Alexandre Borges
Toda a vida, só conheci três
gregos: o deprimido que se limitava a responder ”Philip Morris. Isso é da
Philip Morris” ao entusiasmo com que lhe dizia que comprar cigarros Karelia de
duvidosa sexualidade era o meu contributo para a recuperação da economia grega,
e duas gregas simpaticíssimas, uma das quais, pura e simplesmente, uma das
mulheres mais belas que alguma vez conheci (A propósito, Maria, se estiveres a
ler isto… Ah, deixa lá). O saldo é, portanto, francamente, positivo. Mas, nesta
interminável discussão sobre a Grécia, reduziu-se tudo a um simplismo
maniqueísta de fazer corar de embaraço.
Os Gregos são os bons; os
Alemães, os maus. Os Gregos são bons porque são coitadinhos; os Alemães são
maus porque só emprestam mais dinheiro aos Gregos se estes prometerem portar-se
bem. Os Gregos são os bons porque nos deram a democracia; os Alemães são maus
porque são nazis.
Bom, é capaz de valer a pena
lembrar que os mauzões dos Alemães – e dos Holandeses, e dos Belgas, e dos
Luxemburgueses, enfim, do resto da Europa – estão, pela terceira vez, a
emprestar enormes quantidades de dinheiro à Grécia, a juros que a Grécia nunca
encontraria, por si só, no mercado. E que esses mauzões e amigos já permitiram
uma reestruturação da dívida grega. E que aceitaram os dois pedidos de
adiamento de uma prestação pedidos pelos geniais Tsipras e Varoufakis... E que,
quando Tsipras e Varoufakis simplesmente não pagaram, os mauzões – estranho
comportamento para vilões tão infames – rosnaram, mas continuaram disponíveis
para novo empréstimo. E que, afinal, os implacáveis alemães andam há cinco anos
nisto.
Ah, dirão: os Alemães (vamos
continuar a fingir que são só os Alemães) não andam nisto há cinco anos porque
queiram salvar os Gregos; os Alemães andam nisto há cinco anos porque querem
salvar os bancos alemães. Claro. Mas os bancos alemães têm uma peculiaridade –
peculiaridade, aliás, partilhada por todos os bancos que conheço: não têm
dinheiro; têm o dinheiro dos clientes. Quando cai um banco – sim, PCP, desculpe
dar esta notícia assim, a frio – não é o banqueiro que se trama; é o povo que
lá tenha as poupanças. Tome-se aqui o bom e velho BES como exemplo: é a família
Espírito Santo que vêem a liderar as manifestações dos lesados do dito? Sim,
amigos solidários. Estou certo de que se fosse o meu dinheiro na Caixa que
estivesse em xeque na questão grega, era rapaz para andar um bocado mais
agastado. Serei nazi?
Para a discussão, gostamos de
trazer a Grécia que temos na cabeça. E a Grécia que temos na cabeça – vá lá
explicar-se este fenómeno psiquiátrico – é uma Grécia que inventou a democracia
e a filosofia há 2400 anos e que, por qualquer razão, os Alemães decidiram
agora linchar. Mas – notícia de última hora – a Grécia de há 2400 anos, por
mais gratidão que nos mereça, nada tem a ver com isto. A Grécia que se deixou
cair nesta trágica situação não é a cidade-estado de Atenas com que,
romanticamente, a insistimos em confundir. É o país que só existe como hoje o
conhecemos desde o século XIX e que sempre teve dificuldades financeiras. E é,
sobretudo, a Grécia que, nos últimos 20 anos, maquilhou os números para ocultar
a sua dívida real, que atingiu défices anuais de 15%, que continuou a engordar
o número de funcionários públicos até mais de 800 mil (incluindo casos célebres
como o dos 45 jardineiros para tratar de quatro canteiros num hospital). É a
Grécia onde, apesar de haver uma economia ainda mais pobre do que, por exemplo,
a portuguesa, se praticava (e pratica) um ordenado mínimo superior ao ordenado
médio português, se trabalha menos anos e, frequentemente, se fecha a porta
quinta-feira ao fim da tarde e se volta segunda.
É a Grécia que, na sua extensa
lista de profissões de desgaste rápido a quem era permitida a reforma aos 40 e
tal anos, se encontrava, por exemplo, o perigoso métier de cabeleireiro. É a
Grécia que, apesar de todas as vilanias pedidas pelos mauzões do centro da
Europa, ainda não aceitou mexer nos seus off-shores, em fazer os armadores
pagarem impostos, em retirar os privilégios à igreja ortodoxa ou reduzir aquele
que é, percentualmente, um dos maiores orçamentos militares da Europa.
E, no entanto, choca-nos que
possa haver quem não esteja disposto a continuar a dar a esta Grécia, de mão
beijada, milhares de milhões de euros. Choca-nos a vilania desse sinistro FMI
que insiste em fazer exigências, quando, afinal, não é mais do que uma
organização de países, a maioria dos quais – continuam as notícias bombásticas
– com condições de vida bem piores do que a Grécia. Repugna-nos que governos
democraticamente eleitos pelos seus povos tenham de prestar contas a esses
mesmos povos pelo que decidem fazer com o dinheiro deles, porque,
aparentemente, o argumento da democracia só é válido quando se fala da – digam
em coro – Grécia.
Os gregos comuns não terão
culpa da Grécia. Mas não podem, certamente, culpar os maus dos alemães pela
enorme e persistente ingenuidade, senão negligência, com que escolheram os seus
responsáveis políticos e os deixaram agir, ao longo de décadas, enquanto
seguiam, lenta e inapelavelmente, para o abismo.
Recentemente, cansados das
velhas soluções, os Gregos entregaram o governo a um pequeno partido que, pouco
antes, não recolhia mais de 300 mil votos, e que dizia que faria tudo diferente
do que os outros faziam. Por cá, mas não só, a esquerda facilmente impressionável
(levem-me ou não a mal, amigos de esquerda, a diferença entre esquerda e
direita é, frequentemente, apenas uma questão de ingenuidade versus realismo)
tratou da canonização instantânea. Não era só Tsipras, cuja rebeldia consistia,
ao que percebi, em dispensar a gravata; era, sobretudo, Varoufakis, o homem que
as mulheres queriam ter e que os homens queriam ser; o governante que se
deixava fotografar a caminho de reuniões de mota e blusão de cabedal; o génio
rico, filho de ricos, casado com uma mulher rica, filha de ricos, que, ao que
se diz, terá inspirado Jarvis Cocker a escrever essa bela canção sobre uma
grega em Londres, estudante de escultura, que queria brincar às “pessoas
comuns”.
Pouca importava se
lembrássemos que Varoufakis já trabalhara no governo do PASOK e que, portanto,
era difícil compreender que o seu tão propalado génio não tivesse funcionado
então. O fascínio deu para meses. Deu para fazer uma super-star política como
não se via, talvez, desde a primeira corrida presidencial de Obama.
Eis o resumo da genialidade:
eleito para bater o pé à austeridade da Europa, o Syriza passou cinco meses a
pedir adiamentos. O tempo foi passando, entre as lições de moral de Varoufakis
aos ministros das finanças a quem tinha de pedir dinheiro e os “programas
económicos” rabiscados pelo negociador em folhas do bloco de notas do hotel. No
fim, o Syriza não só não pagou, como passou a batata quente para as mãos do
povo. Que coragem, disse-se por aí. Um governo eleito pelo povo para o
representar e decidir, na hora da decisão, lavou as mãos e disse ao povo que
fizesse o que entendesse.
Tsipras e Varoufakis nunca
tiveram a menor ideia de como tirar a Grécia da situação em que está. Talvez
tenham achado que encher o peito e aparecer ao lado de Putin bastaria para
meter medo a um velho continente tão cheio de medos, traumas e ligações
perigosas. Mas a chantagem emocional não funcionou. Então, sonharam
ardentemente com um “sim” no referendo. Sim, com um “sim” – “nai”. Durante uma
semana, apavoraram o próprio país impondo um limite diário de 60 euros por
cabeça aos levantamentos de dinheiro. Com um requinte: só mil dependências
bancárias poderiam estar abertas em todo o país. Porquê? Se cada cidadão só
podia levantar 60 euros, que diferença fazia estarem todos os bancos abertos?
Uma diferença enorme: as filas dramáticas de gregos, de todas as idades,
espremendo-se contra a porta de um dos poucos bancos abertos num raio de
quilómetros.
As imagens correram mundo e,
naturalmente, chocaram. Os maus dos Alemães. Os maus dos Europeus. E,
entretanto, as sondagens iam dando o “sim” a subir porque os Gregos começavam a
ter um terrível vislumbre do que seria um futuro sem dinheiro. Se votassem
“sim”, Tsipras e Varoufakis lavariam daí mais uma vez as mãos. Era o povo que
tinha escolhido a austeridade, forçado pela vilania alemã. Apresentariam a
demissão, saindo como tinham entrado: como heróis, sem que tivessem tido de
provar o que quer que seja a quem quer que fosse.
E, no entanto, os Gregos
disseram “não”. Oxi. Não à austeridade. Não à Europa. Morremos, mas morremos de
pé. Vamos lá! E que fizeram Tsipras e Varoufakis? Varoufakis, que prometera
demitir-se se ganhasse o “sim”, demitiu-se ganhando o “não”. Diz que foi para
facilitar as negociações porque tinha ouvido dizer que lá na Europa não
gostavam dele – mas, na verdade, já tinha sido substituído há muitas semanas
por um “negociador” que, agora, o substitui como ministro de facto. E Tsipras?
Foi negociar mais austeridade, para depois voltar a casa e gritar que foi
“chantageado”.
Nunca souberam o que fazer.
Nunca houve alternativa. E é melhor que deixemos rapidamente de tratar a
questão como um debate moral. Alguém pode não pagar o que deve? Pode. Mas não
espere que lhe voltem a emprestar dinheiro. Isto não é moral; é lógica simples.
E, a propósito: haverá, com certeza, muitos especuladores a enriquecer com a
compra de dívidas soberanas, mas sabem quem é que também investe muito em
dívidas soberanas? Outros estados soberanos, com os fundos com que tentam
financiar os seus sistemas de Segurança Social.
Quanto à solidariedade,
choca-nos que o Presidente da República Portuguesa dissesse que, saindo a
Grécia, ficavam 18 países, em resposta a uma jornalista que lhe perguntava se a
Zona Euro acabaria com uma saída da Grécia. Choca-nos que o primeiro-ministro
português se demarcasse da Grécia. Mas não nos choca que a Grécia não tivesse
tido o menor pudor em dizer, consecutivamente, que, saindo eles, Portugal seria
o próximo. Não nos choca que o governo grego arrastasse com ele os juros da
dívida portuguesa em nome de nova chantagem emocional. Mas choca-nos que o
governo português faça o que tem de fazer: preocupar-se, em primeiro lugar, com
a débil situação portuguesa. Choca-nos o alemão feio de cadeira de rodas, que é
ministro das finanças e tem cara de mau, mas admiramos o ministro das finanças
gregos, que é garboso e bem-falante. E não nos chocam os seus colegas de
governo que chamam nazis por tudo e nada aos alemães, que ameaçam invadir a
Alemanha com jihadistas (?), enquanto vão fazendo os seus negócios com Putin.
Podemos estar todos à beira de
uma história muito complicada, e as histórias muito complicadas nunca foram
contadas dizendo que, de um lado, estavam os bons e, do outro, os maus.
E, já agora, a quem possa ser
mais sensível ao argumento arqueológico, vale a pena pensar que o nosso sistema
político – aliás, toda a contemporaneidade – deve muito mais à Revolução
Francesa, arquitectada sobre os princípios definidos por alemães como Kant, do
que à longínqua democracia de Atenas, onde mulheres, escravos e estrangeiros
não podiam tomar parte. E que não é lá muito humanista insistir em reduzir a
Hitler uma cultura que nos deu Beethoven, Bach, Goethe, Schumann, Nietzsche,
Hegel, Leibniz, Husserl, Shopenhauer, Schiller, Thomas Mann, Brecht, Murnau,
Lang, Einstein e até, vejam lá, Karl Marx.
(Mas concedo que também foi de
lá que vieram os Scorpions. E, afinal, a Maria era muito mais bonita do que
qualquer alemã que tenha conhecido em dias de minha vida).
Título e Texto: Alexandre Borges, 31 da Armada, 15-7-2015
O único certo nesta cronica fascista é: Nunca houve alternativa. E os ilustres nomes citados: Beethoven, Bach, Goethe, Schumann, Nietzsche, Hegel, Leibniz, Husserl, Shopenhauer, Schiller, Thomas Mann, Brecht, Murnau, Lang, Einstein e até, vejam lá, Karl Marx.Esqueceu HITLER .
ResponderExcluirNÃO LEU, APENAS OPINOU PORQUE LÊ DE TRÁS PARA FRENTE.
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