Alberto Gonçalves
Na sexta-feira, os deputados
do Bloco de Esquerda levantaram cartazes em que se lia "Solidariedade com
a Grécia". Como se o gesto não fosse suficientemente engraçado, submeteram
em simultâneo à Assembleia da República um voto com pedido semelhante. Dado que
alguns parlamentares têm vergonha na cara, o voto acabou rejeitado. Mas ficou a
divertidíssima intenção de condenar as "pressões indevidas que tentam
condicionar a escolha livre e democrática do povo". Em português, isto
significa que os gregos são livres de escolher a maneira de outros os
sustentarem. Quanto à liberdade dos outros, o BE foi omisso. Para cúmulo, que
se saiba nenhum dos deputados contribuiu para a campanha iniciada pelo
britânico que, através de crowdfunding, procura ajudar a pagar os 1,6 mil
milhões da dívida grega. Da última vez que vi, a recolha ia nos 1,6 milhões.
Faltava um bocadinho, um bocadinho que, desconfio, não se alcança com cartazes
e votos solidários. Nem com lirismo.
O lirismo dominou o encontro
"A crise europeia à luz da Grécia", debate também realizado na
sexta-feira e abrilhantado pela ausência de divergências. O calibre dos nomes
envolvidos explica o estilo e o consenso: Louçã, Pacheco Pereira, Manuel
Alegre, o Prof. Freitas, um economista da CGTP e, claro, os imparáveis
deputados do BE. A bem da síntese, eis o tom geral: a Europa é uma ditadura
(valha-nos Deus); a Grécia simboliza a democracia (desde tempos imemoriais,
para não falar do velho esclavagismo e da pedofilia clássica); os gregos
resistem ao poder do dinheiro (excepto quando é dado); os gregos, à imagem dos
jogadores da bola, levantam a cabeça (excepto para pedir); os gregos são dignos
(na medida em que o parasitismo é um critério de dignidade); os gregos, em
suma, são patriotas - já os alemães que preferem a Alemanha ou os portugueses
que preferem Portugal são traidores. Seja em que país for, patriota é o sujeito
que dá a vida ou, vá lá, levanta um cartaz pela Grécia.
A Grécia ou, diga-se em nome
da exactidão, o Syriza, o que não é exactamente o mesmo. Há dias, o ministro
Varoufakis disse preferir perder um braço a prejudicar a Grécia. Ora o homem
não é maneta e, com uma perna às costas, nos intervalos das poses para retratos
ao piano já transformou a situação que os gregos viviam há seis meses numa
saudade. O pedaço que falta aos senhores do Syriza é uma cabeça em que caiba
coisa diferente de ideologia, infantilidade, ressentimento, fanatismo e todos
os ingredientes da toleima de que nos lembrarmos.
E é isso, não os
"gregos" ou a "Grécia", que move os apoiantes do Syriza.
Nos plenários excitados de Lisboa, Caracas ou Moscovo, é o currículo marxista e
maoista do bando que seduz (por pudor, não menciono os neonazis da coligação).
A retórica da "democracia" é, naturalmente, cosmética, quase irónica:
gosta--se do Syriza porque o Syriza representa a enésima esperança de derrubar
o "capitalismo", ou o "sistema", ou a "Europa",
ou o que quer que defina o Ocidente que, afinal, se abomina. Os
"gregos" são os "trabalhadores" ou o "povo" do
costume: cobaias mais ou menos voluntárias de uma experiência que
invariavelmente corre mal. O referendo, e a reação dos "democratas"
ao referendo, decidirá se corre ainda pior.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 5-7-2015
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