quarta-feira, 15 de junho de 2022

[Língua Portuguesa] O que é uma écloga?

Écloga é um poema ambientado na natureza, que apresenta, na maioria das vezes, a forma de um diálogo entre pastores ou o solilóquio de um só pastor, de tal modo que pode ser representado como uma pequena peça de teatro. O termo "écloga" deriva do grego eklogē (ἐκλογή), "seleção, poesia escolhida", através do latim ecloga.

O termo foi inicialmente aplicado aos poemas bucólicos de Virgílio, que imitavam os Idílios, de Teócrito. Depois do poeta de Mântua, foi cultivada na Antiguidade por Calpúrnio Sículo, Nemesiano e Ausónio. 

Dante escreveu dois poemas bucólicos em latim, imitando Virgílio, e o humanista português Henrique Caiado (Lisboa, por volta de 1470 - Roma, 1509) escreveu nove éclogas, também em latim, muito celebradas no seu tempo e cuja qualidade poética e perfeição formal permanecem inegáveis nos nossos dias: 

Advena qui nostris errabat nuper in aruis 
Pastor, ab occiduis olim qui venerat oris, 
Externum hîc servare gregem persaepe solebat 
Oceano notum, ripisque nitentibus auro. 
Fistula semper erat comes huic, seu pasceret agnos, 
Saltantes ve haedos fessae circum ubera matris, 
Seu rivos illo peterent ducente juvenci, 
Undique cernere erat certatim currere nymphas, 
Semicaprosque citos properare ad carmina Faunos. 

("O pastor estrangeiro, vindo há anos duma terra do ocidente, e que, não há muito ainda, andava pelos nossos campos, muitas vezes costumava apascentar nestes sítios o rebanho que de lá trouxera, conhecido do Mar Oceano e das refulgentes praias doiradas. A flauta era sua companheira inseparável. Quer levasse ao pastio os cordeiros e os cabritinhos saltitantes, em volta dos extenuados úberes da mãe, ou os bezerros a beber nas margens dos ribeiros — de todas as bandas se viam acorrer as ninfas à desfilada, e os Faunos semi-caprinos imediatamente se deixavam atrair pela melodia dos seus versos.", Excerto da "Écloga II" de Henrique Caiado, tradução de Tomás Rosa). 

Durante o Renascimento, popularizaram-se as éclogas em línguas vernáculas, em especial as de Garcilaso de la Vega, Juan Boscán, Jacopo Sannazaro, Cristóvão Falcão, António Ferreira, Camões, Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro e Diogo Bernardes. Em épocas posteriores cultivaram-nas também Jorge de Montemor, Lope de Vega, Manuel da Veiga Tagarrro, Francisco Rodrigues Lobo, Fernão Álvares do Oriente, Eugénio de Castro, entre outros. O Monólogo do Vaqueiro, de Gil Vicente, pode ser considerado uma écloga propositadamente concebida para ser representada. Vejamos a primeira estrofe da "Écloga IV" de Camões: 

Cantando por um vale docemente 
Desciam dous pastores, quando Febo 
No reino Neptunino se escondia: 
De idade cada qual era mancebo; 
Mas velho no cuidado, e descontente 
Do que lhe ele causava parecia. 
O que cada um dizia 
Lamentando seu mal, seu duro fado, 
Não sou eu tão ousado, 
Que o pretenda cantar sem vossa ajuda: 
Porque se a minha ruda 
Frauta deste favor vosso for dina, 
Posso escusar a fonte Cabalina.  

Muitas vezes, as éclogas podem incluir uma invocação a Tália, musa do drama pastoril e da comédia, ou então uma dedicatória a um mecenas, um amigo ou uma pessoa amada. As éclogas também contam, muitas vezes, com referências ou participação de seres da mitologia clássica, em especial de sátiros e de ninfas. 

An Eclogue, 1890, por Kenyon Cox

Também podem ocorrer variações no tema - Sannazaro escreveu as Eclogae Piscatoriae, substituindo os pastores virgilianos por pescadores da baía de Nápoles, o que levou Camões a produzir ele também "éclogas piscatórias". Autores como Sannazaro, na sua Arcádia, Jorge de Montemor, na sua Diana e Francisco Rodrigues Lobo, no Pastor Peregrino, iniciaram a intercalar os versos dialogados das éclogas com trechos de prosa, que introduziam e desenvolviam a ação do poema. No Barroco, Manuel de Faria e Sousa compôs éclogas centónicas, isto é, recombinando versos de outros autores apenas. 

Popular um pouco por toda a Europa ocidental, devido ao legado grecorromano, escreveram também este tipo de poesia Edmund Spenser, Pierre de Ronsard, Clément Marot,  Szymon Szymonowic e Józef Bartłomiej Zimorowic. Stephane Mallarmé celebrizou-se com a écloga L'Après Midi d'un Faune. Miklós Radnóti (1909-1944), poeta húngaro, compôs éclogas sobre o Holocausto. Afonso Lopes Vieira (1878-1946) publicou, em 1937, as Éclogas de Agora, livro proibido até 25 de abril de 1974, por conter uma ácida crítica à brutalidade do regime salazarista, através do diálogo dos pastores Hipério e Viviano. 

A repercussão das influências das éclogas chega mesmo a Fernando Pessoa, cujo heterónimo Alberto Caeiro, poeta bucólico, afirma, como se estivesse em permanente solilóquio, tal qual os zagais dos versos antigos: 

Os pastores de Virgílio tocavam avenas e outras coisas 
E cantavam de amor literariamente. 
(Depois — eu nunca li Virgílio. 
Para que o havia eu de ler?) 
Mas os pastores de Virgílio, coitados, são Virgílio, 
E a Natureza é bela e antiga. 

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