sábado, 17 de maio de 2014

[O cão tabagista conversou com…] Curvello: “Nunca escondi nada da minha vida… apenas ocultei dos tolos e ignorantes”

Nome completo: Jorge Machado Curvello  
Nome de guerra: Curvello
Onde nasceu? Rio de Janeiro

Quando começou a trabalhar? Em 1959 entrei na NAB. Em 1967 ingressei na Cruzeiro do Sul, e na Varig, em 1970.

Só trabalhou na aviação?
Comecei aos treze anos ajudando um jornaleiro na esquina, não recebia salário, mas podia ler todos os gibis que amava. Depois me empregaram em uma oficina de saltos para sapatos e sandálias, ali fiquei meses. Como não nasci pra ser burro, pedi demissão ao achar algo melhor, escritórios pelos quais fui passando seguidamente, a ponto de encher duas carteiras de trabalho.
Entre os melhores aí vai: Navegação Aérea Brasileira NAB (1959), Sotreq Tratores, MGM, Pean (peças e artefatos) e tantos outros… ficava apenas o tempo de pular para outro que pagava mais.

Fora a NAB onde fui estafeta, nos demais era sempre mandado para auxiliar de contabilidade porque estudava para ser um Contador, algo que desisti antes da formatura no último ano, em 1964.
Quando desempregado andei procurando ser artista em agências e nos Estúdios de Cinema Herbert Richers.


Estava empregado em um escritório de advocacia como escriturário quando surgiu a chance da aviação e fui chamado pelos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul (1967), então descobri o melhor para mim financeiramente…

Voei na Cruzeiro até 10 de junho de 1970 e nesta mesma data, após baixa na Carteira de Trabalho, fui admitido na Varig, voando então até 1994

Quais os gibis que amava?
Búfalo Bill, Tarzan, Fantasma, Tigrana, Sheena, Flecha Ligeira, Texas Kid, Cavalo Americano, (mini-série), todos de vampiros em contos de terror…



Tarzan e Fantasma eram os meus favoritos. Também adorava Mandrake
Bom, então você voou na Cruzeiro do Sul por três anos… por que saíu?

Eu não me julgo ambicioso, mas amava a aviação, e a Cruzeiro foi uma espécie de mãe para nós todos seus empregados, apesar de sua condição menor no mercado. Nela aprendi a lidar com as dificuldades de bordo, a ser reconhecido e muito no meu trabalho, mas as rotas eram poucas e depois que chegávamos ao Caravelle, o maior equipamento, tínhamos somente como melhor rota BELÉM/BUE (Buenos Aires).

Com saídas e chegadas no velho Galeão eu sempre me deparava com aquelas tripulações de voos internacionais, via outros colegas trabalhando na Varig, na BOAC, na Braniff… e ficava imaginando como seria bom voar assim. 

BOAC, Boeing 707-436, Aeroporto de Sydney, Austrália, 1970, foto: John M. Wheatley


Boeing 707-327C, Aeroporto de Honolulu, 1971, foto: RuthAS
Não foi por grana porque ganhava super bem, foi somente por rotas. Antes da Varig que me reprovou em idiomas em 1965, tentei a Braniff que não aceitava homens na época, desprezei a BOAC por ter somente uma rota fixa RIO/LON para brasileiros e acabei, sem esperar, sendo convidado pela mommy Alice para entrar na Varig, uma chance, pois precisavam de  gente com a carteira de voo. Comigo vieram Wallace, Martha Maria e Paulo Maciel (estes demitidos da Cruzeiro).

Antevendo poder conhecer o mundo, viver a vida louca de que gostava em cidades famosas, pedi demissão da Cruzeiro sob lamento do meu diretor e no mesmo dia, assinei carteira na Varig, começando depois um novo curso de comissários.

Nota: Não sou dos agregados de 1975, aceitei o convite da Varig cinco anos antes da junção. Foi duro ter que me separar dos amigos da minha pioneira, começar tudo novamente do zero, mas valeu a pena.

Como declamou o poeta “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”…
Qual a maior recordação desses três anos na Cruzeiro?
Impossível classificar uma, são várias, mas lá vai a mais emocionante:
Aconteceu no dia do meu desligamento. Fui chamado pelo presidente da empresa, Leopoldino Amorim, e ele, olhando nos meus olhos falou:

 – Você é considerado o nosso melhor comissário de bordo, um exemplo, e eu odeio ter que perdê-lo, mas se for, não mais será aceito aqui de volta.
Como persisti afirmando que buscava maiores horizontes para mim e que se precisasse voltaria, sim, a pedir abrigo, ele respondeu.
– Gosto de homens decididos, com força de vontade. Vá e tenha a certeza de que não mais voltará. Você merece.

E começa na Varig. Qual o primeiro equipamento?
O de todos novatos na época, o famoso Carcará, o Avro 748, num voo com Paulo Maciel para Fortaleza e mil escalas horrorosas no caminho. E toma de vomitar pela primeira vez em avião.

Pela primeira vez e última, presumo…
Depois do Avro o que vem?
Ah, vem o Electra II, um dos melhores aviões em que voei e trabalhei. Nele, as rotas, o pessoal, a aeronave, o serviço de bordo (tirando aquele chato sorvete em bolo, sempre congelado, da ponte Brasília), tudo ali era maravilhoso e divertido. Foram anos maravilhosos aqueles e a receita subiu bastante depois que começamos a voar pelo Brasil com pernoites ótimos. Quer mais de Electras? É só perguntar. Rsrsrsrs…

Já estou perguntando…
A receita subiu para a empresa ou para você?
Para ela, Varig, naqueles anos parecia estar pra lá de ótima, mas digo para mim que andou logo que voltei para a base Rio nos limites do caos voando Avro e Electra somente em PA. Com aberturas de novas rotas antes da chegada do B-727, pernoites em Manaus com zona franca, a coisa melhorou e a grana começou a pintar. Ali, naquele avião, de certa forma também começávamos a aprender um pouco do que seria voar internacional.

“Voando Avro e Electra somente em PA”, o que significa?
Ponte Aérea, darling, aquela coisa de voar sem fazer hora, sem diária, apenas servir, rir, sorrir, enganar, dar copinhos com bebida light. Understanding? Aquilo era protótipo de voar, rsrsrsrs.

Claro! PA, Ponte Aérea…
Conte mais algumas de Electras.
Tenho várias, mas vamos lembrar somente duas por agora.
O voo era do Rio a Brasília/Curitiba/Rio e eu era o chefe da tripulação.  Em Brasília embarcou uma senhora com laudo médico após operação do coração, sem restrições de comida, dita em convalescença. Ela era parente do Getúlio Vargas, uma gaúcha. Ao iniciarmos o serviço de almoço entre Brasília e Curitiba, eu, que estava ajudando na galley dos fornos, fui chamado para socorrer a senhora que havia ido ao toalete, ao chegar à porta ela abriu, a senhora saiu e caiu morta em meus braços. Apesar do choque, providenciei a emergência, massagens e respiração boca a boca, mas de nada valeu e fui comunicar ao comandante. Seguimos com o cadáver dela, coberto por uma manta, deitado no chão, onde foram feitos os procedimentos de emergência, servindo todos os passageiros passando por cima do cadáver com bandejas, isolada aquela parte dos toaletes pelas cortinas. Em Curitiba tive que fazer relatório para a polícia, verificar se ela tinha dentes de ouro, relatar todos os valores pessoais e, mais tarde, na base, enfrentar aquelas chatas salas para depoimentos.

Segue o segundo:
Eu e um comissário amigo esperávamos no Aeroporto de Congonhas a volta de extra para o Rio, após conexão. O aeroporto estava fechado e nós fomos fumar perto dos hangares da RG, olhando aquela neblina. Súbito surgiu dela fagulhas e logo um bimotor táxi aéreo que ao tocar a pista incendiou. Vimos quando o avião parou envolto em chamas e quem estava dentro se jogar pelas portas abertas. Até ajudamos no socorro de um deles, bem queimado. Depois foi o bafafá, e perto das 23h o Congonhas abriu e decolamos para a base em um Electra, translado, somente levando tripulantes extras. Na viagem adormeci, sem sentir, com a cabeça encostada em uma das janelas e sonhei que o avião pousava pegando fogo, me vendo ali preso dentro dele e vendo chamas pelo lado de fora até que senti um baque e acordei. As "chamas" nada mais eram do que as luzes do SDU na corrida do avião pela pista durante o pouso. Mas, e o meu coração? Saía pela boca…
Se quiser mais pode dizer.

Ok! Conte mais duas, por favor.
Voltávamos de uma segunda perna da ponte RIO/SAO quando tivemos a desagradável surpresa de um urubu entrando sem permissão no radar do Electra. Parte dele ficou lá, grotesco, com uma asa erguida e metade do corpo enterrado naquele nariz preto do avião. Mas a outra parte borrifou a visão dos pilotos de penas pretas e sangue sujando todo o para-brisas. Ninguém se acidentou, a não ser a pobre ave.

Bem, vamos a curtas:
Dia em que o chefe dos comissários, um rapaz gay, muito querido, que depois se suicidou enfiando a cabeça dentro de um saco plástico ligado à mangueira do gás da cozinha, resolveu fazer uma festa a bordo durante um POA/RIO. Sem que os outros vissem, ele pegou papel higiênico e com ele fez laçarotes vários e franjas, enfeitando aquela cozinha da traseira do Electra. Quando um passageiro abelhudo abriu a cortina e se surpreendeu com a coisa, ele, rindo, disse:
“Penetrando na minha casa de bonecas, senhor? Aceita um croquete?”

Em Manaus, um outro gay já falecido, bastante gozado, desapareceu na hora de se descer para jantar em grupo. Procura daqui, procura dali e nada, o cara evaporou, não era achado em nenhum dos quartos. Então, alguém lembrou que faltava uma colcha que forrava a cama, e as flores de plástico haviam desaparecido de uma jarrinha no quarto onde ele se hospedava, e quando todos olharam para cima do guarda-roupa lá estava ele, petrificado como uma estátua, olhando todos, e a figura era a de uma perfeita Virgem Maria. A gargalhada foi geral.

No Electra e depois nos B-727, acontecia muita coisa triste, ou gozada.

Quando foi para o Boeing 727?
Se não me falha a memória, foi no ano de 1972, voando aquilo até 1973 quando, finalmente, atingi o meu objetivo, a Rede Internacional (RAI), ainda ótima, quando somente voávamos os B-707 com escala digna e folgada. Na Varig, apesar de ser um bom avião, o B-727 foi um tormento por causa dos escaladores sempre negociando voos.


Negociando?! Como assim?
Ora, meu amigo, você deve saber bem como procedem aviadores, sejam de terra ou do ar, se podem se dar bem, não vacilam. Naquele equipamento houve, na época, um dos mais acirrados comércio de voos com os interessados em muamba a voar bem mais. Os B-727 também voavam para Miami e México, e havia os que compravam a escala nas prontidões, fazendo com que o escalado para esses voos acabasse voando antes e o perdendo, deixando a vaga em aberto. Não era por nada que o pessoal vivia fugindo dos emissários de convocação que traziam em casa os avisos de assumir voo (nunca soube de papeis sendo ditos de perdidos embaixo dos móveis ao serem enfiados por baixo de portas, pedidos de dispensas médicas a rodo? Ah, Jim, faça-me rir!)

Foi época de odiar ter telefone e muitos davam o de parentes dizendo morar com eles porque telefone virou nosso o maior inimigo por causa da escala faminta de cobrir lacunas.
A coisa era bem-feita, mas deixava furos, e nos B-707 também andou acontecendo para os escalados em escala fixa para MIA e NYC, da mesma forma sempre o coitado sendo acionado em uma prontidão e reserva, e o ‘comprador’ voando no lugar dele. E eles eram sempre os mesmos.
Foi preciso a nova regulamentação cheia de exigências para a coisa melhorar. Como digo em meu livro, a aviação comercial esconde em seus bastidores coisas do arco-da-velha.

Acho que foi nesse tempo, do reinado dos B-707, que voamos juntos, pela primeira vez. Eu era 4º comissário, que detestava, você, 2º. Confere?
Não me recordo e nem se me detestava, coisa que duvido fosse recíproca porque, sendo bonitão como você era (and still been), excelente profissional, ficaria difícil a um cara "sensível" como eu. Quanto ao reinado do B-707, na Varig, foi antes da chata Mini RAI, o melhor período de voos.

Ops!! Eu detestava a função de copeiro, não você!! *Lol*
Você foi para o 707 em 1973, os primeiros DC-10 chegaram em junho/julho de 1974. Foi aí que surgiu a mini RAI?
Mais ou menos, depois que os gigantes dos sonhos perdidos ocuparam algumas rotas deixando os velhos B-707 sendo aproveitados para fazer voos com pernoites mais curtos.  A meu ver, o descenso da Varig começou com os DC-10, digo no padrão.
Gozado, Jim, não me lembro de você sendo galley.

Fui galley da Econômica, desde 1972, quando ingressei, até setembro de 1974. Em outubro, me escalaram como 2º. Adorei. Em novembro, curso para o DC-10.
Se havia a mini RAI, deveria haver a máxi RAI, certo?
Não me recordo bem, mas acho que era assim que tratavam as mordomias dadas aos que voavam os novos gigantes. O que sei é que era o orgulho da moçada voar os DC-10, não meu, que continuei nos queridos B-707, mesmo tendo que dividir rota internacional com doméstica ou pernoitar curto nos lugares que amava.
Havia lá, no DC-10, a tal tripulação fixa que deu panos pra mangas com causos e descausos, (até fui testemunha de alguns). O que sei é que, como todos, também depois almejava ir para os gigantes, mas para me arrepender depois.

Quando foi para o DC-10?
Não me recordo mais, mas acho que foi perto de minha demissão por contenção de despesa na Varig, aquela enrolação que ferrou com muitos. Sei que já era Supervisor de Cabine Executiva dos DC-10 nessa ocasião, e quando retornei a voar, em 1981, voltei para a mesma posição. Mas há tanto para falar do tempo do B-707, coisas boas…

Por exemplo?
Aqueles voos diurnos paletizados, aos sábados, para Los Angeles, chegando lá, hora local, às 18h30, para ficarmos inativos por mais quatro dias e voltar na quinta-feira, saindo do hotel às 13h00. Recebíamos uma diária de US$ 400,00, cash, para pagar hotel em Los Angeles, a 20 dólares por cada dia… e eu, então, como achava LAX um porre, viajava de carona na PSA para São Francisco ou San Diego ainda na meia-noite do dia da chegada. Nessas duas cidades que eu adorava, me hospedava em hotel barato e curtia à vontade, dia e noite, sozinho sempre, mas com Deus me protegendo dos perigos. Retornava para LAX na madrugada de quinta-feira outra vez em voo de cortesia da PSA, curtia a manhã na piscina do hotel com os colegas e à tardinha voltava para o Rio de Janeiro, via Lima. Curti San Francisco e Oakland à vontade e San Diego também.


Vista da cidade de São Francisco a partir de Marin Headlands, com a Ponte Golden Gate em primeiro plano
Outra festa eram os voos para Paris, Lisboa e Roma. Também com dias inativos e muita discoteca e passeios para gozar. Eu não gostava de voar para Genebra onde o hotel parecia a casa do Drácula, então, quando era com dia inativo fugia de trem para Zurique.

A turma do B-707, chefes de equipa como Boca, Pássaro Preto, Albuquerque - Bubú, Mário Augusto, Módena, e tantos outros maravilhosos, as colegas de classe, Doris Mary, Leninha, Conceição, Aneleh, Elizabeth (louca), Andree Piha, e outras, tudo gente sacana e gozadora, alguns chefes de cabine muito legais, e a muamba, que rolava solta e com assessoria geral.

De Souza, Pássaro Preto, e Sérgio Prates, Diretor do Serviço de Bordo, 1975
Mas houve passagens tristes, como o dia que tirando uma reserva soube da morte do marido da Clea Simões, o comandante Alexandre, vitimado junto com minha amiga Neuzinha naquele Caravelle da Cruzeiro do Sul, em São Luiz.
Houve a queda daquele voo em Paris matando amigos meus, houve o sumiço do PP-VLU levando embora, para sempre, meu amigo Saunders. Tudo isso são coisas que marcaram para sempre.

Uma coisa posso dizer: aquela época, para mim, foi a melhor na Varig, onde aprendi a ser comissário internacional e éramos respeitados por isso, colegas e amigos de verdade um do outro, eu trabalhando seis anos como Auxiliar A, na Primeira Classe.
Quer mais?

“Sozinho sempre”. Por quê? Porque não gostava dos colegas ou tinha algo a esconder?
Nem uma coisa nem outra, meu bom amigo, isso porque sempre me considerei dono de meus atos e direitos, e sabia lidar com canalhas e anjos da mesma maneira, como faço até hoje. Minha vida sempre foi um livro aberto até onde as pessoas podiam ler, mas nem todos folheavam as páginas. Quanto a gostar dos colegas, amava e gostava de muitos, mas nem estes tinham energia suficiente para me acompanhar nos pernoites. Ou era pela muamba, ou comodidade, ou medo. Quem conseguia, como eu, chegar de um voo, dormir alguns minutos, trocar a roupa e cair na rua, indo a diversos lugares em uma só tarde e noite, ou se não, sair da cidade e ir se divertir em outra? Ninguém, que eu saiba.

Minha mãe, aquela filha de portugueses, grossa, valente, briguenta e poderosa, me ensinou a ser homem sobre qualquer circunstância, e isso não incluía somente ter um pau, barba e bigode ou gostar de f... mulher, se é que me entende... Era muito mais, e poucos homens dos que conheço são assim.

Nunca escondi nada da minha vida e quem me conhece acredita e sabe, apenas ocultei dos tolos e ignorantes que poderiam me causar problemas. Quanto a gostar dos colegas, até que de muitos eu gosto ainda, mas cadê energia neles para me acompanhar em minhas andanças, loucuras e desapego à maldita muamba que, se não dosada no fazer, estraga confraternizações.

Ficou em tripulação fixa?
Nunca. A princípio eu queria, mas nunca me colocaram, depois, vendo o que acontecia, aquelas histórias de "acostumar no marasmo", traições conjugais, protecionismos, aí eu desisti. No fundo acho que gostava mais de quando em vez voar com gente boa e quando não com morcegos, rsrsrsrsr…

Voou até quando?
Entrei na NAB em 1959, Navegação Aérea Brasileira, como estafeta, onde fui convidado para voar, mas não quis. Depois, em 1967, entrei para os Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul onde fiquei até 10 de junho de 1970, dali eu saltei para a Varig a convite da Mommy Alice, sendo admitido nessa mesma data à tardinha. Então, deslanchei e voei até 1994 onde, insatisfeito com o novo regime Varig, pedi a aposentadoria. Como vê, Jim, sou meio velhinho na aviação, rsrsrsrsr

O quê que não lhe agradava no “novo regime”?
A Varig apagar velhos conceitos, modificar quadro de voo, furar a regulamentação mesmo disfarçando de não, modificar o serviço de bordo, a escala, as promoções, as rotas e aquele afastamento antigo do amor de se voar na Varig sendo trocado por apenas obrigação. Na diretoria também muita coisa mudou para pior, com chefes agora mais desleixados, omissos, injustos, enfim, com a criação de uma panelinha que se antes existia não era tão sentida.

Na sua carreira passou por algum incidente/acidente?
Nunca passei por acidente de trabalho, nada mais que simples cortes nos dedos durante o serviço.

Na Cruzeiro houve uma ameaça de pouso de barriga que não se completou e outra de motor pegando fogo em um YS-11 que também o sistema do avião apagou.

Na Varig houve uma ameaça de nós focinharmos o Atlântico a bordo de um MD-11, como revelou um segundo-oficial no plantão, mas algo que eles reverteram a tempo.
Outra de pousarmos no Porto, Portugal, em um aeroporto desativado e com a pista esburacada, culpa daquele comandante beberrão que todos conheciam, mas que o primeiro-oficial conseguiu evitar descobrindo o erro a tempo, minutos antes de o avião tocar o solo.

Em resposta anterior você mencionou a sua demissão da Varig, em 1980? Por qual motivo?
Foi aquela demissão em massa de mais de 1.500 funcionários que a Varig acusou de necessária para contenção das despesas, algo nunca provado. Nessa fui englobado por sacanagem, ação de quem me queria fora da Varig e não pelo desmerecimento que eles buscavam nos demitidos. Eu tinha excelente file de serviço, não faltava voo, era já um supervisor conceituado e aparentemente querido pelos chefes de equipe e auxiliares, mas trazia comigo uma matrícula já avançada com dez anos de casa.
 
Na demissão de 1980 aconteceram coisas estranhas. Viajei para Roma num final de semana com o comissário I. na tripulação, meu auxiliar na Executiva. Ele passou o voo inteiro esbravejando contra a Varig e o suposto listão de demissão. Na condução para o hotel, de saco cheio com ele, eu lhe pedi para calar e disse que se ele fosse demitido, havia outras empresas para trabalhar. Naquela noite mesmo, alguém da tripulação ligou para a casa do diretor e contou, como quis, o incidente. Quando retornei, no domingo, estava demitido por contenção de despesas, quando nunca soube de meu nome na tal lista. Estranho não?

No retorno, após um ano sem conseguir outro emprego porque depois de passar nas entrevistas os empregadores desistiam de mim, acabei sabendo que a Varig dizia a eles que iria me readmitir. Mas isso não foi fácil porque no serviço médico da Varig houve impedimento do oftalmologista que alegou minha visão deficiente, algo aprovado pelo Cemal desde que comecei a voar. Depois, foi o chefe do departamento que me disse eu estar com sífilis tendo em mãos um resultado de exame de sangue que não era o meu. Chamado a atenção para o engano, no dia D, ou seja, o dia da liberação total, eu passei todo o dia no serviço médico esperando a resposta de aprovado e quase ao final do expediente chega o T., um chefe de equipe que eu adorava, e começa a me provocar, sem motivos, gratuitamente, a ponto de me exaltar com ele. Foi preciso eu ir procurar a chefia e a Ely, secretária do diretor, revoltada, descer ela mesma ao departamento médico e exigir do chefe do departamento a minha aprovação na hora, e passando um sabão no T.

Voltei a voar com o mesmo cargo, o mesmo salário e posição a bordo. Acho que isso não agradou aos inimigos e o resultado veio depois como já contei acima.


Como e por que aconteceu a perda do seu cargo de Supervisor de Cabine?
Começou com uma viagem a Nova Iorque, de passageiro, acompanhando uma de minhas noras. A garota se meteu em encrencas na alfândega levando uma encomenda, sem falar inglês, eu me envolvendo tentando ajudar passando por seu amigo, ela sem querer desmentindo e fomos autuados como mentirosos. Foi o que aconteceu e por lá ninguém da Varig ficou sabendo por sermos os dois passageiros.

Na volta do voo, com tripulação de São Paulo, uma comissária da base Rio veio conosco e ficou sabendo do que aconteceu e isso bastou. Meses depois fui tirado sem motivo aparente da escala de voo e a chefe dos comissários se negou a me dar explicação.

Fiquei 28 dias sem voar e não fosse o SNA descobrir que eles estavam planejando uma demissão por abandono de trabalho e eu teria sido demitido assim caso completassem os 30 dias. A Varig foi obrigada pelo sindicato a me reintegrar na escala de voo.

Algum tempo depois foi a vez da F., então chefe sei lá do quê, me pressionar com uma junta de auxiliares a confessar um crime que não existia e o resultado foi uma coação de assinar a entrega do cargo e da gratificação. Sem saber como me defender, sem orientação, assinei, e fui jogado para auxiliar dos B-747.

Havia, como eles mesmo disseram na chefia, a possibilidade de depois de três meses após a retirada do cargo de supervisor, poder novamente tentar sob nova avaliação, o que tentei por mais de duas vezes (seis meses no todo), sem sucesso, porque sempre me reprovavam. No inglês, tirei 90 com o professor Morley quando foi preciso a avaliação para entrar na Varig, e depois com os professores que eles me apresentaram nas duas chances, me deram 60. Porra, Jim, eu posso não falar um inglês tecnicamente correto, mas sou fluente nesse idioma.
Entende agora o interesse deles em não me aprovar e manter rebaixado?

RESUMO: Acho que me tornei desagradável na Varig por ser muito franco, não aceitar a lavagem cerebral do “ame a Varig acima de tudo”, ser exigente junto ao pessoal da comissaria quando era chefe de cabine, brigar por direito de colegas injustiçados, andar muito sozinho nos pernoites internacionais (e sei que suspeitavam de meu envolvimento com drogas ou atos ilícitos), um crime contra quem detesta drogas e só fuma cigarros comuns. O motivo de minha solidão nos pernoites já expliquei.

Você escreveu um livro?
Escrevo vários, os guardo em arquivos ou hospedo em sites, mas somente um contando minha passagem pela Varig/Cruzeiro onde tento ser verdadeiro até onde posso não escondendo muita coisa que passageiro jamais desconfiaria acontecendo na aviação comercial. Ainda sem revisão, mas montado em protótipo e nunca será editado porque não tenho grana para esse tipo de investimento sem retorno. Mas sossega que não vai encontrar nomes no livro*, de ninguém, só conto os fatos, omito personagens nomeados. Por falar nisso, in memorian, nomes devem ser esquecidos, basta o que aconteceu.

Depois da aposentadoria, em 1994, abraçou alguma atividade?
Sim, fui regularizar a minha situação como ator e tirei o DRT em 1996. De lá pra cá fiz a peça ‘Roque Santeiro’ sob a direção da Bibi Ferreira,  fiz pequenas participações  em ‘Dona Flor e seus dois maridos’, minissérie da Globo,  e na novela ‘Andando nas Nuvens’.

Depois, fiz um personagem em Mandacaru, na Manchete, e seria contratado para a novela Brisa, que não chegou a completar porque a rede fechou.


Andei sendo selecionado para o cinema em duas produções que não foram completadas, fiz por duas vezes o Frolo de O Corcunda de Notre Dame, e continuo fazendo aparições esporádicas hoje na Record, constando no departamento de elenco sem contrato. 

Conselheiro de Sansão, em Sansão e Dalila, Rede Record.  Na série eu tinha mais de cem anos de idade.
Aos 73 anos me tornei modelo agenciado pela Casting Model e ainda estou em forma… Porém, afora o contrato da Casting que não gera dinheiro e somente divulgação, não tenho contrato com ninguém. Concomitante, abracei a arte de escrever e tenho escrito obras de ficção que guardo sem editar. É tudo.



Atores consagrados, outros que se acham, e outros que, simplesmente, são atores. Com quais é mais fácil de trabalhar?
Eu tenho trabalhado com atores consagrados e alguns sofrem de estrelismo, mas não na hora de gravar, pelo menos nas cenas em que participo. Nota-se isso no refeitório ou então no camarim ou na maquiagem, porém, ali eles mostram isso para os que devem servi-los.
No meu caso, na Record, todos me tratam com muito carinho e respeito, senhor Arlindo pra cá, senhor Arlindo pra lá, acho que pela idade, sem estrelismo ou frescuras. Mas quando fiz a peça Roque Santeiro, defrontei-me com isso no palco e nos bastidores, mas não dos consagrados e sim dos atores ou bailarinos.  

Qual a sua opinião sobre o que aconteceu, e ainda acontece, com o Instituto Aerus?
NEM VOU CONTAR, ACHO ISTO UMA COISA QUE AGRADARIA A ALGUNS E DESAGRADARIA A MUITOS NO GRUPO, GENTE QUE, APESAR DOS PESARES, AINDA CONTINUO PREZANDO. DECIDIDAMENTE RESOLVI ESTA NÃO SER MAIS A MINHA LUTA. PREZO A MINHA SAÚDE E ALEGRIA.



E o Brasil como está?
Uma beleza por fora e um caos por dentro. Isto diz tudo?


* Se quiser baixar o livro:

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3 comentários:

  1. Parabéns Jorge Curvello, sua entrevista devia virar peça de teatro. Ri muito e senti saudades de todas as épocas; do Avro ao 747. Desejo a você toda a felicidade, saúde emuita paz. Luciano Pinto de Moura.

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  2. Um bom empreendimento com ilustrações maravilhosas e muito cultural para nós aviadores. e amantes de aviação comercial. Sugiro entrevistar mais gente, aeromoças, comissários de bordo, rádios operadores, engenheiros de bordo, comandantes, mecânicos, enfim toda essa gente que forma a família. Parabéns ao Jim Pereira, ilustre comissário de bordo, português amado, diretor de uma importante associação que foi a ACVAR.

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