Aparecido Raimundo de
Souza
LOGO QUE FURDELUNGO GONOZOR deu a dentada
certeira no pedaço de filé que estava em seu prato, o dente de cima, exatamente
o do meio, foi junto, de roldão, com o naco de carne. Furdelungo Gonozor fechou
a boca correndo, segurou a carne para não engolir e se levantou como que
impulsionado por um par de molas. Correu ao banheiro, com a mão direita
tampando a boca, enquanto com a esquerda, fingia tirar alguma coisa
movimentando um palito invisível. Os amigos não entenderam bem seu pedido de
desculpas balbuciado às carreiras, dito à boca torta, mas como estavam todos à
deriva e entregues aos vapores do álcool, continuaram com seus copos bebendo
tranquilamente como se nada de anormal tivesse acontecido.
Na verdade, não
aconteceu mesmo. O fato de Furdelungo Gonozor ter mordido a carne e, na mesma
abocanhada, deixado ir junto o dente, o problema era dele, só dele. Os amigos
de farra não tinham nada a ver com o problema. Desta forma, ao galgar o
reservado, se trancou na primeira privada que viu aberta e deu uma boa mijada.
Em seguida, depois de se certificar de que não havia ninguém estranho por
perto, se aproximou do espelho a fim de analisar o tamanho do estrago. Cuspiu
nas mãos a carne mastigada e procurou no que restara dela, o pedaço do dente.
Só então se propôs a encarar diretamente a lâmina de cristal diante de si.
Arregalou os olhos. Ficou assustado com a cratera aberta. Parecia maior que o
buraco deixado pelo Word Trade Center em Nova Iorque, depois dos operários terem
retirado a última viga de concreto que pertencera às saudosas Torres Gêmeas.
O que fazer? Não
poderia retornar à mesa daquele jeito. Jamais! Nem encarar os colegas. A não
ser que, ficasse de boca fechada, mudo, feito uma porta mal-humorada o resto do
dia. Não daria certo. Lembrou-se de um tubo de Super Bonder que pegara a mania
de carregar na bolsa junto com os documentos pessoais, depois que levara um
coice de um cavalo num acampamento onde fora passar um final de semana com
alguns colegas e seus óculos, nessa ocasião, devido ao incidente com o quadrúpede,
foram parar longe, quebrados e amassados, com as lentes cada uma para um canto,
mais sobressaltadas que a própria armação. O negócio, agora, era ir até o
carro, discretamente, pegar a bolsa no porta-bagagens e tentar colar o pedaço
no lugar de onde se soltara. Antes de deixar o WC lavou bem lavado o valioso
caquinho, assoprou e enxugou cuidadosamente em seu lenço e então, seguiu até o
carro. Passou a mão na bolsa e retornou ao lavatório.
Gastou quase uma
eternidade para fazer a operação “tapa buraco” improvisando uma espécie de
restauração paliativa que pelo menos aguentasse até o dia seguinte,
segunda-feira e não o fizesse passar uma vergonha maior diante da galera. Se os
amigos dessem com ele daquele jeito e naquele estado desesperador, sem o dente
da frente, certamente iriam cair na gargalhada e a gozação seria
inevitavelmente fulminante. Dentinho colado e reposto novamente no lugar de
origem voltou a se olhar no vidro metalizado. Sorriu largamente. O trabalho
ficara perfeito. Ninguém notaria a diferença. Precisaria, agora, ter só um
pouco de atenção, mastigar devagar e pausadamente os alimentos e não abusar
muito da sorte. Qualquer descuido seria fatal, inclusive, se não tomasse o
mínimo de cuidado, poderia vir a engolir o pedaço de dente e aí sim, até que um
profissional moldasse outro, obviamente ficaria uns dias em seu quarto
trancafiado e longe de todos. Tudo pronto, tudo em cima, tudo legal, como
mandava o figurino. Guardou a cola salvadora e se dispôs a sair.
O diabo quando não
vem, manda o secretário. Dito e feito. No que chega à porta vai e vem, eis que,
sem esperar, surge à rapaziada em sentido contrário (os amigos que ele deixara
na mesa) que, embora tivesse bebido um pouco além da conta, acabara sentindo a
ausência um tanto prolongada de Furdelungo Gonozor. O que encabeçava a frente
do grupo, estabanadamente, empurrou com toda a força as duas bandas da
portinhola, e o fez com vontade e sem nenhum tipo de aviso. Também, avisar a
quem? Dessa sorte, o troço, ao ser
aberto, foi de encontro à boca de Furdelungo Gonozor, que sem esperar, recebeu
literalmente uma pancada igual, ou pior, que o coice do quadrúpede do
acampamento. Pego de surpresa, segunda vez, escorregou e voou diretamente para
o chão caindo de boca no piso ladrilhado.
Um pequeno filete de
sangue pôs-se a escorrer intermitentemente. Os amigos se dignaram
indignadamente a socorrê-lo, apavorados, gritando, espavoridos, alarmados,
boquiabertos e, de certa forma, apatetados diante daquela cena inesperada. Sem
saber exatamente o que acontecia, um dos rapazes pisou nos óculos de Furdelungo
Gonozor. Um segundo que se posicionara logo atrás, calcou (sem querer, claro),
a sola de seu tênis em cima de uma chusma de sangue, exatamente onde caíra o
caquinho de dente recém-colado.
- Furdelungo, meu
brother... você está bem? Foi mal! Acabei de quebrar seus óculos.
“Puta que
pariuuuu!!!...” – resmungou intimamente Furdelungo Gonozor. Queria sumir,
escafeder, virar purpurina. Ser abduzido, morrer, se pudesse optar por uma
escolha. Acabara de perder seu precioso pedacinho de dente. Os óculos, os
óculos que se fodessem para lá.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista. Do Sítio “Shangri-Lá”, nas Minas Gerais. 11-12-2018
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Coitado do fuderlungo perder um dente não é fácil! Ele até que foi feliz, perdeu seu precioso dente mordendo em um filé. Muitos banguelas não tiveram a mesma sorte foram infortúnios. Parabéns pelo texto Aparecido abraços Carla
ResponderExcluirBom dia amiga Carla. Em resposta à sua participação do dia 12.12.2018, às 03:47, tenho a dizer o seguinte: melhor ser infortuniado com a perca de um dente comendo um saboroso filé, que comido, por exemplo, pelo dente. Imagine uma dentada, em sua boca, pelo próprio dente, ou pior (ainda que hipoteticamente) o filé dando uma dentada e ainda, de contrapeso, na hora da mordida latido, digo, mugido só para fazer gracinhas. Já presenciei uma cena em que um dente de um cidadão despencou na hora em que ele tentava mastigar uma asa de frango. A dita asa saiu voando pelo restaurante, deu três arrotos e pousou na careca de um freguês que acabara de entrar. Estas surpresas só acontecem com quem está vivo. Grande abraço. Aparecido Raimundo de Souza (de Shangri-Lá).
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