Quando entrevistei D. Emília Cabral, neta do autor
dos Maias, fui recebido numa sombria salinha onde havia muitas fotos de
família, livros empilhados e sobre mesa de roscas, em local de destaque, a
estatueta de Francisco da Silva Gouveia, representando Eça de Queiroz.
A neta do escritor, reparando na minha
curiosidade, declarou:
- Minha avó dizia: Se querem conhecer o avô,
tal qual era, basta olhar a estatueta de Gouveia - e acrescentou: Conhece-a?!
- Perfeitamente, tenho um exemplar de gesso.
- Pois há poucas! - Continuou D.
Emília. - Que eu saiba, existem quatro, (1) em
Portugal: uma, é esta, outra da minha mana, a Marquesa do Ficalho; há ainda a
que se encontra na família da Duquesa de Palmela e a do Palácio de Belém, que
pertencia a D. Carlos, julgo que se extraviou pelas caves, há muito…(2)
A palestra prosseguiu, enquanto mostrava velhas
lembranças das famílias: Eça de Queiroz e Condes de Resende.
Por certo a maioria dos leitores nunca ouviu falar
do escultor Francisco da Silva Gouveia [foto abaixo], ilustre portuense, que os livros de arte
registram, a Wikilusa menciona, e o dicionário de Eça de Queiroz, dá-lhe
merecido relevo.
Tentarei, por maior, esboçar brevíssima biografia
do escultor que - segundo a esposa do romancista, Dona Emília de Castro
Pamplona (Resende), - conseguiu a melhor representação plástica de Eça:
Nasceu no Porto a 12 de Agosto de 1872, na Rua dos
Ingleses, filho de abastado comerciante da Rua de S. João, da mesma cidade.
O pai, João Maria de Gouveia Pereira, pretendia
prepará-lo para administrar os negócios paternos, mas o rapaz inclinava-se para
o desenho.
Certa vez, o tio Caetano - irmão da mãe - vendo o
pai repreender acerbamente a inclinação, acicatou-o a matriculá-lo na Escola de
Belas Artes.
Concluídos os estudos na Academia Portuense,
deslocou-se a Paris para prosseguir o ensino com reputados mestres da escultura
europeia.
Em França foi discípulo de Rodin e Injalbert e
recebeu aulas de Falguière, Pueche e Rolard, sendo admitido na Academia Julien
e Calaron.
O jovem artista torna-se rapidamente conhecido em
Paris, graças a tertúlias e às concorridas recepções que Eça de Queiroz
organizava na embaixada.
Certa tarde do ano de 1890 estava Gouveia a
trabalhar no atelier quando deslumbra, pela janela de guilhotina,
graciosa menina, de tez clara e de lhanos meneios.
Abeirou-se da vidraça e verifica que a jovem
trajava uniforme do Liceu Fenelon.
Era Claire Jeancourt, órfã, oriunda de
Boult-aux-Bois. Gouveia ficou entusiasmado com a beleza, mas não se encorajou a
declarar-lhe afeição.
Semanas mais tarde, conversando com amigos da
precisão de aperfeiçoar o seu francês, pediu-lhes que indicassem professor.
Qual não foi o assombro quando soube que a mestra era a menina por quem andava
enamorado.
Meses depois casaram na Igreja de Notre Dame de
Champs, apadrinhados pela Senhora Duquesa de Palmela.
Infortunadamente, em 1914, “Fran” - diminutivo
carinhoso como a mulher o tratava, - adoeceu gravemente e regressa
inopinadamente a Portugal.
Consultado o Dr. Manuel Correia de Barros,
oftalmologista, avisaram-no que havia perigo de cegar.
Receoso, agasalha-se com a esposa no lar da Ordem
do Carmo, no Porto, abandonando os tasselos e as matrizes de fundição.
Nos anos quarentas era frequente vê-los passear
pela baixa portuense. Ele, baixo, gordo, segurando guarda-chuva de paninho
preto, quase sempre aberto; ela, muito branca, rosada nas faces, esquelética e
de estatura elevada.
Gouveia iniciou em Portugal as exposições
individuais - de início nos salões de casas fotográficas; - e foi agraciado
pelo Rei D. Carlos, Cavaleiro de S. Tiago; reconhecimento pátrio do elevado
valor artístico de sua obra.
Na Grande Exposição Universal de Paris do ano de
1900, obteve a medalha de prata e várias menções honrosas pelas obras expostas.
Ficou na memória dos que o conheceram a extrema
dedicação da esposa. Conta-se que certa manhã de Primavera, Claire, já viúva,
deixou tombar, por descuido, o retrato do marido. Curvou-se vertiginosamente e
com os olhos azuis, azul miosótis, turvados de lágrimas, beijou-o com ternura e
afectuosamente disse:
- “ Oh! Pardon, mon amour!”
Das obras de Silva Gouveia destaca-se a célebre
estatueta do escritor, considerada a melhor caricatura de Eça de Queiroz, e
talvez a estatueta mais notável de Portugal, segundo o parecer de reputados
críticos de arte.
Exemplar da “Estatueta Célebre” - como foi
conhecida na época, - foi adquirida pelo Rei D. Carlos. Até à data do regicídio
permaneceu sobre a secretária do seu gabinete de trabalho.
Francisco da Silva Gouveia faleceu a 28 de
Dezembro de 1951, no Porto, no Hospital dos Terceiros do Carmo.
Aqui tem, caro leitor, a breve biografia do
artista que conseguiu prender, no bronze, a melhor representação do genial
escritor.
1 - Equivocou-se a neta do Eça. Deve haver
dezenas, em coleções particulares, além das que foram adquiridas pela Sociedade
“Amigos da Arte” de Bordéus, Academia de Ciências de Lisboa, Museu de Arte
Contemporânea, e a que se encontra em Tormes.
No Rio de Janeiro, há também um exemplar, pertença
de António do Nascimento Cottas.
Existe, também, um excelente baixo relevo, de
Gouveia, que em nada é inferior à estatueta. Esse sim, é raríssimo; assim como o
desenho a craião, do ano de 1927, feito pelo autor da "estatueta
célebre".
2 - A estatueta de bronze, que pertencia a Rei D.
Carlos, foi adquirida, mais tarde, pelo Marquês de Ficalho , num antiquário
lisbonense.
Título, Imagens
e Texto: Humberto Pinho da Silva
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