
Antes de bater na parede, a
economia portuguesa estava a crescer devagar e o desemprego a subir depressa,
apesar do Governo socialista de então ter tentado resolver o problema
aumentando os desequilíbrios orçamental e externo. Entre 2005 e 2009, o PIB
cresceu em média anual apenas 0,3%. Depois, veio a crise e, em 2011, o produto
caiu 1,3%; ora, este ano, as previsões da Comissão Europeia (que são geralmente
conservadoras) apontam para uma expansão já relativamente aceitável, de 1,2% do
PIB. Em variação trimestral, a economia está a crescer desde o segundo
trimestre do ano passado; em termos homólogos, desde o último trimestre. É
inegável: estamos em plena retoma.
Após um ajustamento duríssimo,
o consumo privado regressou e a poupança cresceu de forma significativa. Entre
2005 e 2009, o défice da balança corrente atingiu uma média anual superior a
10% do PIB; este ano, o saldo será positivo, da ordem de 1%. Também este ano,
haverá saldo primário positivo, de 0,3%, o que contrasta com o défice primário
superior a 7% do produto em 2010. A dívida pública obviamente aumentou, mas
deverá começar a diminuir já este ano. Em resumo, um País com economia
medíocre, que se endividava rapidamente, passou três anos de inferno, mas
conseguiu um certo equilíbrio. Com a economia em queda, cortou mais de 7 pontos
percentuais de PIB no seu desequilíbrio orçamental, antes de juros, ou seja,
cerca de 12 mil milhões de euros.
Claro que o tom retórico dos
que discordam é poderoso, para mais antes de eleições, e são mil vezes
repetidos os mitos de que os portugueses passam fome, emigram às toneladas e de
que foram destruídos até os seus direitos humanos. Na realidade, o desemprego
estava a crescer antes do ajustamento (e começou entretanto a descer, antes do
final do programa de resgate), a emigração é um fenómeno que se mantém
relativamente estável há pelo menos dez anos. Portugal sempre foi pobre e teria
sido um verdadeiro milagre se a pobreza não aumentasse com a quebra da riqueza
de 6% nos últimos três anos.
Os partidos da esquerda
criaram uma eficaz fantasia neo-realista e esconderam dos seus eleitores o
facto bem simples de que não havia alternativa às reformas impostas pela
troika, cuja intervenção tinha condições leoninas, mas com o mérito de nos
salvar de algo bem pior, que era um cenário argentino. No entanto, a direita,
que tem evidentes motivos para celebrar o sucesso do programa de ajustamento,
reagiu de forma surpreendente. Neste artigo, que cito a título de exemplo,
André Abrantes Amaral fala de um governo liberal que nunca existiu, excepto na
imaginação. Este é um governo com social-democratas, cujo objectivo nunca foi o
de destruir o Estado social, por muito que a esquerda o tenha afirmado.
Os autores da chamada área
liberal (que curiosamente não tem qualquer partido e nunca foi a votos),
insistem na tese de que não houve reformas. Ora, Portugal passou 12 avaliações
da troika, mas eles dizem que não houve reformas. O País cumpriu integralmente
o memorando de entendimento, mas segundo os liberais não fez reformas.
Muitos repetem a ladainha de
que não houve reforma do Estado, mas também isso é falso: a redução no número
de funcionários da administração central vai em quase 20%, foram extintos
organismos e reduzida a despesa com fundações e observatórios, controlados os
gastos das empresas públicas, reduzidas rendas excessivas em vários sectores.
Como podia ser de outra forma, se já foi conseguido um saldo primário positivo?
Falta a segurança social e a reforma do sistema político, mas isso não se pode
(nem deve) fazer sem a oposição, como aliás demonstra o barulho que provocou o
episódio das freguesias ou quando se começou a falar do (inevitável) factor de
sustentabilidade nas pensões ligado à evolução da economia.
Há quem se refira a um
Portugal que nunca existiu, a uma Europa que não vai existir; há quem não
compreenda que governos reformistas, na nossa História, são menos do que o
número de dedos numa mão. A conversa de salão tem pouco a ver com a realidade.
As reformas que foram feitas sob imposição da troika, estão feitas; as
restantes ficam para o próximo ciclo político; algumas serão impostas pelos
parceiros europeus, outras pelas circunstâncias. Para mim, este é o balanço a
tirar de três anos de ajustamento, período que resultou num País totalmente
novo, mérito de quem resistiu às dificuldades e desmentiu os profetas da
desgraça.
Pelos vistos, não chega para
uma esquerda que se ilude numa espécie de sonambulismo neo-marxista, nem para
uma direita que nunca aceitou aqueles rapazes de Massamá, demasiado classe
média para serem levados a sério na torre de marfim.
Julgo que são ilusões destas
que nos impedem de discutir o futuro.
Título, Imagem e Texto: Luís Naves, Fragmentário,
06-05-2014
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