Vitor Cunha
É preciso ter uma opinião,
afinal está em risco a nossa própria sobrevivência como danos colaterais de uma
explosão nuclear. A nova ordem religiosa assim o exige, que toda a “sociedade”
– uma construção social – determine e publicite a sua posição acerca do
conflito entre dois estranhos. Sendo a forma de publicitar a publicação nos
meios de difusão de uma das partes, fica óbvio saber qual a doutrina a apoiar e
consequentemente a papaguear. Redes sociais funcionam como a versão rasca da
Mocidade Portuguesa.
A haver conflito nuclear, a
culpa é da NATO, consequentemente da administração americana e da quantidade de
países que agarrados ao hubris de terem o melhor modelo de cleptocracia. A
ideia peregrina de criar uma Europa-América excluindo a Rússia, assente na
superioridade do modelo de criação de riqueza para as elites e consequente
distribuição de migalhas aos parolos vingaria também na Rússia quando “o
ocidente” lhes mostrasse que pessoas bem-posicionadas poderiam obter riquezas
incríveis. Sim, os EUA criaram os agora chamados oligarcas russos, quando
impingiram Yeltsin, o bêbado, de forma a distribuírem as nacionalizadas
indústrias da URSS por “bons selvagens” que se renderiam ao modelo democrático
ocidental. Leia-se: o modelo em que a ilusão da democracia existe nos eleitores
pela escolha entre dois candidatos financiados pelos mesmos grupos de
investimento (há gajos que ganham sempre às eleições, seja qual for o
resultado; é extraordinário).
Desde Clinton que a Rússia tem
servido para bombo da festa. Após a derrota económica, “o ocidente” (leia-se
Estados Unidos) não parou de tentar avançar sobre a ferida Rússia, primeiro
forçando a cedência de resistência à integridade territorial da união, depois
incluindo estas novas repúblicas na sua esfera de influência sem qualquer
benefício para estas exceto expô-las à condição de passíveis de invasão. Sim, é
suposto a NATO proteger estados membros da Rússia, mas a inclusão de estados
indefensáveis – é imaginar por onde entram exércitos em território lituano –
tem um único propósito: humilhar o urso ferido.
Não há nenhum ângulo possível para a culpa de um conflito nuclear não ser atribuída à NATO exceto o do delírio ocidental de estes serem os maiores da Cantareira, como qualquer aristocracia falida tende a mostrar. Há condições para uma Ucrânia independente – o que quer que isso seja, pois se Washington mandar até os pobres portugueses vão dar tiros com chumbinhos a zonas onde nem conhecem o inimigo –, mas não há lugar para uma Ucrânia que controle o acesso russo ao mar nem para uma Ucrânia integrante de bloco de ameaça à zona de influência russa. Porque quereriam as populações da Ucrânia tal coisa é algo que não lembraria à horda de idiotas que se limitam a papaguear kumbayas nas televisões embevecidas com o comediante de T-shirt entretido a armar civis para a morte santificada pelos Trudeaus deste planeta. Mas isso não interessa nada para o sentimento de indignação europeu, o território menos relevante do mundo que se sujeita e contenta a ser tratado como o velho duque demente que ainda pensa mandar em alguma coisa. “É a democracia!” Pobres tolos que vivem na sombra dos gigantes do passado, dedicados que estão a destruir a cultura que lhes foi dada como herança e que, como acontece normalmente com os netos do empresário, rebentam com todo o espólio no niilismo azeiteiro de hubris.
Sob qualquer prisma daqueles
básicos que as pessoas gostam agora, com opinião de papa regurgitada – digamos
antes “pré-mastigada” – a culpa é dos EUA: se a Rússia é a terra dos bárbaros
maus e sanguinários, não se provoque os bárbaros; se a Rússia é o paraíso na
Terra, não se queime o paraíso.
O que sobra é que, havendo
conflito nuclear, só se perde o passado. O presente não vale mesmo nadinha. Se
formos poupados ao conflito nuclear, ao menos que tenhamos o neurónio funcional
para agradecer a Putin a cortesia, porque aos outros não falta a comichão de
dedo para carregar no botão.
Nota: compreendo que esta
posição seja demasiado ofensiva para o estado de toxicodependência moderno por
esoterismo humanista, pelo que se quiserem não ser mais incomodados com
posições blasfemas perante a religião das “democracias liberais” que não são
nem uma nem outra, é só dizer.
Título e Texto: Vitor Cunha,
Blasfémias,
16-3-2022
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