Segundo Carlo Cauti, o Itamaraty acertou ao preservar seus interesses nacionais diante do conflito entre Rússia e Ucrânia
Edilson Salgueiro
A política externa brasileira
pautou o noticiário nas últimas semanas. De acordo com a maioria dos jornais,
revistas e programas de televisão, o Itamaraty atuou de maneira inadequada no
conflito entre Rússia e Ucrânia. Os críticos avaliam que o governo brasileiro
deveria, a exemplo da União Europeia e dos Estados Unidos, aplicar sanções
políticas e econômicas contra Moscou.
Para Carlo Cauti [foto], editor da revista Exame e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), os críticos estão equivocados. “O Itamaraty está atuando de modo impecável”, ressaltou, em entrevista concedida a Oeste. “O país garantiu a continuidade do abastecimento de fertilizantes, que são relevantes para o agronegócio brasileiro. É importante lembrar que 85% dos fertilizantes utilizados no país são importados. Metade disso é oriunda de Moscou. Então, o Brasil tem a obrigação de manter boas relações com a Rússia, seu principal fornecedor de fertilizantes.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
1 — Como o senhor avalia a
atuação da diplomacia brasileira diante do conflito entre Rússia e Ucrânia?
Está sendo impecável. Se, de
um lado, o Brasil condenou — corretamente — a invasão russa na Organização das
Nações Unidas [ONU], por outro, assegurou seus interesses nacionais. O
país garantiu a continuidade do abastecimento de fertilizantes, que são relevantes
para o agronegócio brasileiro. É importante lembrar que 85% dos fertilizantes
utilizados no país são importados. Metade disso é oriunda de Moscou. Portanto,
o Brasil tem a obrigação de manter boas relações com a Rússia e com Belarus,
seus principais fornecedores de fertilizantes e adubos.
2 — Quais outras razões
explicam a neutralidade da diplomacia brasileira?
O Brasil compõe o BRICS, um
alinhamento geopolítico internacional que também envolve a Rússia, a Índia, a
China e a África do Sul. Esse grupo não foi criado pelo atual governo, mas faz
parte das relações exteriores brasileiras. Nossa tradição é de dar continuidade
à política externa, independentemente dos vieses dos governos brasileiros. O
BRICS prevê uma série de financiamentos de obras em todos os países, inclusive
no Brasil. Então, os efeitos de uma saída do bloco, apenas porque a China e a
Índia não condenaram a Rússia, seriam problemáticos. A população brasileira já
enfrentará problemas. Haverá alta no preço dos combustíveis, da energia
elétrica e dos alimentos. Portanto, não podemos criar dificuldades para o
agronegócio, considerado o motor da economia nacional. Se parar o agronegócio,
para o Brasil. Se o Brasil parar, 20% da população mundial não terá o que
comer.
3 — Ainda assim, o Itamaraty foi criticado pela maioria da imprensa. Por quê?
As críticas feitas por alguns
veículos de comunicação foram meramente políticas. O presidente Jair Bolsonaro
tentou, corretamente, conversar com Vladimir Putin. No entanto, Bolsonaro será
alvo de apedrejamento mesmo se descobrir a cura para o câncer. A maioria dos
jornalistas não entende de diplomacia. Muitos deles são ideologicamente
vinculados à esquerda. Mas ainda há uma questão eleitoral. Como as eleições
ocorrerão em breve, os jornais abrirão fogo contra Bolsonaro, porque não querem
sua reeleição. Parte da imprensa quer voltar a ter os benefícios que tinha no
passado, com os governos do PT. O partido irrigava setores da imprensa com rios
de dinheiro. É esse coquetel venenoso que leva os veículos de comunicação a
analisar superficialmente a atuação de Bolsonaro diante do conflito no Leste
Europeu. A viagem do presidente brasileiro à Rússia estava pré-agendada havia
um ano. Ir até Moscou, em nome dos interesses do agronegócio brasileiro, não
deveria ser um problema.
4 — Quais serão os impactos
econômicos do conflito entre Rússia e Ucrânia?
Fundamentalmente, a alta no
preço dos combustíveis. Isso ocorrerá no mundo inteiro. O preço do barril de
petróleo está beirando US$ 130. Algumas previsões mostram que ainda pode chegar
a US$ 200. No Brasil, o preço da gasolina, na bomba, pode chegar a R$ 10. Na
prática, isso significa problemas no setor de transportes. Também haverá
inflação no preço dos alimentos, porque a Rússia e a Ucrânia respondem por 30%
da produção mundial de grãos. O pãozinho custará mais caro, o macarrão custará
mais caro. A gasolina e a comida afetam principalmente as camadas mais baixas
da população. Por outro lado, é possível haver um impacto positivo no país. Mas
isso dependerá da atuação do governo. Nos primeiros dois meses deste ano, houve
uma brutal entrada de dinheiro na Bolsa de Valores. Foram R$ 70 bilhões
entrando no país. Esse valor é igual ao montante investido no Brasil durante o
ano passado inteiro. Os gringos estão tirando seus investimentos da Rússia e da
China e passando para o Brasil. Somos um país emergente, com mercado grande. Se
o governo agir de maneira correta, o país poderá crescer ainda mais
economicamente.
5 — O que o Brasil pode
aprender com a crise no Leste Europeu?
O país não pode depender de
insumos importados em setores estratégicos. Já havíamos aprendido isso com a
pandemia. Os respiradores, as máscaras e os remédios eram produzidos
majoritariamente pela China. Agora, estamos aprendendo que não podemos depender
dos fertilizantes produzidos na Rússia. Também há a questão do posicionamento
geopolítico do Brasil. O alinhamento com os países não ocidentais, como Rússia,
China, Índia e África do Sul, não faz sentido. Os povos são diferentes, com
tradições e visões de mundo distintas. Isso precisa ser rediscutido. O país não
pode ficar alinhado com ditaduras. Não é recomendável se alinhar a países que
entrarão em conflitos sérios. Índia contra Paquistão, China contra Taiwan e
Rússia contra Ucrânia são exemplos disso. O Brasil precisa voltar a se
posicionar com os países ocidentais.
Título e Texto: Edilson
Salgueiro, revista Oeste, 16-3-2022, 8h35
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