quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

[Daqui e Dali] Como conheci o principezinho loiro

(Casos curiosos da infância de Dom Duarte de Bragança)

Humberto Pinho da Silva

Andava eu pelos meus dez anos (seriam onze?) quando conheci o Senhor D. Duarte Pio de Bragança.

Frequentava, o principezinho, o segundo ano, turma A, do Liceu Alexandre Herculano, no Porto. Foi-lhe dado o número quatro.

Era menino robusto, de tez clara, recatado e retraído; rechonchudinho e coradinho. Um guapo rapaz!

Possuía farta e vistosa cabeleira cor de ouro velho, que o destacava dos restantes, quase todos moreninhos e cabelos cor de ébano.

Sentava-se o nosso principezinho na primeira fila, rente à janela, que abria para o recreio.

Certa ocasião, o príncipe, recebeu de tia, moradora em país de grandes compositores e altas montanhas, cobertas de alvas neves no inverno e de lindas flores silvestres, na primavera, relógio de pulso, cobiçado por muitos.

Estava o mestre a dissertar, quando paira no ar estranho e irritante sussurro. O que seria?

Estupefacto, interrompe a elucidação, e logo dezenas de curiosos olhinhos espantados, volveram-se para o nosso príncipe.

Ergueu-se o principezinho, e declarou, concisamente: o relógio era despertador. Inexplicavelmente, sem desejar, começou a soar. Estava esclarecido o insólito.

Como os principezinhos das histórias de encantar, possuía, também, objetos mirabolantes, e hábitos estranhos. Estranhíssimos!!!...

Não queiram lá saber o que aconteceu em fria manhã de inverno: o menino príncipe enfia a mão na algibeira e retira papel sedoso, e assoa-se.

“O quê!?”, interrogam-se varados os petizes. “Ele limpa o nariz a papéis?!...”

O mais afoito investigou o inusitado enigma... Eram lenços de papel!... Desconhecidos em 1956, em Portugal…

Mas, em dia aziago, aconteceu inesperada tragédia:

Dona Delfina – esposa do jurista Lopes Cardoso – resolveu realizar íntima festinha. Entre os convidados, contava-se o nosso principezinho. Comeram e beberam leite achocolatado. Depois solicitaram autorização para se retirarem.

O grupinho do príncipe era constituído pelo Daniel, filho mais novo de Lopes Cardoso (meu informador das peripécias aqui referidas) João Campos, António Baia e Emanuel Caldeira Figueiredo.

Assentaram, os garotinhos, dar curto passeio de bicicleta. Como os pneus estivessem em baixo, o grupinho, demandaram açodados, à Rua de Camões (Gaia,) em busca da oficina de José Grilo.

Inesperadamente, surdiu, enfurecido, cachorro que embirrou com D. Duarte. Aflito, atarantado, aturdido, refugia-se, encafuando-se numa viatura, com tanta infelicidade, que o vidro da janela estalou em pedacinhos.

E agora? Agora o pai do príncipe, com dignidade, reparou o dano.

Certo dia desapareceu o nosso principezinho... Soube-se que fora para as "Caldinhas".

Passaram-se longas décadas. O diretor do jornal, onde era redator, encarregou-me de elaborar, entre outras entrevistas, curtíssima biografia de D. Duarte.

Nessa ocasião o meu principezinho encontrava-se casado, e era agora o Senhor Duque de Bragança.

Enviou-se-lhe o periódico. Ele e Dona Isabel, dirigiram-me afetuosa missiva e foto autografada, que conservo religiosamente.

Assim terminam as minhas singelas reminiscências do principezinho loiro, que em 1956, estudava num liceu portuense, e brincava, ria e chorava, como qualquer criança portuguesa.

Bons tempos!...

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, dezembro de 2022

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