João Pedro Marques
As pessoas politicamente corretas vigiam (e às vezes corrigem) o que se diz no mundo ocidental. Porém, ao contrário do que tentam fazer-nos crer, a sua hipervigilância não é necessária nem nos protege de nenhuma ameaça real. Antes das últimas décadas, isto é, antes do politicamente correto ter chegado com o seu caderno de interditos, já havia gente que se expressava sem precisar de corretores do pensamento e da linguagem.
Essa gente vivia numa
atmosfera mais espontânea e mais verdadeira do que a nossa, sem, por isso, ser
necessariamente racista, xenófoba, sexista e todas essas coisas que os fiscais
do politicamente correto gostam de descortinar, com os seus olhos de raios X,
atrás de cada porta ou debaixo de cada tapete.
Para que serve, então tanto
controle e vigilância? Haverá quem pense que não serve para nada, que é tão só
uma herança tardia dos exageros dos anos 1960-70, e os factos parecem
confirmá-lo. Alguns deles são tão divertidamente insólitos que as pessoas
tendem a sorrir e a aderir a modas e procedimentos que lhes parecem inocentes.
Mas não são. Se olharmos com mais atenção vemos que o politicamente correto
corresponde ao projeto social e político daqueles a que Frederick Crews chamou
“ecléticos de esquerda”, gente mais ou menos próxima do marxismo e que continua
a ter como objetivo a revolução, só que, agora, é de uma revolução cultural que
se trata.
Essas pessoas acreditam que a
língua e as representações moldam e transformam a realidade que se aborda e,
portanto, se conseguirem fazer mudar designações, símbolos e imagens, mudarão,
a prazo, essa realidade. O seu método “transformador” não conhece, aliás,
limites cronológicos e aplicam-no retroativamente, como no 1984 de
Orwell, modificando denominações antigas – numa obra literária, por exemplo, para
melhor “ensinar” o presente.
Tentam transformar as sociedades a partir de dentro, seguindo a via suave e paulatina da linguagem, da censura e do ensino. É um marxismo reprocessado a procurar chegar lá pé ante pé, e era bom que os cidadãos que encolhem os ombros perante as originalidades do politicamente correto se apercebessem de que estão perante uma ameaça à liberdade de expressão, e não só.
Não acreditam? Olhem para
quem, nos Estados Unidos, quer fazer desaparecer as estátuas de Robert E. Lee e
de outras figuras ligadas à história do Sul escravista. Com essa decisão
abriram a porta aos racistas e neonazistas, e à dramática sequência de
acontecimentos que conhecemos. Não que não possamos pôr e tirar símbolos da
praça pública. Podemos. Mas, de acordo com as sondagens, só 27% da população
concorda com a remoção das estátuas.
Porém, os politicamente
corretos não se prendem com esse “detalhe” e as estátuas já começaram a sair ou
a cair em Nova Orleães, Baltimore, Durham. As pessoas que as removem ou abatem
têm o mesmo espírito e a mesma conduta dos talibãs afegãos que destruíam as
estátuas milenares de Buda, mas, como usam jeans e frequentam as nossas
universidades, achamos que não são uma ameaça. Erro nosso.
Eles querem mudar a memória
coletiva e conduzem um ataque tão feroz nessa direção que, se fosse hoje, Joan
Baez, a musa da esquerda, já não gravaria The Night They Drove Old Dixie
Down. Por quê? Porque essa canção de 1969 é uma descrição do modo de ver e
sentir da gente do Sul durante a guerra da Secessão. Aliás, a letra refere com
admiração e respeito o general Robert E. Lee (cujas estátuas estão a ser
retiradas do espaço público).
O exemplo desta canção,
aplaudida durante décadas, mas que agora não ressoaria num campus universitário
sem levantar protestos, revela bem o que mudou no nosso mundo em termos de
fechamento de espírito, de fanatismo, e o abismo para onde, com falinhas
mansas, têm vindo passo a passo a empurrar-nos.
É, portanto, tempo de acordarmos e de repararmos que o politicamente correto não é uma coisa divertida nem inócua. É uma mistura de moralismo e radicalismo, com tanto de Rousseau como de Robespierre, e que mandará instalar as correspondentes guilhotinas assim que puder fazê-lo.
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