A Federação do futebol encontra-se empolgada. O governo “vê com muito bons olhos” a coisa. O dr. Costa já a batizou: o “‘Mundial’ da paz”. E, naturalmente, o prof. Marcelo aplaude tudo.
Alberto Gonçalves
Quando o assunto são as sedes
dos campeonatos do mundo, a FIFA não escolhe ao acaso. Em 2010, decerto
seduzida pela ausência de corrupção local, escolheu a África do Sul, o que
permitiu salvar inúmeros indigentes das ruas e enfiá-los em barracos distantes
do olhar turístico.
Em 2014, optou pelo Brasil da
dona Dilma, outro regime avesso a falcatruas, que, além de salvar os
sem-abrigo, ainda expropriou milhares de famílias para demolir casas e construir
“infraestruturas” bem bonitas.
Em 2018, o campeonato foi na
Rússia, sobre a qual são escusados comentários: provavelmente, tratou-se de um
prémio pela anexação magnânima da Crimeia, quatro anos antes.
Em 2022, leia-se daqui a um
mês, teremos o “Mundial” do Qatar, com instalações moderníssimas,
imprescindíveis restrições religiosas, mão-de-obra escrava, mas dedicada e
poucas dezenas (ou centenas) de trabalhadores mortos no processo.
Sendo uma instituição
prevenida, a FIFA já prepara o torneio de 2030. Se for uma instituição
coerente, a FIFA entregará a respectiva organização à imbatível candidatura de
Portugal, Espanha e Ucrânia. Descontada a picuinhice da geografia, não é
difícil encontrar critérios comuns. Os três são países sob ajuda de oligarquias
marxistas, dois a partir de dentro, um a partir de fora. Os três resistem
valentemente ao avanço do nazifascismo. Os três respiram saúde econômica. Os
três não têm mais com o que se preocupar. Os três existem, e é plausível que
pelo menos um ou dois continuem a existir nos próximos oito anos.
Enquanto português, estou a fazer figas, as figas que os funcionários da saúde fizeram para ter em Lisboa a final da “Champions” de 2020. Por diversas razões. Desde logo, há a questão do estímulo das massas, um bocadito apreensivas ante a incapacidade de pagarem casa, comida e minúcias assim. Na semana passada, elogiei o empenho do governo em presentear-nos com sucessivos e maravilhosos e crescentemente ambiciosos projetos: o novo aeroporto fora de Lisboa, o comboio de alta velocidade, o programa espacial indígena. Até sugeri que, a esse ritmo, estaríamos agora a festejar o anúncio da colonização de Marte, a iniciar por 2045 ou 3048.
Enganei-me. Felizmente. O
“Mundial” de 2030 é um sonho de dimensão superior ao marciano e, quiçá, ao da
“Champions”. Desta vez, não será só a rapaziada do SNS a celebrar nas ruas o
prestígio e o progresso da nossa pátria.
Segue-se a questão da ousadia.
Por hábito, aliás recente, as candidaturas conjuntas à recepção de torneios da
bola limitam-se a duas nações contíguas ou quase (bocejo). É fantástica a
decisão de Portugal e Espanha em concorrerem agregados à Ucrânia, situada a
três mil e tal quilómetros da meseta ibérica. Eu teria sugerido o Afeganistão,
mas adiante. O dinamismo que isto provocará na movimentação dos adeptos é
simples de imaginar.
Por mim, imagino as multidões
de bolivianos que, no final de uma empolgante jogatana com a Eslovénia, saem
com urgência do estádio de Castelo Branco rumo ao TGV no Carregado de modo a
apanhar em Santarém o avião para Kiev, a tempo de acompanhar a sua seleção nas oitavas-de-final
contra o surpreendente Burundi. No total, serão largos milhares e milhares de
pessoas, viagens, voos, hospedagens e cervejas a demonstrar que, de Lisboa a
Odessa, a Europa está pujante, que a crise energética tem dias e que a
“emergência climática” é conversa para vender bicicletas e enregelar a ralé.
Depois, há a questão do
investimento. Se descontarmos o prejuízo decorrente destes eventos, que costuma
rondar as centenas de milhões (subornos aos decisores incluídos), os “mundiais”
dão aos organizadores um lucro incalculável – no sentido de que ninguém é capaz
de o calcular. Sobretudo dão um pretexto e deixam um legado. É preciso que a
memória não seja curta. Não fora o Euro 2004 e cidades como Aveiro, Coimbra,
Leiria, Braga e Loulé não beneficiariam hoje de belos estádios a troco de meros
quatro milhões gastos por ano em manutenção, que os munícipes patrocinam com
orgulho. E quem diz estádios diz rotundas, hotéis, apeadeiros, rotundas,
viadutos, derrapagens, rotundas, aeroportos, rotundas, compadrios, mamarrachos,
rotundas etc. Houve um Portugal antes do “Europeu” e um Portugal após o
“Europeu”, como haverá um Portugal antes do “Mundial” e, se tivermos muita
sorte, um Portugal após o “Mundial”.
Por fim, resta a coragem. Falo
da coragem em assumir a corresponsabilidade de um acontecimento tão vital por
parte de uma nação que as más-línguas declaram ameaçada, encurralada, falida,
desnorteada, arrasada, vencida, dependente e a viver de esmolas. Sei que a
Ucrânia também não anda famosa. Mas o que me interessa é Portugal. É preciso
que a pátria esteja à altura da sua História. É preciso acreditar que somos os
melhores dos melhores.
É preciso responder aos
desafios do futuro. É preciso repetir clichés. É preciso, em suma, não cedermos
ao “bota-abaixismo”, expressão feliz do destemido eng. Sócrates. A Federação do
futebol encontra-se empolgada. O governo “vê com muito bons olhos” a coisa. O
dr. Costa já a batizou: o “‘Mundial’ da paz”. E, naturalmente, o prof. Marcelo
aplaude tudo. O que nos vale é haver tantos visionários à solta, embora alguns
merecessem estar na cadeia.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
8-10-2022
“Inicialmente, segundo a
imprensa espanhola (através da rádio Cadena Ser), o seu país
poderia apresentar uma campanha conjunta para sediar o Euro 2028 com Portugal,
ou a Copa do Mundo FIFA de 2030 junto com o seu vizinho da Península
Ibérica (desmentido em tal momento pelo jornal desportivo Marca).
Contudo, um convite feito às
autoridades marroquinas pelo presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez,
para uma campanha tripla e intercontinental, deu o mote para a inserção do país
africano nesta proposta de candidatura. Sem resposta das autoridades
marroquinas quanto a uma candidatura tripla, os dois países da Península
Ibérica passaram planear receber juntos este torneio mundial de futebol, na
edição de 2030.
A 7 de outubro, Fernando
Soares Gomes da Silva, presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF),
e Luis Rubiales, então homólogo da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF),
assinaram, antes do um encontro particular entre Portugal e Espanha, um acordo
tendo em vista a candidatura conjunta à organização do Mundial de 2030, com
final prevista para o estádio Santiago Bernabéu, em Madrid.
A 5 de outubro de 2022 foi
anunciada a inclusão da Ucrânia à candidatura ibérica, em Nyon,
na Suíça.”
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