Inês Teotónio Pereira
A mulher do primeiro-ministro deixou-se fotografar numa visita oficial
sem peruca ou lenço para esconder os efeitos da quimioterapia a que tem sido
sujeita, e a esquerda indignou-se, pasme-se!
A tolerância da esquerda com a
diferença e a doença é comovente. Já sabíamos que são incontestável património
da esquerda temas como pobreza, ambiente, cultura e grupos que tenham em comum
serem minorias (desde que exóticas).
Ser de esquerda, nos dias de
hoje, é estar sentado num sofá, numa sala decorada ao estilo minimalista, a
assistir ao “Borgen”, a beber um gin tónico cheio de folhas e bolinhas lá
dentro e, no intervalo da série, discursar com a companheira ou companheiro
sobre cultura, ambiente, desigualdades sociais e minorias (exóticas).
É assim desde que a esquerda é
esquerda chique e, numa época mais recente, desde que o PSR inovou o espaço público
– vulgo muros - com desenhos giros de carneiros para ilustrar o inimigo comum –
vulgo os outros.
Têm sido tempos penosos, mas
todos sobrevivemos ao crescimento desta esquerda mordaz, folclórica e vazia sem
grandes indigestões. Até que a moda alastrou ao centro e hoje o PS, encalhado
numa espécie de complexo social, se rendeu aos encantos desta forma de fazer
política.
Os comediantes e os
espectáculos podem agora ser vistos em vários palcos que vão desde a blogosfera
ao plenário da Assembleia da República. Sim, temos estoicamente sobrevivido a
tudo isto sem grandes sobressaltos.
A indigestão deu-se esta
semana. Esta semana, Laura Ferreira, mulher do primeiro-ministro da maioria de
direita – o tal que vai todos os dias para casa magicar planos sádicos para
roubar dinheiro às pessoas, tornar os pobres mais pobres, vender o país ao
estrangeiro, expulsar portugueses e que, ainda por cima não tem ar de gostar de
gin com folhas e bolinhas –, dizia eu que a mulher do primeiro-ministro se
deixou fotografar numa visita oficial sem uma peruca ou um lenço para esconder
os efeitos da quimioterapia a que tem sido sujeita.
E, pasme-se, a esquerda
indignou-se. Sim, a esquerda das minorias (exóticas, é verdade), dos
desprotegidos, dos mais frágeis, acha – aliás, tem a convicção profunda – que
Laura Ferreira só pode aparecer em público disfarçada, escondendo o cancro e
sem aparentar qualquer vestígio de que está a fazer um tratamento doloroso.
Porquê? Porque não escondendo
está a provocar uma onda de sensibilização e isso não é mais do que um
instrumento político para ajudar o marido a ganhar votos. Logo, o primeiro-ministro
está a usar o cancro da mulher para ganhar votos. Sim, chegou o dia da
indigestão. Do vómito, mesmo.
A esquerda tem o problema de achar que o mundo
pensa como ela: através de um copo de gin. Esta esquerda gosta de falar das
minorias (exóticas, é certo), da pobreza e da doença, mas na medida em que a
pobreza, a doença e as minorias sejam conceitos e não pessoas. E Laura
Ferreira, por ter casado com quem casou, está automaticamente excluída do
conceito e não pode fazer parte do grupo de pessoas que comovem a nossa
esquerda.
Assim como o ministro das
Finanças alemão, que por ser alemão, ser das Finanças e de direita, também não
faz parte do grupo de pessoas com deficiência que comovem a esquerda e até pode
ser satirizado com a sua cadeira de rodas, como fez António no “Expresso” da
semana passada.
Laura Ferreira tem um cancro,
tem um cancro e não tem medo, vaidade ou vergonha de mostrar que o tem. Quando
a esquerda de Estrela Serrano, dos blogues e de outras personalidades de
referência vê um asqueroso aproveitamento político onde só há coragem, isto não
só revela o tamanho da sua hipocrisia, intolerância e incoerência, como, pior
ainda, revela até onde pode chegar o pensamento estratégico desta gente.
E se Passos Coelho fosse de
esquerda, será que a sua mulher já podia aparecer sem lenço?
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