domingo, 1 de novembro de 2020

Quem vai ajoelhar diante das vítimas do terrorismo islâmico?

Será que o Papa telefonará a agradecer ao bispo que em França ajoelhe empunhando um cartaz onde se lê A vida dos Cristãos Conta, durante os minutos em que Simone, Nadine e Vincent agonizaram? 

Helena Matos 

No início, a cada atentado proliferavam os Je suis. Depois, os atentados passaram a incidentes e os Je suis tornaram-se ninguém. A emoção deu lugar ao medo. Agora chegou a barbárie. No desacerto crônico que mantêm com a cronologia alheia, os terroristas islâmicos atacam agora nas catedrais. Ignoram que a Igreja passou a ONG e as catedrais a destino turístico. 

O Ocidente simbolizado pelas catedrais já não acredita sequer em si mesmo e é até com estupefação que constata que, neste ano de 2020, algumas pessoas, numa manhã de outubro rezavam dentro da catedral de Nice. Ainda se estivessem numa ação de promoção do diálogo inter-religioso, dessas em cuja escassez o bispo do Porto encontra a explicação para as ações do terrorista de Nice, compreendia-se essa necessidade de recolhimento. Mas simplesmente a rezar, às 9 horas da manhã, numa catedral católica… que embaraço! 

Em junho, o Papa Francisco telefonou ao bispo de El Paso, Mark Seitz, para lhe agradecer por este ter feito uma homenagem a George Floyd juntamente com alguns padres da sua diocese.  

Será que o Papa Francisco telefonará a agradecer a algum bispo que em França ajoelhe, empunhando um cartaz onde se leia “A vida dos cristãos conta”, durante os minutos que Simone, Nadine e Vincent demoraram a morrer? Ou isso seria de imediato apontado como populismo e exploração própria de extremistas? Aliás, começamos logo por não saber quantos minutos estiveram a tentar respirar Nadine DevillersVincent Loquès e Simone Barreto Silva [foto]. Os seus próprios nomes e rostos mal são conhecidos à exceção dos de Simone Barreto Silva: o facto de, já ferida, ter procurado refúgio num restaurante onde pediu “Digam aos meus filhos que gosto deles” levou a que não ficasse anônima, como aconteceu a Nadine que acabou sumariamente descrita como “uma fiel de 60 anos”. 

Contudo, Simone era negra, mas para que a sua morte gerasse indignação e cartazes onde se dissesse que a sua vida importava, Simone deveria ter sido degolada por um europeu cristão e branco e não por um tunisino muçulmano. Para mais, Simone estava numa igreja católica. Não era migrante nem refugiada. Era essa coisa fora de moda chamada emigrante. Em França procurou trabalho. Tomava conta de idosos. 

A despersonificação é uma das regras que paulatinamente nos foi imposta quando os autores dos atentados contam com a compreensão da esquerda: os atentados praticados em nome do Islão passaram a incidentes em que as vítimas morrem em consequência de esfaqueamentos. Realizados por quem? Pelas facas, claro. Pois se das vítimas destes atentados pouco se sabe, dos terroristas ainda menos, tanto mais que em muitos casos foram imediatamente apresentados como desequilibrados ou lobos solitários. 

A cada ataque as atenções mediáticas centram-se nos discursos enfáticos dos políticos a condenar o que definem invariavelmente como o mais hediondo atentado, obviamente se excluirmos o anterior e os anteriores do anterior que também já tinham classificado como os mais hediondos. Em França esta espiral de adjetivos nas cerimônias fúnebres das vítimas de terrorismo cresce na exata proporção do abandono a que são votadas as populações e a memória dessas vítimas, mal é dobrada a bandeira, recolhida a passadeira e o Presidente regressa ao Eliseu, cada vez mais um palácio-cidadela. 

Não por acaso, quando, a 16 de outubro, a França acordava para o pesadelo da descoberta do corpo decapitado de Samuel Paty, uma voz denunciava o desrespeito pelas vítimas e a submissão do estado francês perante os terroristas. Essa voz é a de Didier Cornara, irmão de Hervé Cornara, o primeiro francês a ser decapitado em França pelos terroristas islâmicos (sim, as decapitações em França começaram em 2015, quando Yassin Salhi decapitou Hervé Cornara). 

Pois como agora veio recordar Didier Cornara, nenhuma das promessas que foram feitas aquando da morte do seu irmão foi concretizada. Entre essas promessas contava-se a de um maior controlo dos indivíduos classificados pelas autoridades como representando um perigo para a segurança, os chamados “fichés S”: em 2015, ano em que o seu irmão foi assassinado, recorda Didier Cornara, existiam em França 5 mil pessoas referenciadas como S. Yassin Salhi era uma dessas pessoas. Em 2020 serão mais de 30 mil as pessoas que cabem nessa classificação das quais mais 8 mil (mais precisamente 8 312) estão classificadas como extremamente perigosas.  

Muitas destas pessoas não têm nacionalidade francesa, o que não as impede de fazerem a sua vida em solo francês, usufruírem dos mais diversos apoios sociais que aquele país concede e sobretudo de beneficiarem de todos os protecionismos legais de modo a nunca serem expulsos. 

E como explicar que o monumento dedicado a Hervé já tenha sido vandalizado três vezes? Ou que este sábado, 31, escassos dois dias após o atentado da catedral de Nice, tenha recomeçado a roleta do “é atentado ou não é atentado” quando se soube que um padre ortodoxo foi baleado em Lyon? 

Ou que em Nice, um cidadão argelino tenha representado uma degolação diante dospassageiros da composição ferroviária em que viajava? 

Ou que na placa de homenagem a Arnaud Beltrame, o militar que no atentado islâmico que teve lugar em 2018 em Carcassonne se entregou ao terrorista Radouane Lakdim para que este libertasse uma refém e acabou morto a tiro por ele, não tenha ocorrido às autoridades francesas nada de mais apropriado que culpar Arnaud Beltrame pela sua própria morte declarando-o “vítima do seu heroísmo”?  Sim, como explicar isto? 

Em França instalou-se a barbárie. Para lá do bling bling Louis Vuitton do casal presidencial, mais os “maires ecolos” que agora em nome da natureza partiram em cruzada contra a árvore de Natal, a discussão política centra-se neste momento numa palavra. E essa palavra não é islamismo, nem radicalização, nem sequer separatismo, termo agora usado pelas autoridades francesas para dar conta da forma como determinados grupos residentes em França não só vivem à margem das leis daquele país como impõem o direito a fazê-lo. Não, a palavra que está no centro do dia a dia francês é asselvajamento e dá conta de um fenómeno de que as decapitações de Simone, Nadine, Samuel, Hervé, Hamel são apenas uma parte, visível e hedionda mas parte. 

A França é o país em que a minoria segregacionista da jihad com apoio e o silêncio do progressismo ansioso de colher votos nesse mundo de ressentimentos, se impôs à maioria dos muçulmanos tolerantes, de que fazem parte os donos do restaurante para onde Simone fugiu. 

Primeiro fizeram desaparecer os talhos (açougues) que vendiam carne de porco, depois, as mulheres sem véu das ruas de certos bairros. Depois, conseguiram afastar das escolas públicas os alunos judeus e aterrorizar todos aqueles que os enfrentam, como fez Mila, a jovem estudante lésbica que por ter escrito frases como “L’islam est une religion de haine. Le Coran c’est de la merde” acabou a ter de viver em anonimato e sob segurança. (Recordo que para esse ícone do feminismo que é Ségolène Royal, Mila não deve ser usada como ícone da luta pela liberdade de expressão porque, na sua opinião, Mila padece de falta de respeito.) 

A França é o país em que nas periferias, nos chamados territórios perdidos da República, aqueles em que a polícia não entra a não ser em momentos excepcionais e com aparato militar, se banalizaram os ajustes de contas à catanada entre “comunidades” e os rodeos aos carros da polícia. Em que se queimam anualmente milhares de carros, ora porque o ano acaba, ora porque os clubes de futebol ganham, ora porque perdem, ora por outra razão qualquer. Em que se cercam e atacam esquadras. Em que os guardas prisionais ameaçam fazer greve se os presos não forem proibidos de ter fritadeiras nas celas e consequentemente de usar óleo a ferver como arma contra os guardas e outros presos. 

A França é o país em que em nome da tolerância e do combate ao discurso de ódio se instituiu a lei do mais forte e se passou a viver sob o ódio. Para mais, sem poder nomear esse ódio porque de imediato se é acusado de islamofobia, xenofobia ou qualquer outra fobia. 

A França é o país em que em nome da integração se pactuou com a tribalização. 

A França é o país em que em nome da liberdade de alguns se impôs uma ditadura sobre o pensamento, as notícias e a própria realidade: o tribunal e o silenciamento foi o destino de quem denunciou o que estava a acontecer nas escolas, nas ruas, nos transportes. O livro “Territoires perdus de la République” que em 2002 dava conta do crescente antissemitismo, da islamização e do sexismo crescentes nas escolas da região de Paris foi objeto durante anos e anos de um boicote por parte de jornalistas e comentadores. Escritores como Eric Zemmour têm pago com agressões nas ruas e multas ditadas pelos tribunais o não aceitarem a omerta que em França envolve esta regressão civilizacional. 

Os radicais islâmicos aproveitaram melhor que ninguém esta duplicidade do estado francês. Mas não foram os únicos: agora a França tem de enfrentar o aproveitamento que outros países, como é o caso da Turquia, fazem desses radicais. 

Macron, com a “grandeur” que ainda resta, faz discursos e preside a funerais. O tempo dos arrebatamentos do Je suis deu lugar a um terrível Je ne sais pas… Depois do combate às trevas do Deus cristão e do fulgor das luzes nas cerimónias à deusa Razão, a França descobriu-se só. 

PS. Ao ver a histeria que se apossou do jornalismo nacional em torno das eleições norte-americanas tenho a propor duas coisas. A primeira é que se aproveite no solo pátrio o dinamismo mostrado estes dias pelos jornalistas portugueses a vasculhar os EUA. Assim talvez consigamos, por exemplo, ter umas reportagens sobre a forma como se viaja nos transportes públicos de Lisboa e Porto e, se não for pedir muito, averiguar a relação entre a sobrelotação que aí se verifica e a propagação do Covid. 

A outra minha proposta prende-se com o parâmetro Goya Beans. Para quem não saiba – e dificilmente sabe quem só acompanhar a informação portuguesa – em julho deste ano, Robert Unanue, o proprietário da Goya, uma empresa norte-americana de vegetais enlatados, participou na Casa Branca num ato destinado à comunidade hispânica. Durante a cerimónia Robert Unanue declarou o seu apoio a Trump. De imediato várias pessoas manifestaram a sua viva indignação e surgiu o apelo ao boicote aos produtos da marca Goya.

Nomes do Partido Democrata, como Alexandria Ocasio-Cortez, e estrelas ascendentes e descendentes do mainstream declararam que nos seus pratinhos jamais voltaria a estar um feijãozinho da Goya. Pior que tudo, para os lançadores de fatwas das redes sociais, o CEO da Goya recusou pedir desculpa. Foi nesse momento que resolvi adotar o parâmetro Goya Beans: se as vendas da Goya, e particularmente dos Goya Beans, baixassem isso seria um claro sinal da perda de apoio por parte de Trump.Assim, graças ao meu parâmetro Goya Beans, chegados a esta quase véspera das eleições norte-americanas, posso afiançar: 

1) O eleitorado de Trump está mobilizado pois o boycott à Goya transformou-se num “buycott”, com as vendas a subirem espetacularmente. É óbvio que a pandemia deu uma ajuda pois muitos restaurantes fecharam e as pessoas optaram por comprar enlatados. Mas também é óbvio que ninguém obrigava os compradores a optar pelos da marca Goya; 

2) Os nomes sonantes de Hollywood e os políticos que eles apoiam continuam a acreditar que o mundo gira em torno dos seus umbigos; 

3) Trump não terá menos votos que na anterior eleição o que não quer dizer que seja reeleito porque para ser reeleito é necessário que consiga vencer nos estados que garantem mais votos no colégio eleitoral. Ora as minhas informações sobre as vendas dos Goya Beans não são tão detalhadas que me permitam dizer como correram as vendas dos feijões enlatados da Goya na Florida ou na Pensilvânia. 

4) Será este meu critério de avaliação falível, impreciso, sem fundamento e quiçá um pouco abstruso? Obviamente que sim. Mas não é mais que qualquer outro dos que tenho lido, ouvido e visto por aí.

Título e Texto: Helena Matos, Observador, 1-11-2020 

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