J.R. Guzzo
O presidente da França, Emmanuel Macron, não gosta do Brasil, nem dos brasileiros, nem do presidente que eles elegeram dois anos atrás. Mais do que qualquer outra coisa, Macron não gosta da agricultura e dos agricultores brasileiros; sempre faz questão, nos cinco minutos por ano em que pensa alguma coisa em relação ao Brasil, de repetir que a produção de soja por aqui (sem falar no milho, carne, frango e todo o resto) está destruindo a “floresta amazônica” e, com isso, tirando o oxigênio que a França, a Europa e o mundo precisam para respirar. Não há o que fazer a respeito: o homem não muda de ideia e não muda de assunto. Vai continuar assim.
O problema com esse tipo de noção é a sua absoluta falta de conexão com a realidade dos fatos. A Amazônia, como pode ser verificado em não mais que dez minutos de pesquisa básica, não tem nada a ver com a soja brasileira, nem com o milho ou com os demais grãos. Mais de 70% da produção brasileira vem de quatro Estados – Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso. O Mato Grosso ainda tem uma parte do seu território, apenas uma parte, na chamada “Amazônia Legal” – uma ficção burocrática que não tem nada a ver com a geografia, e sim com truques fiscais para se pagar menos imposto. Mas todo o restante da área cultivada está fora de lá – a maioria dos agricultores do Paraná, por sinal, provavelmente passa a vida inteira sem jamais botar os pés na Amazônia. Além disso, ninguém precisa derrubar uma única árvore para produzir – produzir mais a cada ano, aliás, ocupando o mesmo espaço de terra, por força da tecnologia e do aumento na produtividade.
Macron, se tivesse algum
interesse nas realidades, poderia perfeitamente saber disso tudo consultando um
dos 5,5 milhões de funcionários públicos franceses que vivem à sua disposição;
é impossível que ninguém saiba, nessa multidão toda, como se produz soja no
Brasil. Também poderia perguntar sobre o assunto a uma das maiores e mais
antigas empresas da própria França, a Louis Dreyfus, que trabalha no
agronegócio brasileiro há 80 anos, tem 11 mil funcionários no Brasil e opera
ativamente em toda a área rural, da soja à laranja, do café ao milho. Mas quem
é que está interessado em coisas chatas e sem nenhum proveito político como a
busca de fatos? O presidente da França, com certeza, não está.
Sua última ideia a respeito do
assunto é acabar com a “dependência” que a França teria da soja brasileira –
indispensável para a sua produção de proteínas. Disse que estava sendo
“coerente”: quem defende a Amazônia e o meio ambiente tem de ser contra o Brasil
e a agricultura brasileira. Do que ele está falando? O Brasil produziu 135
milhões de toneladas de soja em sua última safra; a Europa inteira mal chegou
às 3 milhões. Como vai resolver isso? Não vai e, pelo jeito, não está
preocupado com os aspectos físicos dessa história toda. Como se sabe, existem
dois tipos básicos de ignorância: a involuntária e a voluntária. A primeira tem
remédio. Para a segunda não se conhece solução.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
O Estado de S. Paulo, 17-1-2021, via revista Oeste
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