Não se surpreenderá o leitor se lhe disser que não havia, quando desembarcámos em Portugal, quem realizasse o teste no aeroporto, como o Dec-Lei determina. "Estavam a chegar”. Relato do caos instalado
José Manuel Martins Ferreira
Permita-me o leitor começar
pela explicação, porventura desnecessária, de que é falso o argumento de que as
realidades de Portugal e da Noruega não podem ser comparadas, dada a abissal
diferença de recursos que existe entre os dois países. Está longe de ser apenas
isso, como estas linhas demonstrarão. Tenho, desde 2013, uma posição de
professor a tempo inteiro naquela que é atualmente a quarta maior universidade
pública do país. Aquilo que verdadeiramente nos distingue, e que justifica o
título escolhido, é a organização e o respeito que o Governo tem pelos
cidadãos. Até ao eclodir da pandemia, costumava alternar duas semanas na
Noruega e duas em Portugal. Atualmente, tenho passado um mês em cada país. Esta
última deslocação oferece-nos um bom exemplo da acusação que o título encerra.
Viajei para Oslo no passado
dia 6 de janeiro, via Frankfurt, saindo de cá no voo que deveria partir pelas
06:20 horas da manhã. Deveria, mas não partiu, porque as baixas temperaturas da
noite deram origem à formação de gelo nas asas. Foi o próprio piloto que veio
ao terminal de embarque falar a todos os passageiros, para os informar de que
iríamos sair atrasados porque o aeroporto do Porto não dispõe de meios para o
descongelamento. Acrescentou que nunca na sua carreira tinha tido tal
experiência e que a única solução seria esperar pelo nascer do dia, colocar o
avião ao sol e esperar que o descongelamento acontecesse naturalmente. E foi
isso mesmo o que aconteceu – embarcámos apenas pelas 08:30 horas, com mais de
duas horas de atraso, e esperámos pacientemente ao sol, que entretanto nascera,
até às 10 horas, quando finalmente pudemos levantar voo. Com quase quatro horas
de atraso, perdi a ligação seguinte para Oslo, aonde cheguei apenas alguns
minutos depois da meia noite. Já nessa altura, a Noruega exigia aos passageiros
que trouxessem um teste Covid-19 negativo à entrada, a que se acrescentava a
exigência de realizar outro à chegada e ao cumprimento de uma quarentena de 10
dias. O teste realizado à chegada, gratuito, poderia ser substituído por outro
realizado fora, desde que o resultado fosse apresentado nas 24 horas seguintes.
Não foi preciso esperar pelo resultado no aeroporto, porque as autoridades
sabiam como e onde contactar cada um dos passageiros.
Daremos agora um salto no tempo até hoje, 31 de janeiro, em que regresso a Portugal. Consultei naturalmente o site SNS24 antes da viagem, para saber o que deveria apresentar. Ainda à hora em que escrevo estas linhas, este site continua taxativamente a afirmar que os passageiros vindos de “países UE e do espaço Schengen não têm de apresentar teste à Covid-19 no momento da partida, serão apenas submetidos a controlo de temperatura à chegada ao aeroporto” O endereço da página é inteiramente geral, sem referência de data, fazendo parte da prevenção dos viajantes relativamente à Covid-19.
A viagem com a Lufthansa,
conhecida pela excelente organização, não começou da forma habitual. Pela
primeira vez desde há largos anos, não pude fazer o check-in online,
tendo recebido da companhia a explicação de que o bilhete estava “sob controlo
do aeroporto” e seria lá que teria que o realizar, “à moda antiga”. Suspeito
agora porquê – a companhia, sem informação sobre as novas formalidades de
entrada em Portugal, não sabia se teria autorização para realizar o voo e deve
ter procurado esclarecimentos até à última hora. Ao embarcar, a informação
recebida foi de que as autoridades portuguesas exigiam agora o preenchimento de
um formulário eletrônico no portal “portugalcleanandsafe.pt”, que devolveria (como devolveu) um
código QR para mostrar no controlo de passaportes. Após uma breve escala em
Frankfurt, embarcámos para o Porto, onde chegámos no horário, pelas 11:25 horas
da manhã.
E aqui entramos
verdadeiramente no desgoverno que o título proclama. Os funcionários do SEF
pediam um teste Covid-19 que era agora exigido pelo Decreto-Lei (DL) nº
20/2021, que entrara em vigor pelas 00:00 horas deste próprio dia. Dezenas de
pessoas, desconhecedoras de uma exigência que as informações já referidas no
portal SNS24 continuam a ignorar, não dispunham de teste. Poderá imaginar-se a
confusão criada, as discussões, até o desespero – em particular, de uma senhora
que tinha viajado unicamente para participar no funeral da mãe, marcado para as
14 horas.
Não se surpreenderá também o leitor se lhe disser que não havia, quando desembarcámos, quem realizasse o teste no aeroporto, como o DL determina (“estavam a chegar”). A longa fila formada [foto], se não criou mais riscos para a propagação da doença, certamente também não constitui um bom exemplo de como a combater.
Quando, finalmente, chegou a
minha altura de realizar o teste, eram 15:30 horas, isto é, cerca de quatro
horas depois de ter aterrado. Para agravar a situação, as autoridades exigem
que ninguém saia do aeroporto antes de ser conhecido o resultado, que os
técnicos do laboratório esclareceram demorar “pelo menos oito horas”, uma vez
que não se trata de um teste rápido, mas antes de um teste PCR com captura de
amostra em ambas as narinas e na garganta. Escusado será também dizer, que o
responsável pelo laboratório, argumentando com a falta de informação atempada,
recusou o pagamento dos 100 euros exigidos a cada passageiro através dos
respetivos seguros de saúde, por não terem podido acautelar essa situação.
No momento em que escrevo
estas linhas, mais de uma centena de passageiros aglomera-se no espaço que
rodeia uma pequena cervejaria, no piso das partidas, que foi a solução
“desenrascada” para os acantonar, enquanto esperarão ainda várias horas pelo
resultado para saberem se poderão finalmente seguir para os 14 dias de
confinamento. A extraordinária falta de organização e planeamento que este
episódio evidencia constituem, por si só, a melhor explicação para o estado em
que o nosso país se encontra.
Este parágrafo final é escrito
no dia seguinte. O resultado chegou pelas 21:41 horas, o que me permitiu
abandonar, por fim, o aeroporto cerca das 22 horas. Quanto ao código QR…
ninguém pediu para o ver. Perdoe-me o leitor esta deselegância final, mas a
melhor descrição para aquilo que me foi dado presenciar está nas palavras de um
destacado membro do Governo, Ministro de Estado, quando há tempos se referiu
despropositadamente nestes termos a uma reunião da Concertação Social: “É uma
feira de gado”.
Título, Imagem e Texto: José Manuel Martins Ferreira, Professor da Faculdade de Tecnologia, Ciências Naturais e Marítimas, Universidade do Sudeste da Noruega, Observador, 1-2-2021, 14h48
Relacionados:O Jogo da Glória do “cartilheiro” socialista
"O confinamento, o fechamento dos restaurantes não serve de nada"
Coronavírus: com ‘lockdown’, Portugal é o país que mais registrou mortes por milhão de habitantes em janeiro
Aritmética contra a histeria em torno da covid-19
A Cor do Dinheiro - comentário de 29 de janeiro
Germany says AstraZeneca COVID-19 vaccine isn’t for people 65 and older
Portugal suspende voos de e para o Brasil
Médicos chineses admitem que mentiram sobre a covid
Covid-19: mortes batem recorde e Portugal pode ter ajuda internacional
Enquanto isso…
ResponderExcluirAumentos salariais da função pública em vigor a partir de terça-feira