Roberto Macedo
Ao argumentar que uma pessoa é
ela e as circunstâncias, há quem recorra à filosofia. Mas no cotidiano essa
percepção é quase óbvia. Por exemplo, numa partida de futebol,
circunstancialmente com chuva forte e campo alagado, é mais difícil jogar com
desenvoltura, o que prejudica os jogadores mais habilidosos. E, numa guerra, o
avanço da infantaria morro acima, quando lá está o inimigo, é mais difícil do
que em campo aberto. Há quem veja nas circunstâncias o tal fator sorte.
Ou azar. Como o da presidente
Dilma, que enfrenta circunstâncias econômicas muito ruins, ao contrário de
Lula, seu antecessor e eleitor-mor, que até hoje - aliás, com a complacência de
uma oposição adormecida - se atribui todo o mérito pelo bom crescimento médio
da economia nos seus dois mandatos. Lula surfou num mar de circunstâncias muito
favoráveis, tanto ao usar uma prancha ajustada por seu antecessor, FHC, como
pelas ondas que vieram da economia mundial, permitindo-lhe dar espetáculo aqui
e internacionalmente.
Recorde-se que Lula, no seu
primeiro ano de mandato (2003), enfrentou dificuldades na economia que ele
mesmo causou, ao ameaçá-la com a tal "ruptura" que pregava antes de
tomar juízo. Depois que passou a seguir o evangelho praticado por FHC, deixou
de atrapalhar e se viu diante das boas ondas citadas. Elas beneficiaram o
Brasil, estimulando maiores exportações, que dinamizaram o crescimento interno
e permitiram a acumulação de grandes reservas de moedas fortes, afastando assim
o fantasma das muitas crises cambiais do passado.
Esse impulso também levou ao
aumento das receitas governamentais, que custearam programas socioeleitorais.
Não satisfeito, para ampliá-los Lula voltou a atrapalhar, aumentando uma já
insuportável carga tributária. E, do lado dos gastos, negligenciou investimentos
públicos e privilegiou o aumento de gastos permanentes, de pessoal e de
custeio, inclusive benefícios do INSS.
Os reflexos negativos desses
movimentos são agora mais evidentes. O receituário econômico recomenda que em
tempos de vacas gordas, como em geral na Presidência de Lula, um governo
acumule reservas para a chegada das magras. Como as que vieram agora, mas
encontram o governo com orçamento apertado para engordá-las.
Sob Lula, o papel das
circunstâncias externas evidenciou-se também negativamente, mostrando sua
relevância também nessa direção. Com a crise que assolou a economia mundial, a
brasileira tropeçou no último trimestre de 2008 e seu PIB caiu em 2009. Apesar
do forte tombo, Lula veio com a conversa da marolinha. As circunstâncias externas
voltaram a favorecê-lo em 2010. Esse vaivém da economia brasileira, claramente
associado a movimentos correspondentes da economia mundial, mostra a
preponderância de circunstâncias relativamente à apregoada capacidade de gestão
do ex-presidente.
De agosto de 2011 para cá, com
a crise na eurozona e seus desdobramentos, a economia mundial voltou a pesar
negativamente, já com a brasileira nas mãos da presidente. Tida como principal
executiva de seu antecessor, enfrenta dificuldades que vêm de fora, mas agravadas
por erros da gestão anterior, como os já apontados, e pelos quais, na poderosa
função que então exercia, também foi responsável.
E continua na mesma linha.
Dados novos, do primeiro semestre deste ano, justificadamente destacados na
manchete principal deste jornal na terça-feira, mostram que os investimentos da
administração federal continuam estagnados, enquanto os gastos de custeio,
inclusive do INSS, tiveram forte impulso com o insólito aumento de 14,1% dado
ao salário mínimo em janeiro. Levantados pelo economista Mansueto Almeida Jr.,
destacado analista das contas públicas federais, esses dados continuam a
revelar um governo cronicamente incapaz de investir mais. Mas sem que ele e a
economia como um todo venham a aumentar substancialmente os investimentos o PIB
brasileiro continuará mostrando crescimento medíocre e fortemente dependente
dos ventos de fora.
Mas seria o PIB tão
importante? Mesmo economista, a presidente afirmou recentemente que "uma
grande nação deve ser medida por aquilo que faz com as suas crianças e
adolescentes. Não é o PIB, é a capacidade do País, do governo e da sociedade de
proteger o que é o seu presente e o seu futuro, que são suas crianças e
adolescentes".
Tirando o "não é
PIB", pois a referida capacidade depende dele, só discordo dessa afirmação
por ser incompleta. Prefiro a de um vice-presidente (1965-69) dos EUA, Hubert
Humphrey (1911-78), um ícone do Partido Democrata, pelo qual foi também senador
por 23 anos. Disse ele: "... o teste moral do governo é como ele trata quem
está na alvorada da vida, as crianças; os que estão no entardecer dela, os
idosos; e os que estão nas suas sombras, os doentes, os pobres e os
deficientes".
O Brasil não se sai bem nesse
teste principalmente porque não tem um PIB suficiente para suprir adequadamente
todas essas carências. E também porque seu governo não atua equilibradamente
nessa tarefa. Em particular, seu viés eleitoreiro e corporativo trata melhor
aposentados e pensionistas, eleitores, principalmente os de corporações
politicamente poderosas, como a elite do funcionalismo, do que as crianças, já
que estas não votam.
Seria injusto cobrar da
presidente que rapidamente solucionasse questões institucionais como essas.
Mas, dado o que falou sobre as crianças e adolescentes, não jogo fora a
esperança de que dê alguns passos nessa direção.
Quanto ao "não é o
PIB", cabe outra frase de Humphrey: "O direito de ser ouvido não
inclui automaticamente o direito de ser levado a sério". A fragilidade do
PIB é muito séria e cabe à presidente agir para reerguê-lo e impulsioná-lo.
Título e Texto: Roberto
Macedo, economista (UFMG, USP, Harvard), professor associado à FAAP, consultor
econômico e de ensino superior, no “Estado de S. Paulo”, 19-7-2012
Colaboração: Rafael
Picate
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