quarta-feira, 16 de março de 2022

‘A diplomacia brasileira está sendo impecável’, afirma cientista político

Segundo Carlo Cauti, o Itamaraty acertou ao preservar seus interesses nacionais diante do conflito entre Rússia e Ucrânia

Edilson Salgueiro

A política externa brasileira pautou o noticiário nas últimas semanas. De acordo com a maioria dos jornais, revistas e programas de televisão, o Itamaraty atuou de maneira inadequada no conflito entre Rússia e Ucrânia. Os críticos avaliam que o governo brasileiro deveria, a exemplo da União Europeia e dos Estados Unidos, aplicar sanções políticas e econômicas contra Moscou.

Para Carlo Cauti [foto], editor da revista Exame e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), os críticos estão equivocados. “O Itamaraty está atuando de modo impecável”, ressaltou, em entrevista concedida a Oeste. “O país garantiu a continuidade do abastecimento de fertilizantes, que são relevantes para o agronegócio brasileiro. É importante lembrar que 85% dos fertilizantes utilizados no país são importados. Metade disso é oriunda de Moscou. Então, o Brasil tem a obrigação de manter boas relações com a Rússia, seu principal fornecedor de fertilizantes.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

1 — Como o senhor avalia a atuação da diplomacia brasileira diante do conflito entre Rússia e Ucrânia?

Está sendo impecável. Se, de um lado, o Brasil condenou — corretamente — a invasão russa na Organização das Nações Unidas [ONU], por outro, assegurou seus interesses nacionais. O país garantiu a continuidade do abastecimento de fertilizantes, que são relevantes para o agronegócio brasileiro. É importante lembrar que 85% dos fertilizantes utilizados no país são importados. Metade disso é oriunda de Moscou. Portanto, o Brasil tem a obrigação de manter boas relações com a Rússia e com Belarus, seus principais fornecedores de fertilizantes e adubos.

2 — Quais outras razões explicam a neutralidade da diplomacia brasileira?

O Brasil compõe o BRICS, um alinhamento geopolítico internacional que também envolve a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul. Esse grupo não foi criado pelo atual governo, mas faz parte das relações exteriores brasileiras. Nossa tradição é de dar continuidade à política externa, independentemente dos vieses dos governos brasileiros. O BRICS prevê uma série de financiamentos de obras em todos os países, inclusive no Brasil. Então, os efeitos de uma saída do bloco, apenas porque a China e a Índia não condenaram a Rússia, seriam problemáticos. A população brasileira já enfrentará problemas. Haverá alta no preço dos combustíveis, da energia elétrica e dos alimentos. Portanto, não podemos criar dificuldades para o agronegócio, considerado o motor da economia nacional. Se parar o agronegócio, para o Brasil. Se o Brasil parar, 20% da população mundial não terá o que comer.

3 — Ainda assim, o Itamaraty foi criticado pela maioria da imprensa. Por quê?

As críticas feitas por alguns veículos de comunicação foram meramente políticas. O presidente Jair Bolsonaro tentou, corretamente, conversar com Vladimir Putin. No entanto, Bolsonaro será alvo de apedrejamento mesmo se descobrir a cura para o câncer. A maioria dos jornalistas não entende de diplomacia. Muitos deles são ideologicamente vinculados à esquerda. Mas ainda há uma questão eleitoral. Como as eleições ocorrerão em breve, os jornais abrirão fogo contra Bolsonaro, porque não querem sua reeleição. Parte da imprensa quer voltar a ter os benefícios que tinha no passado, com os governos do PT. O partido irrigava setores da imprensa com rios de dinheiro. É esse coquetel venenoso que leva os veículos de comunicação a analisar superficialmente a atuação de Bolsonaro diante do conflito no Leste Europeu. A viagem do presidente brasileiro à Rússia estava pré-agendada havia um ano. Ir até Moscou, em nome dos interesses do agronegócio brasileiro, não deveria ser um problema.

4 — Quais serão os impactos econômicos do conflito entre Rússia e Ucrânia?

Fundamentalmente, a alta no preço dos combustíveis. Isso ocorrerá no mundo inteiro. O preço do barril de petróleo está beirando US$ 130. Algumas previsões mostram que ainda pode chegar a US$ 200. No Brasil, o preço da gasolina, na bomba, pode chegar a R$ 10. Na prática, isso significa problemas no setor de transportes. Também haverá inflação no preço dos alimentos, porque a Rússia e a Ucrânia respondem por 30% da produção mundial de grãos. O pãozinho custará mais caro, o macarrão custará mais caro. A gasolina e a comida afetam principalmente as camadas mais baixas da população. Por outro lado, é possível haver um impacto positivo no país. Mas isso dependerá da atuação do governo. Nos primeiros dois meses deste ano, houve uma brutal entrada de dinheiro na Bolsa de Valores. Foram R$ 70 bilhões entrando no país. Esse valor é igual ao montante investido no Brasil durante o ano passado inteiro. Os gringos estão tirando seus investimentos da Rússia e da China e passando para o Brasil. Somos um país emergente, com mercado grande. Se o governo agir de maneira correta, o país poderá crescer ainda mais economicamente.

5 — O que o Brasil pode aprender com a crise no Leste Europeu?

O país não pode depender de insumos importados em setores estratégicos. Já havíamos aprendido isso com a pandemia. Os respiradores, as máscaras e os remédios eram produzidos majoritariamente pela China. Agora, estamos aprendendo que não podemos depender dos fertilizantes produzidos na Rússia. Também há a questão do posicionamento geopolítico do Brasil. O alinhamento com os países não ocidentais, como Rússia, China, Índia e África do Sul, não faz sentido. Os povos são diferentes, com tradições e visões de mundo distintas. Isso precisa ser rediscutido. O país não pode ficar alinhado com ditaduras. Não é recomendável se alinhar a países que entrarão em conflitos sérios. Índia contra Paquistão, China contra Taiwan e Rússia contra Ucrânia são exemplos disso. O Brasil precisa voltar a se posicionar com os países ocidentais.

Título e Texto: Edilson Salgueiro, revista Oeste, 16-3-2022, 8h35 

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