quinta-feira, 6 de julho de 2023

[Daqui e Dali] Não são só os cérebros que emigram

Humberto Pinho da Silva

Não passaram muitos anos que reformei a minha casa. Nessa ocasião contactei vários construtores; confrontei preços e assentei entregar a obra a empresa que me pareceu ser a melhor opção – em preço e qualidade.

No dia aprazado, compareceu o encarregado com mancebo de vinte anos. Era o aprendiz.

Como estava reformado, presenciei durante dois longos meses a reparação, e fui metendo conversa com operários, mormente o encarregado, homem simpático e afável.

Conheci que trabalhava desde os catorze anos, mas de catraio ajudava o pai na lida, em biscates nos fins-de-semana.

Revelou-me, ainda, como amigo de saber, observara os oficiais, e aos poucos conheceu os segredos da canalização, carpintaria e pintura:

“Hoje não é assim” (continuou). “O moço que trago iniciou-se aos dezoito anos no comercio, e só dois anos depois é que entrou na arte. Nada conhece... nem massa sabe fazer! Ganha quase tanto como eu!... Sobem o salário mínimo, mas esquecem-se de aumentar aos mestres. É bom moço: sabe línguas e lê como um professor...” – Concluiu.

Noutra ocasião desabafou: "pretendo estabelecer-me, mas preciso de capital!... Com o que ganho é difícil..."

A obra foi dada por concluída, mas fiquei com o número do seu telefone, para futuros biscates.

Durante anos foi-me utilíssimo. Por tudo e por nada chamava o Júlio. Não era pontual, mas tudo consertava.

Certa vez, ao telefonar-lhe para reparar a persiana do quarto, respondeu-me da Bélgica. Emigrara para poder realizar seu sonho.

Não são só os cérebros que emigram. São os bons operários, os mestres, que trabalharam desde criança, e por não terem sido reconhecidos, partem em busca de melhor vida e esperança de velhice confortável e digna.

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, junho de 2023

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