nem barreira para a
vacinação. Acho que o vírus é muito forte para você ficar fazendo competição
entre modalidades. E tem mais: a respeito da alegada falta de comprovação
científica dos medicamentos, também não houve tempo hábil para comprovar a
eficácia das vacinas e, mesmo assim, elas estão sendo aplicadas. Se você abre
exceção para vacinas, de modo a permitir o uso emergencial do produto, por que
não abrir exceção para a medicação?
Título, Imagem e Texto: Paula Leal, revista Oeste, 10-2-2021, 9h20
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