Avelino de Jesus
Entre 1995 e 2000, Portugal manteve uma dívida pública, em percentagem
do PIB, substancialmente inferior à média da europa. O grande salto para o
endividamento faz-se no período 2000 a 2008, antes da crise internacional.
Corre por aí uma lengalenga de
embalar: o grande endividamento público português teria resultado da
necessidade de responder à crise internacional. O "mau comportamento"
dos agentes privados (banca incluída) provocou a crise à qual os poderes públicos
acorreram, aumentando a despesa e dívida públicas para suportar os encargos
sociais acrescidos pela crise e estimular a economia. Estaria aí a explicação
para o crescimento desmesurado da dívida.
Esta explicação para o enorme
endividamento público não é correcta, nem para Portugal nem para a Europa em
geral. Mas, se para a Europa os números parecem ilustrar a narrativa –
obrigando a uma refutação mais demorada - para Portugal nem isso.
No caso da Europa, em geral,
houve um fraco crescimento da dívida pública entre 2000 e 2008 e uma aceleração
evidente entre 2008 e 2011; por sua vez, a dívida privada conheceu uma enorme
aceleração no período de 2000-2008, o que parece justificar a narrativa que
propõe uma relação causal entre as duas dívidas. Os números parecem ilustrar a
enganosa interpretação. O aumento do peso da dívida pública arranca em 2008
(crescimento de 0,5% em 8 anos, em 2000-2008, contra 39,0% em 3 anos, em
2008-2011). Já o arranque decisivo do peso da dívida privada dera-se no período
2000-2008 (crescimento de 43,4% em 8 anos).
Mas, observemos de perto: de
onde veio o endividamento privado no período 2000-2008? Não ocorreu por geração
espontânea, mas teve origem nos incentivos, nas garantias, nas políticas
públicas de promoção de aquisição generalizada de propriedade imobiliária com
forte e diversificado suporte público. (No limite a própria baixa dos juros que
suportaram este endividamento privado foi ajudada pelo laxismo do BCE que
aceitou, nas mesmas condições, colaterais para os créditos das mais diversas
origens e qualidades.)
Mas o caso português deve ser destacado.
Em Portugal, houve um aumento
autónomo da despesa pública que não foi provocado pela despesa privada e pela
crise. O fenómeno verificado na Europa também se verificou aqui, mas ele
sobrepõe-se, acumula com um anterior e enorme crescimento da dívida pública.
O grande arranque da dívida
pública portuguesa dá-se a partir de 2000 e não apenas, como na Europa, após
2008.
Só em Portugal (42,1% contra
40,8%) e Alemanha ( 10,8% contra -5,9%) o crescimento do peso da dívida pública
foi superior ao da dívida privada. Em média, na União Europeia a diferença foi
abissal; 0,5% contra 43,4%.
Na Europa, o crescimento da
dívida pública em 2008-2011 parece ser consequência da dívida privada de 2000-2008.
Mas em Portugal há uma autonomia clara do crescimento da dívida pública que vem
de 2000-2008.
Entre 1995 e 2000, Portugal
manteve uma dívida pública, em percentagem do PIB, substancialmente inferior à
média da Europa. O grande salto para o endividamento faz-se no período 2000 a
2008, antes da crise internacional. Em 1995, só 4 países tinham dívidas mais
baixas do que o nosso país. Em 2000, Portugal tinha das dívidas mais baixas; só
3 países (Irlanda, Reino Unido e Finlândia) tinham valores inferiores. Em 2008,
só 3 países (Grécia, Itália e Bélgica) tinham valores superiores. Nenhum país
conheceu neste período maior acréscimo do peso da dívida. Neste período, metade
dos países conheceram decréscimos. Tivemos um acréscimo de 42,1% contra uma
média de apenas 0,5% em média na Europa. Já no período pós-crise, embora
Portugal esteja entre os países que mais viu crescer a dívida, a diferença é
menos marcante; tivemos um acréscimo de 50,6% contra uma média de 39% e 3
países (Irlanda, Espanha e Reino Unido) conheceram um crescimento maior.
A narrativa que atribui à
crise o insuportável endividamento publico português não é apenas uma atrevida
e errónea interpretação do passado. Ela serve o desígnio de alimentar a
insistência nos mesmos erros de política económica que nos trouxeram à
desgraçada situação de falência: sempre mais dívida, agora trasvestida de
euro-obrigações, obrigações de projecto, acréscimo de créditos e de massa
monetária do BCE e o mais que por aí circula loucamente. Justifica-se, assim, duplamente
a sua refutação.
Título e Texto: Avelino de Jesus, Diário de Notícias
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