Estadão
Em mais uma decisão desastrada
e vergonhosa para a diplomacia brasileira, a presidente Dilma Rousseff apoiou a
suspensão do Paraguai e a admissão da Venezuela como sócia do Mercosul. Seguiu
a orientação de sua colega argentina, Cristina Kirchner, de credenciais
democráticas abaixo de duvidosas, e sujeitou o destino do bloco regional aos
objetivos políticos do caudilho Hugo Chávez. Como se quisesse dar razão a todos
os críticos da escandalosa manobra encenada em Mendoza, o chefão venezuelano
vociferou: "Não tenho dúvidas de que por trás daquele grupo de senadores
do Paraguai está a mão do império, tentando impedir a conformação de uma
verdadeira potência na América do Sul". Ele se referia ao último obstáculo
à sua participação com direito de voto na cúpula dirigente do Mercosul. Não se
sabe se a presidente brasileira corou ou sentiu pelo menos um leve
arrependimento ao ler esse palavrório. Seus conselheiros diplomáticos e
estrategistas internacionais devem ter exultado, ao receber a aprovação por
mais esse ato de submissão ao grande movimento redentor da América do Sul, o
kirchnerbolivarianismo.
![]() |
EFE |
Além de representar mais uma
grave ameaça ao Mercosul, já enfraquecido por suas divisões, pelo protecionismo
interno e por sua incapacidade de integração competitiva na economia global, a
decisão a favor do ingresso da Venezuela é muito discutível do ponto de vista
legal. Suspenso da participação nas reuniões e nas deliberações do bloco, o
Paraguai se mantém, no entanto, como sócio. Quando for readmitido, depois da eleição
presidencial de abril de 2013, a oposição de seus senadores ao ingresso da
Venezuela terá perdido efeito? Especialistas contestam essa possibilidade ou,
no mínimo, têm dúvidas relevantes sobre o assunto. Esse grupo inclui o
chanceler uruguaio, Luiz Almagro.
Surge, portanto, um contraste
dos mais interessantes: não há como negar a legalidade do impeachment do
presidente Fernando Lugo (nem o governo brasileiro usou a palavra
"golpe"), mas há uma boa base para contestar a punição imposta ao
Paraguai. Em outras palavras, há bons argumentos para qualificar como golpe a
manobra usada para possibilitar a admissão de Hugo Chávez como membro pleno da
mesa diretora do Mercosul. Quem, nessa história, merece de fato ser chamado de
golpista? Até agora, os presidentes e diplomatas envolvidos na condenação do
Paraguai foram incapazes de sustentar sua decisão em um claro fundamento
jurídico. Há uma diferença considerável entre apontar a rapidez do processo de
impeachment do presidente Lugo e provar a violação de uma norma constitucional.
Enquanto a presidente Dilma
Rousseff e seu colega uruguaio José Mujica seguiam a orientação da presidente
Cristina Kirchner e atendiam aos desejos do chefão Chávez, empresários
discutiam o futuro do comércio regional numa reunião paralela, em Mendoza.
"A Argentina será responsável pelo fim do Mercosul", disse no
encontro o presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp,
embaixador Rubens Barbosa.
Ele se referia ao
protecionismo argentino. A criação de barreiras aumentou a partir de 2008,
quando a crise internacional se agravou, e intensificou-se nos últimos seis
meses, quando Buenos Aires abrigou a presidência temporária do bloco. A
multiplicação de barreiras, como lembrou o embaixador Rubens Barbosa e
confirmam os empresários dos dois lados, prejudica tanto a indústria brasileira
quanto a argentina. Incapaz de reagir a esses abusos, o governo brasileiro
assume a posição de cúmplice na devastação comercial e institucional do bloco.
Não houve punição econômica ao
Paraguai, graças a um surto de quase lucidez do governo brasileiro. Mas terão
os paraguaios interesse em ficar no Mercosul? As normas da união aduaneira
impedem os sócios de negociar isoladamente acordos de livre comércio. Petismo e
kirchnerismo têm sido os principais obstáculos a negociações com parceiros de
peso como os Estados Unidos e a União Europeia. Talvez os paraguaios descubram,
em seu absurdo isolamento, uma inspiração a mais para mandar às favas essa
união aduaneira fracassada e buscar negociações relevantes para seu país.
Título e Texto: Editorial, Estado de S. Paulo, 03-07-2012
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-