Todo detetive de agência de checagem quer ser, quando crescer, mais um Jornalista Investigativo que nada apura
Augusto Nunes
Na tarde deste 29 de março, um recado por e-mail desembarcou na redação da Revista Oeste. A primeira linha tem uma palavra só: Prezados. Assim mesmo: Prezados, no plural e sem o acompanhante obrigatório. O plural sugere que o texto foi endereçado a mais de um vivente, mas a ausência de nomes impossibilita a identificação dos destinatários. Também o remetente refugiou-se no anonimato. Depois de um entediado “Att” na penúltima linha, aparecem três palavras — Equipe Aos Fatos — e o logotipo dessa obscenidade parida pelos discípulos de Lula: a agência de checagem.
O palavrório se divide em três
parágrafos, reproduzidos abaixo em negrito, com apartes do colunista entre uma
e outra sopa de letras.
“Estamos fazendo um
especial investigativo que reuniu mais de 690 conteúdos desinformativos ou
golpistas virais que circularam desde o segundo turno das eleições e até a
invasão dos prédios dos Três Poderes no dia 08/01. Entre os conteúdos estão trechos
de vídeos da Revista Oeste em que seus comentaristas disseminam desinformação
ou defendem pautas golpistas.”
Vamos lá. O que é um “especial
investigativo” Um trabalho escolar? Uma composição à vista de uma gravura? Um
teste eliminatório para o ingresso num curso de formação de detetives? E por
que o “virais” depois do “golpistas”? Querer derrubar o governo já é uma
enormidade. Espalhar tamanho ato antidemocrático pela internet é coisa para 20
anos de prisão preventiva e 30 de domiciliar (com tornozeleira e sem
passaporte), além da multa de US$ 15 milhões (por semana). O “e” entre eleições
e até só existe em discurso de lulas e dilmas. O zero antes e 8 e do 1 é tão
dispensável quanto revelador: quando se trata de datas, o zero à esquerda é
apreciado apenas por gente que vale menos que um zero à esquerda.
Por que o deserto de vírgulas? O poeta Ferreira Gullar ensinou que a crase não foi feita para humilhar ninguém. Nem a vírgula, parece desconfiar o autor do recado. Quando não se sabe onde colocar os sinaizinhos, melhor assassiná-los. Mas uma dupla de vírgulas sobreviventes geme nos curtos parágrafos seguintes:
“Dessa forma, gostaríamos
de abrir espaço para a revista se posicionar sobre o assunto”.
Posicionar, posicionamento e
outros palavrões do gênero só servem para revelar a posição do orador: está de
cócoras para Lula e no meio do bando que voltou à cena do crime.
“Nosso prazo para
publicação é hoje (29/03) até as 19h. Caso não consigam responder dentro do
prazo, podemos incluir o posicionamento posteriormente sem prejuízo.”
O prazo concedido pelos sherloques
de picadeiro já se esgotara quando o e-mail foi repassado à direção de Oeste.
Nenhum problema, consola a agência, que se dispõe a examinar “o posicionamento
posteriormente sem prejuízo”. Sem prejuízo do quê?, perguntaria qualquer
professor de português convidado a avaliar o palavrório insolente — antes de
castigá-lo com o merecidíssimo zero com louvor.
A cópia em papel do recado já
decolava rumo à lata de lixo quando bati os olhos num aviso no rodapé: “Viu
algum conteúdo suspeito nas redes? Fale com a Fátima”. Acabara de ver um
conteúdo mais que suspeito: a mensagem é uma sequência de agressões à
Constituição, à democracia, à liberdade, ao idioma, à moral e aos bons
costumes. Estava pensando na conversa com a Fátima quando notei que também é
sigiloso o paradeiro dessa misteriosa padroeira dos caçadores de fake
news.
Pausa para a viagem no tempo.
Aos 14 anos, estreei como redator da seção de nascimentos e óbitos do Nosso
Jornal, semanário em que meu irmão mais velho mantinha uma coluna política.
Ocorrida a primeira morte, Flávio me passou instruções. Cumpria-me investigar
informações indispensáveis: o nome do defunto, a grafia correta, a idade e
quantos parentes próximos deixara (além de avaliar pessoalmente o tamanho do
enterro). No dia seguinte, a chegada ao mundo de mais um taquaritinguense
expandiu o manual de regras. Além dos nomes dos pais e do dia do parto, era
preciso investigar o peso do bebê e, com especial rigor, o prenome dos
recém-nascidos. Já começara a praga dos Wellyngttons, das Myrellas e outras
misturas de duplas consoantes com rabiscos com som de vogal ausentes do
abecedário oficial.
Poucos meses num semanário do
interior paulista bastaram-me para compreender que todo jornalismo é
investigativo. Notícia sem apuração é como texto sem palavra: não existe. Por muitas
décadas, pareceu-me claríssimo que não se pode separar os profissionais da
imprensa entre os que investigam e os que nada apuram. Sempre houve bons e maus
perseguidores da verdade. Mas todos os que exercem a profissão são jornalistas
investigativos, certo? Não no Brasil, decidiram em 2002 os fundadores da
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji. É um clube
reservado a Jornalistas Investigativos, com o J e o I em maiúsculas truculentas
como nas manchetes de tabloides sensacionalistas europeus.
O silêncio cúmplice da Abraji,
o fanatismo dos sindicatos lulistas e a covardia dos que se ajoelham diante de
patrulhas ideológicas geraram o filhote repugnante autodenominado agência de
checagem
De lá para cá, a entidade promoveu cursos de aperfeiçoamento, seminários e premiações, engordou abaixo-assinados ou manifestos, divulgou notas oficiais para comunicar à nação quem dizia a verdade e deu palpite em tudo, fora o resto. Só ficaram faltando descobertas históricas resultantes de investigações feitas por associados decididos a justificar a presunçosa denominação da entidade. Nos últimos 20 anos, assunto é que não faltou: Mensalão, Petrolão, revelações da Lava Jato, roubalheira institucionalizada, impeachment de presidente, prisão de intocáveis — pela primeira vez na história da imprensa brasileira, o dia começava com dois ou três fatos disputando a ponta da fila das notícias relevantes. Incapazes de enxergar as bandalheiras no lado esquerdo da estrada principal, os Jornalistas Investigativos se juntaram no consórcio que vigiava apenas a pista esquerda. Fecharam os olhos à ofensiva contra a liberdade de expressão. Ignoraram as ilegalidades fabricadas por ministros do Supremo Tribunal Federal. Aceitaram a censura à imprensa. E se tornaram porta-vozes da verdade oficial.
O silêncio cúmplice da Abraji,
o fanatismo dos sindicatos lulistas e a covardia dos que se ajoelham diante de
patrulhas ideológicas geraram o filhote repugnante autodenominado agência de
checagem. Conheço boa parte dos que chefiam esses aleijões. O fracasso nas
redações os reduziu a carrascos da informação. Não admitem a existência de
jornalistas que veem as coisas como as coisas são e contam o caso como o caso
foi. Acusam de golpistas os genuínos democratas.
Às vezes o lado escuro parece
perto da eternização no poder, mas acaba perdendo. Os farsantes perdem por
ignorar que os fatos, embora frequentemente pareçam agonizantes, sempre
prevalecem. A verdade não morre.
Nesta quinta-feira, foi enfim
divulgado o “especial investigativo”. Trata-se de uma intragável salada de
disparates. Entrei no grupo de desinformantes golpistas a bordo de trechos de
vídeo confusos, inaudíveis e sequestrados do contexto. Segue um conselho para a
misteriosa Fátima: caia fora do estranho mundo das agências. Vão todas morrer
de safadeza investigatória.
Título e Texto: Augusto
Nunes, Revista Oeste, nº 158, 31-3-2023
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