Alexandre Garcia
A primeira facada na Constituição foi desferida em 31 de agosto de 2016, quando foi cortado um pedaço do parágrafo único do art. 52, na condenação da presidente Dilma Rousseff. Presidia o julgamento, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski e o senador Renan Calheiros. Num arrazoado semelhante ao que mais tarde iria liberar Lula da Laja Jato, Lewandowski e Calheiros obtiveram 42 votos contra 36 para não inabilitar a condenada, como manda a Lei Maior. Já era o Senado se acumpliciando. O país respondeu com omisso silêncio ao descumprimento claro da Constituição e isso encorajou novos cortes.
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Foto: Beto Barata |
Em 14.3.19, nos albores de
novo governo, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, por portaria interna,
manda abrir inquérito sobre agressões verbais à Corte, com base no Regimento
Interno, como se fossem ameaças dentro das instalações da Casa, embora tivessem
ocorrido nas redes sociais. E ele próprio nomeou relator Alexandre de Moraes.
Não houve iniciativa do Ministério Público, como manda o art. 127 da
Constituição.
Foram facadas nos artigos 5º e
220 da Constituição. Censura e punições por crimes de opinião. Prisões
arbitrárias, jornalistas foram jogados em presídio, assim como presidente de
partido e até deputado federal, numa facada mortal na inviolabilidade por quaisquer
palavras, estabelecida no art. 53 e o antológico flagrante continuado,
inventado para retirar o deputado de seu asilo inviolável às 11 da noite.
Em fins de abril de 2020, Sérgio Moro se demite do Ministério da Justiça e o segundo artigo da Constituição é esfaqueado. Sem ligar para a harmonia e independência dos poderes, o Supremo veta nomeação pelo presidente de um subordinado seu, o diretor da Polícia Federal e ainda manda revelar o conteúdo de reunião ministerial feita a portas fechadas em que o presidente chamava a atenção de ministros, inclusive Moro.
Chegaram ao ponto de
requisitar o celular do presidente, no que recuaram. No mesmo ano, a pretexto
da pandemia, aboliram-se cláusulas pétreas, só passíveis de alteração por uma
Constituinte. Os direitos de reunião, de ir e vir e de culto foram
transferidos, pelo Supremo, para o arbítrio de prefeitos e governadores.
Deixava de existir garantia da ordem jurídica.
Agora a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, interpela o Supremo sobre o
inquérito que o ministro Marco Aurélio batizou de Inquérito do Fim do Mundo -
na verdade, fim do Direito no Brasil. Não há como responder que o suposto
ofendido é que investiga, denuncia, julga e executa, sem acesso dos autos aos
advogados dos investigados. Na empolgação do ativismo, o Supremo substituiu a
Constituição à qual deveria servir e guardar, enquanto parte da nação assiste
em silenciosa aprovação suicida. Essa omissão é mais preocupante que o ativismo
dos que esfaqueiam a Lei Maior.
Mas há esperança. Como em Copa
do Mundo, quando todos viramos técnicos, cada vez mais brasileiros se tornam
constitucionalistas, torcedores da Constituição. Estamos acompanhando a
Constituição como a seleção das leis garantidoras dos direitos e conhecendo os
11 do Supremo em cada uma de suas posições em campo. E assim assumimos o que
ela estabelece: que todo poder emana de nós, o povo.
Título e Texto: Alexandre
Garcia, Gazeta do Povo, 14-6-2022, 14h17
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