Péricles Capanema
Hoje quero ser todo
mundo. Sei não, anda sumido todo mundo, precisa de quando em vez aparecer e dar
o ar da graça. Areja, todo mundo não é romântico, fantasia pouco, tem os pés no
chão.
O baiano (soteropolitano)
Acelino “Popó” Freitas foi tetracampeão mundial de boxe em duas categorias.
Grande carreira no esporte. A seguir, tentou outro ringue, a política e nele se
deu mal. Em 2010, pelo PRB elegeu-se suplente de deputado federal com 60.216
votos — exerceu o mandato. Em 2014, tentou de novo, perdeu a eleição, obteve
23.017 votos. Em 2018, outra derrota, não passou dos 4.884 votos. Tomou do
eleitorado um direto no queixo.
Desiludiu-se com a política;
hoje afirma: “A população é muito corrupta. Ela consegue ser até mais
corrupta que o próprio político. Ela só quer o seu voto se você der uma
dentadura, uma cesta básica, um material de construção, bola, colete. Não
tinha dinheiro. Sem dinheiro, você não vai. ‘E aí, vai me dar quanto pra gente
conseguir um monte de voto aqui no bairro?’. ‘Não tenho’, eu respondia. ‘Então,
tchau. Tem outro aqui fazendo oferta pra gente’”.
Em português sofrível, Popó
explica o dia a dia do político normal — e ele era deputado federal, imagine o
deputado estadual e o vereador: “A minha chateação é porque eu percebi
que ser político é você ser errado. […] Se eu fizesse tudo errado, ou eu estava
preso, ou ganhava a reeleição. […] Só para Salvador eu mandei quase R$ 7
milhões para Neto de emenda. E com projetos, para academias sociais debaixo de
viadutos, construção de quadras. Esse projeto eu destinei alguns projetos para
a Rótula do Abacaxi, para todos esses novos viadutos. Eu destinei alguns
projetos já com verba, já com tudo 3D para a Secretaria de Esportes. E não
saiu. E o estado que mais dá títulos à Bahia é o boxe. Fiz como deputado federal
mais de 70 projetos de lei […] E quando as pessoas vinham para me ajudar… eu
dizia: ‘Eu faço esse campo e um posto de saúde e em contrapartida eu quero que
vocês me apoiem.’ Aí o pessoal dizia: ‘Não, eu quero que você banque mais de 40
pessoas por mês com mais de R$ 1 mil de salário’. A própria população se torna
mais corrupta que o deputado. E aí eu senti na pele o que é ser político, o que
é fazer política”.
Exposição um tanto confusa,
mas dá para entender. Popó compreensivelmente queria votos como retribuição por
ter conseguido o dinheiro para melhorias na Bahia. Precisava deles para
continuar na política. Todo mundo sabe, deputado age assim, cabem nos dedos da
mão as exceções. Os eleitores exigiam mais. Popó não tinha mais. Perdeu.
Resumiu o que todo mundo sabe, sem dinheiro você não vai.
Como sem dinheiro a coisa não
vai, uma forma para ir é arrancar da viúva a bufunfa para as campanhas.
Dinheiro público, autorizado, tudo legal. Todo mundo deblatera — e com razão —
contra as verbas públicas bilionárias jorrando no bolso dos partidos (Fundo
Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos e Fundo Especial de
Financiamento de Campanha). São verbas para campanhas de autopromoção, entre
outras necessidades prementes, retiradas da construção de postos de saúde e
escolas.
Não bastam os dois fundos
referidos. Saem outras verbas para campanhas dos cargos em comissão, e aí é
preciso não esquecer as rachadinhas. Os titulares dos cargos em comissão, além
de ter algumas vezes de rachar o salário com o eleito, muitas vezes são apenas
cabos eleitorais.
Única função: cabos eleitorais
por quatro anos pagos com dinheiro público, milhares Brasil afora. Fabrício
Queiroz, do ramo, há pouco foi gravado dizendo: “Tem mais de 500 cargos
lá na Câmara, no Senado. Pode indicar para qualquer comissão, alguma coisa, sem
vincular a eles em nada, em nada. Vinte continho para a gente caía bem […] Um
salariozinho bom desses aí, cara, para a gente que é pai de família, caía igual
a uma uva”.
Sem dinheiro, você não vai,
fica parado, constatou o boxeador nocauteado em ringue dominado por
profissionais de outro esporte. Tem ainda tem o caixa 2. Todo mundo sabe,
muitos doadores não querem aparecer nas listas oficiais, mas aceitam
ajudar. “Toma aqui, leva, boa sorte, não quero recibo, assim tá bão,
senão você me complica”. E o candidato precisando de dinheiro, leva. É
raro o político que não tem o caixa 2.
Muita gente de grande
qualificação profissional fica longe da política por causa dos vícios acima
apontados. Com isso privam o Brasil das lues de seus talentos, deixando o campo
livre para aventureiros, arrivistas, inescrupulosos e nulidades — nossos
legisladores e governantes em geral, com as exceções que a praxe comanda.
Cheguei até aqui e lembro: — todo mundo sabe que é assim, todo mundo finge que
não sabe que é assim.
Quereria destacar hoje apenas
um ponto. Debate-se continuamente reforma política e reforma eleitoral — todo
mundo fala nelas. Parte da corrupção no mundo político vem dos custos
altíssimos das campanhas eleitorais. É imperioso baixá-los. Os custos da
monarquia inglesa são dinheiro de pinga (e lá atraem milhões de turistas) se
comparados com os custos das campanhas eleitorais da democracia brasileira, e
daqui os turistas fogem espavoridos.
Proponho medida factível para
gastar menos dinheiro. O voto facultativo baratearia as campanhas. Melhoraria a
qualidade da representação. E nada mais democrático que ele. O voto é direito
do eleitor. Quer exercitá-lo, vota. Não quer, fica em casa. Sem penalidades.
Nada mais civilizado. Os países mais democráticos e civilizados têm voto
facultativo. Temos voto facultativo, entre outros países, nos Estados Unidos,
Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Espanha, Canadá. Voto
obrigatório: Bolívia, Honduras, Panamá, República Democrática do Congo, Egito,
Tailândia, Líbia. Nossa companhia. Esse atraso é mais um fruto venenoso da
Constituição de 1988, está na hora de acabar com tal entulho autoritário,
retrocesso que entrava a autêntica representação popular.
Por que os políticos fogem do
voto facultativo? Razão principal e simples, poria a nu a farsa da democracia
brasileira. O mundo político brasileiro está assentado sobre uma fraude, sua
popularidade, decorrente de atávico romantismo, que falseia desde décadas a
realidade. As gigantescas votações, creio, cairiam em aproximadamente 80%,
ficaria claro que a população vive de costas para o mencionado mundo político.
Mas, ao invés do engano, trapaça e turbação, hoje imperantes, como ótimo começo
e fundamento da vida pública teríamos verdade, autenticidade e transparência,
condições de democracia real e não a contrafação dela que nos empurram goela
abaixo. Daí viriam debates mais qualificados, menos demagogia, eleitos com
melhores condições para servir ao bem comum. E então o povo padeceria menos da
demagogia que hoje o engoda e infelicita. Meu pedido, comecemos por aí, com a
introdução do voto facultativo, passo, ainda que modesto, na direção certa.
Como todo mundo, contudo, tenho poucas esperanças de ser atendido. Como todo
mundo, vou continuar levando cruzado no queixo.
Título e Texto: Péricles
Capanema, ABIM,
11-11-2019
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