domingo, 5 de março de 2023

[As danações de Carina] Queer...

Carina Bratt 

CÍNTIA ENTRA estabanadamente na sala onde o pai assiste televisão, e, antes mesmo de se acomodar ao lado dele, no sofá de canto, manda bala. Grita:
— Paiiiiii, eu quero ser...
O Pai, se assusta, com a entrada repentina da filha:
— Que isso, Cíntia. Precisava me assustar?
— Desculpa, pai. Foi mal!
— Está desculpada. Agora fala, você quer ser o quê?
— Eu quero ser ‘queer...’.
— Já que você quer ser quer, então seja...
— Pai, não é quer... é ‘queer’. Sabe o que é?


— No meu entendimento, um quer duplo, tipo queero um café, queero um suco...
— Não pai, ‘queer’ significa outra coisa.
— Então me explica, filha. Seu pai é do tempo do ronca.
— O senhor conheceu o ronca?
— Não filha, modo de dizer, de me expressar. Em outras palavras: sou do tempo antigo...
— Ah...!
— Agora seja uma boa menina e me dê detalhes: o que é ser quer?

Cíntia volta a repetir:
— Não é quer, pai, é ‘queer. Se escreve assim: que... u... e... e... r...
— Tá entendi. E o que é?
— O senhor conhece o Tadeu Schmidt?
— Sim. Do Fantástico. Ele apresenta os cavalinhos...
— Não mais, pai. O Tadeu agora apresenta o “BBB”.
— Ah, o tal ‘Boceta, Boca e Bunda?’. Como um jornalista famoso, do porte dele se rebaixa a tanto?
— Pai, pelo amor de Deus. Respeita a sua filha... ‘BBB’ é...

O pai muda o tom da voz:
— Pula essa parte, filha. O que é ‘queer’ com duas letras ‘e?’.
— A filha dele, a Valentina Schmidt é membro da comunidade LGBTQIA+...
— Mais o quê...?
— Calma, pai.
— Ela é membro ou membra?
— Membro...
— O certo seria membra. No meu tempo... membro...
— Pai, me escuta...

O pai de Cíntia começa a dar sinais de poucos amigos:
— Me escuta você. No meu tempo, membro...
— Pai, me ouça... Valentina é membro da LGBTQIA+, ou seja, essas criaturas são pessoas trans. A Valentina é trans. E, como tal, caminha livremente entre as noções de gênero como é o caso das drag queens...
— Drag queens? Meu pai eterno! Em que mundo vivemos! Essa tal Vascaína...
— Valentina, pai. Ela se revelou ser ‘queer’, ou seja, ela é uma pessoa que não se encaixa numa ‘definição tradicional’, tampouco se harmoniza em padrões antiquados impostos pela sociedade. Isso dá a ela o direito de poder passear entre os gêneros como achar conveniente...

O velho coça a cabeça. Se serve de uma xícara de café que Laurita (a empregada), trouxe pouco antes da chegada de sua primogênita:
— Quantos anos tem essa infeliz?
— Vinte, pai. Ela tem uma irmã, a Laura, de dezesseis...
— E essa Laura também quer ser ‘queer?
— Não, pai. Só a Valentina...
— Você falou, falou... o que significa essa tal de ‘queer?’.
— É uma palavra inglesa...
— Quero saber em português. Moro no Brasil.
— Em Portugal se traduz por ‘estranho’.
— Quero a definição em nosso idioma... esquece Portugal. 

— OK, pai. Por aqui, a pessoa que é ‘queer’, pode ser, na prática, o que der na telha. Virar menino, menina, ou ser as duas coisas ao mesmo tempo.
— Continue, filha...
— Sendo uma ‘queer’, ela poderá usar cueca, calcinha, sair na rua de vestido ou de calça masculina, deixar bigode, trocar de nome, ou ter dois... Eu mesma papito, poderia ser Cíntia, ou Cíntio. Não seria legal?
O pai pula do sofá e se tranca numa carranca fechada. Esbraveja explodindo completamente fora de si:
—... Cíntia, pode parar. ‘Cíntio’ muito. Já escutei demais por hoje. Espero que você tome juízo e esqueça essas ideias. Você poderá ser o que quiser. Todavia, enquanto estiver em minha casa, comendo às minhas custas, se comporte como gente. Lembrando, ainda, que você é menor. Quando for dona do seu nariz... agora, por favor, me deixa ver televisão em paz!

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA: ‘Queer’ é um termo complexo que em nossos dias está gerando uma infinidade cada vez mais crescente de dúvidas e ambiguidades, ou seja, a pessoa que objetiva ser uma futura ou futuro ‘queer’, certamente se defrontará com um calhamaço infindável de perguntas que ficarão sem respostas lógicas e objetivas. O vocábulo, em si, na nossa língua pátria, se traduz por algo ‘estranho’, ‘impróprio’ aos bons costumes. Alguma coisa considerada ‘esquisita’, ‘inusitada’, chegando em determinadas ocasiões, às raias do grotesco ou do ‘bizarro’.

A origem, ou a etimologia e seu uso, no cotidiano, nos faz descambar por uma senda de estudos acadêmicos que, de uma forma bem simplificada, nos leva, em contínuo, a pesquisarmos sobre o assunto para tentarmos entender a sua origem. Em tempos remotos, a palavra ‘queer’ servia para xingamentos contra os ‘gays’, ‘homossexuais’, ‘travestis’, ‘sapatões’ e ‘bichas’. Em nosso lindo país, como nos Estados Unidos, o termo infelizmente ainda equivale, igualmente, para rebaixar os ‘travecos’ e ‘afeminados’, bem ainda às ‘florezinhas’ e ‘baitolas’, os ‘frescos assumidos’ e os ‘levadores de fumo’, como também os ‘boiolas’ e os ‘engolidores de varas’.

O texto acima, do curto diálogo da Cíntia com seu pai, eu trouxe propositalmente para ilustrar os dois lados da moeda. Aliás os dois lados, virou um só. Vivemos num país livre (pelo menos por enquanto) e, por ser dessa forma, podemos ser o que quisermos, ou o que bem entendermos. Se a pessoa deseja virar uma ‘queer’, ou um ‘queer’, que seja feita a sua vontade. Da mesma forma, o ‘traveco’, a ‘traveca’, o ‘boiola’, a ‘boiola, o ‘bicha’, a ‘bicha’, o ‘sapatão’, ou a ‘sapatoa’... amigas, as pessoas precisam aprender a respeitarem os seus semelhantes.

Todos nós somos filhos de Deus. À Ele, no dia do Juízo Final, cabe decidir o destino de cada um e fim de papo. O negócio é vivermos em harmonia, em paz. Para essas pessoas que se importam com o sexo dos demais, homem, mulher, os dois, ou ambos, um conselho: façam como Mark Manson —, se embrenhem, viagem sem medo pela ‘SUTIL ARTE DE LIGAR O FODA-SE’.

Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 5-3-2023

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