Embaixadores e outros funcionários do
Itamaraty agiram para boicotar e sabotar um governo eleito, mas como era contra
a “extrema-direita”, então era “resistência”
Rodrigo Constantino
Democracia dá trabalho.
Winston Churchill dizia que bastam cinco minutos de conversa com um eleitor
médio para conhecer o pior aspecto de uma escolha popular. Por outro lado, o
mesmo Churchill sabia que a democracia era o pior regime, exceto todos os
demais. Ou seja, no processo de escolha popular para coisas públicas, haverá
muita decisão medíocre, o processo de persuasão será lento, imperfeito e o
risco do populismo jamais deve ser descartado.
Diante dessa realidade, não
foram poucos os que sonharam com uma espécie de administração burocrática de
iluminados, uma casta de tecnocratas que pudesse cuidar “cientificamente” das
coisas do Estado, sem essa pressão do povo “ignorante”. Nasce aí a “democracia
de gabinete”, o famoso “deep State”, um núcleo de ungidos que vai
controlar cada detalhe de nossas vidas, sem o devido escrutínio do povo.
Quando se diz “deep State”,
o que se tem em mente é um Estado dentro do Estado, um conluio de funcionários
públicos que, sem terem sido eleitos, dão as cartas no jogo político por
controlarem o aparato estatal. Vale notar que, como muitas coisas em política,
a ideia original dessa burocracia poderosa era louvável.
O próprio Max Weber defendia
uma espécie de organização humana baseada na racionalidade, ou seja, os meios
devem ser analisados e estabelecidos de maneira totalmente formal e impessoal,
a fim de alcançarem os fins pretendidos. Teríamos uma tecnocracia blindada de
pressões políticas ou partidárias, tomando decisões com base na razão e mirando
naquilo que realmente interessa ao povo governado, dando também certa
continuidade ao bom funcionamento do serviço público.
Na teoria, louvável. Na prática, nem tanto. À medida que essa burocracia foi concentrando mais e mais poder, sem a necessidade de prestar contas a eleitores, o arbítrio se tornou irresistível, e aquilo que deveria ser do “interesse nacional” muitas vezes se chocava com os interesses particulares dessa casta privilegiada. Sendo a natureza humana o que é, era evidente que teríamos abusos.
O poder corrompe, e o egoísmo
campeia. Há toda uma escola de pensamento, fundada em Virgínia, só para
analisar as “falhas de governo”, lembrando que as pessoas por trás do Estado
continuam sendo seres humanos, reagindo, portanto, ao mecanismo presente de
incentivos.
Normalmente o carreirista de
Estado está mais interessado em sobreviver que em prestar um bom serviço
público. O onipresente Alcibíades, ateniense do quinto século, foi um
imperialista democrático, um simpatizante da oligarquia, um procurado fora da
lei do Estado ateniense, um vira-casaca trabalhando para Esparta, um democrata
ateniense e um exilado aristocrático sob a proteção da Pérsia. O denominador
comum era seu manipulativo e habilidoso dom para a sobrevivência na política
grega. Uma espécie de Sarney ou Renan Calheiros dos tempos atuais. Eis a marca
do típico representante do “deep State”.
Em exemplo mais recente, temos
Talleyrand, que, por mais de 40 anos, foi uma figura permanente da Corte de
Paris e, portanto, em sucessão, defensor e traidor do Antigo Regime, da
Revolução Francesa, de Napoleão e da monarquia restaurada. Sua lealdade era
para com a carreira de Monsieur Talleyrand, e não para com a França, muito
menos para a monarquia, a revolução, o governo republicano ou a ditadura.
Agora
troque Itamaraty por BNDES, por Ministério da Educação, por Ministério de Minas
e Energia e tantas outras pastas, e teremos uma boa ideia do nível de sabotagem
que este governo sofreu
Toda essa explanação nos serve
para chegar ao cerne da questão. Numa reportagem de Jamil Chade publicada
no UOL, vemos como diplomatas tentaram sabotar a política externa
de Jair Bolsonaro. O próprio autor usou a palavra sabotagem no título antes,
mas depois achou melhor alterar a chamada. O teor, porém, segue o mesmo: um
grupo de servidores do Itamaraty agiu para neutralizar ou modificar as
políticas bolsonaristas em assuntos globais.
Diz a reportagem: “Temas como
mudanças climáticas, direitos humanos, a questão palestina ou mesmo a guerra da
Ucrânia foram tratados nesses encontros sigilosos, confirmados pelo UOL com
13 funcionários do Itamaraty, incluindo embaixadores e servidores
administrativos, e em um amplo e ainda inédito estudo de pesquisadoras da FGV e
de Oxford. A rede não envolveria apenas alguns poucos nomes e, de fato, teria
se espalhado por alguns dos principais departamentos da chancelaria”.
Em seguida, vemos a inversão de conceitos: “Para diplomatas, a palavra correta seria resistência, que existiu ‘em nome da democracia e da soberania’, e sempre ocorreu dentro de parâmetros da legalidade. No fundo, tais atos não eram nada mais que uma tentativa de ‘equalizar posições’ diante daqueles que estavam destruindo as estruturas do Estado. A verdadeira sabotagem, neste sentido, era o que estava ocorrendo com o sequestro de décadas da diplomacia brasileira para atender aos objetivos da extrema direita”.
Ou seja, servidores do Estado
agiram para boicotar e sabotar um governo eleito, mas como era contra a
“extrema direita”, então era “resistência”. É exatamente a mesma tática usada
para atropelar a Constituição, defender o arbítrio supremo, aplaudir prisões
arbitrárias, censura e perseguição ideológica. Como os alvos são da “extrema
direita”, então vale tudo, pois a verdadeira ameaça, a sabotagem real, vem do
governo eleito. E o povo que escolheu esse governo? Isso é um mero detalhe…
Foi exatamente o que fizeram
nos Estados Unidos contra Trump. Usar o aparato do FBI para perseguir
apoiadores de Trump é um crime evidente, e esgarça o tecido institucional do
país, enfraquecendo os pilares republicanos. Mas como o alvo era Trump, o
terrível “fascista”, então tudo foi tolerado em nome de uma causa nobre, um bem
maior. Os nobres fins justificam quaisquer meios, a máxima leninista que está
por trás de toda essa sabotagem.
A premissa que sustenta esse
atentado contra as instituições é a de que o povo escolhe errado às vezes, e
cabe ao aparato tecnocrata “proteger” os interesses da nação. Não resta dúvida
de que o povo escolhe mesmo muita porcaria de tempos em tempos, e basta ver o
sucesso da esquerda populista na América Latina para comprovar. Mas a vantagem
da democracia é que o escolhido pode ser deposto sem revolução, e há, portanto,
o escrutínio constante do público e a responsabilidade imposta ao gestor
eleito.
Por outro lado, essa
nomenclatura ungida parece intocável, blindada de toda pressão popular. Não
tenho dúvidas de que muitos ali são sinceros quanto aos seus intuitos, e juram
estar apenas defendendo o país. Mas ninguém os concedeu tal poder. Ninguém pediu
aos “barbudinhos do Itamaraty” para impedir os “resultados catastróficos” da
política externa de Bolsonaro. Pelo contrário: o povo votou em Bolsonaro para
que ele pudesse escolher sua política externa!
Agora troque Itamaraty por
BNDES, por Ministério da Educação, por Ministério de Minas e Energia e tantas
outras pastas, e teremos uma boa ideia do nível de sabotagem que este governo
sofreu desde o começo, pois os “tecnocratas ungidos” estavam certos de que a
“extrema direita” representa uma ameaça ao país e ao mundo, e se arrogaram a
missão de nos proteger — sem um só voto de confiança da nossa parte para tão
nobre missão.
Título e Texto: Rodrigo Constantino, Revista Oeste, nº 142, 9-12-2022
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