segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Quem é (de verdade) Kamala Harris

Vêm aí consequências muito mais graves do que as provocadas pelas malcriações no Twitter do homem laranja do mal

Ana Paula Henkel 

Em uma eleição presidencial norte-americana tão controversa como a que estamos presenciando, muitos podem concentrar o foco das atenções nos protagonistas Donald Trump e Joe Biden. A mídia norte-americana, assim como grande parte da brasileira, já declarou Joe Biden com número de delegados suficiente para se eleger presidente. Em meio a alegações de fraude em alguns Estados e à espera das declarações oficiais de que o candidato democrata venceu (nenhum Estado oficializou seus números ainda), as ações legais da parte da campanha de Trump se tornam as peças centrais da cobertura jornalística e das redes sociais. 

A verdade é que a eleição no país mais livre do mundo e com as instituições mais sólidas do planeta se transformou em circo de horrores. No meio da pandemia histórica, os democratas usaram o pânico para recomendar que as pessoas ficassem em casa e votassem pelo correio — afinal, o partido que demonizou os eleitores de Trump durante quatro anos estava preocupado “com todos”. Para nós, brasileiros, acostumados com as urnas eletrônicas, a pergunta é: mas voto pelo correio em massa? O que pode dar errado? Quase tudo. 

Além das evidências de que milhares de cédulas de pessoas mortas foram usadas, problemas em softwares que transferiram votos de Donald Trump para Joe Biden em 47 lugares, denúncias de funcionários do correio de que supervisores instruíram agentes da empresa a carimbar cédulas com  data retroativa ao dia da eleição, há mais uma dezena de eventos no mínimo bizarros. E, na atual politização de absolutamente tudo que cruza nosso caminho nos dias de hoje, o Brasil não ficou atrás com sua dose de bizarrice, mesmo em uma eleição norte-americana. 

Liberais (pero no mucho) comemoraram a possível eleição de Joe Biden com entusiasmo, alegria e esperança em um mundo melhor. 

— Viva! Biden venceu!
— Mas você conhece a plataforma da chapa dele?
— Não, mas e daí? O amigo do Bolsonaro caiu, e é isso que importa!
— Mas você não é liberal, não preza as liberdades individuais, um Estado mínimo, enxuto? Reformas tributárias importantes, desregulações e menos intervencionismo no mercado?
— Sim. Mas o amigo do Bolsonaro perdeu, e isso é bom!
— Você sabia que se corre o risco de Biden não terminar o mandato? Além dos indícios de corrupção do filho e de tráfico de influência quando era vice de Obama, ele não está tão bem de saúde e pode ter sido usado pela ala radical do partido para emplacar políticas públicas absurdas até para os antigos democratas.
— Mas o homem laranja perdeu, é isso que importa!
— Você conhece a Kamala Harris, a vice do Joe Biden?
— A primeira mulher negra a ser vice? Empoderada, hein!
— Pode até ser. Mas você sabe o que ela defende? Suas ideias e suas plataformas?
— Não importa. Orange man bad.

Essa poderia ter sido uma conversar fictícia, mas não foi. Foi com uma amiga brasileira que mora aqui em Los Angeles e acredita ser liberal, já que o marido é um empreendedor, e que o voto em Joe Biden foi importante porque… bem, porque “orange man bad”. E, enquanto o “homem laranja do mal” continua sendo o protagonista das notícias ruins, a primeira mulher negra, empoderada e tudo de bom de acordo com as listas do politicamente correto segue como a estrela do circo. Mas quem é Kamala Harris? 

Kamala engavetou arquivos com provas contra padres que praticaram abuso sexual 

A primeira coisa que muitos precisam saber, principalmente os liberais de Taubaté do Brasil, é que Kamala pode estar prestes a conduzir a nação mais poderosa do mundo e que de liberal ela não tem absolutamente nada. Todos aqui nos EUA já entenderam o plano, principalmente os doadores do Partido Democrata. Os grandes bancos que controlam Joe Biden há décadas, desde quando ele era senador, ficaram nervosos quando o candidato acenou ainda na campanha para outros nomes mais moderados para o posto de vice. Quando Biden escolheu Kamala, muitos doadores não conseguiram conter o entusiasmo, jogaram para o alto o velho pragmatismo norte-americano e foram às redes sociais celebrar. 

Enquanto os gordos doadores e lobistas do partido comemoravam o nome politicamente correto de Harris, a verdade é que muitos eleitores nunca mostraram muito entusiasmo por ela. Na verdade, Kamala era tão notavelmente impopular que, nas primárias democratas, apesar da imensa torcida e dos empurrões da mídia, ela teve de desistir da corrida. E foi ainda durante um debate nas primárias que Kamala acusou Joe Biden de ser racista e segregacionista (talvez pelos antigos e profundos laços com senadores ligados à Ku Klux Klan, como Robert Byrn). 

Também durante as primárias, quando Biden se viu acusado de assédio sexual por sua antiga secretária, Tara Reade, Kamala foi uma das primeiras a dizer na TV: “Devemos acreditar na vítima! Eu acredito nela!”. Mas, em nome do amor à ascensão política, à glória e à cadeira atrás da Resolute Desk, Kamala nunca mais — nunca mais — tocou no assunto. Mexeu com uma… ah, deixa pra lá. 

Mas esse não foi o primeiro episódio em que Kamala se apaixonou por poder e ascensão com uma certa, digamos, ética seletiva. Em meados da década de 1990, ela namorou Willie Brown, que foi investigado pelo FBI por conflitos de interesses quando era o presidente da Assembleia da Califórnia e o prefeito de São Francisco. 

Kamala teve um caso extraconjugal com Brown e se beneficiou de seu patrocínio político. Brown, um dos homens mais poderosos da Califórnia, nomeou Kamala duas vezes para cargos de destaque, que a lançaram na política. Quando ela anunciou sua candidatura presidencial, em janeiro de 2019, Brown escreveu um artigo para o San Francisco Chronicle intitulado: “Claro, namorei Kamala Harris, e daí?”. Num trecho, ele informa: “Sim, nós namoramos. Isso foi há mais de vinte anos. Sim, posso ter influenciado sua carreira ao indicá-la para postos estaduais importantes quando era o presidente da Assembleia da Califórnia”. Na época, Brown tinha 60 anos, e Kamala, 29. 

Logo em seguida, Kamala subiu ao posto de promotora da cidade de São Francisco. Uma de suas maiores manchas da época foi o fato de ela ter parado de investigar supostos abusos infantis dentro da Igreja Católica. O antecessor no cargo tinha todos os arquivos sobre padres abusadores, mas, assim que Kamala assumiu o posto, ela se recusou a compartilhá-los com as vítimas e os documentos foram engavetados. Até hoje, a vice de Biden carrega o estigma de não ter ajudado de forma proativa nos processos civis contra o clero durante os anos em que atuou como promotora. 

De acordo com várias vítimas e seus advogados, nos sete anos como promotora distrital, Kamala também ignorou pedidos de ativistas e sobreviventes para acessar arquivos que poderiam ter ajudado a garantir a ação da Justiça. Joey Piscitelli, uma das vítimas, afirma que mesmo depois de Kamala ter sido eleita procuradora-geral da Califórnia, em 2010, ela continuou a evitar qualquer ação relacionada ao problema. 

Quando Kamala subiu ao posto de procuradora-geral da Califórnia, suas ações mostraram uma série de contradições. Ela pressionava por programas de auxílio a criminosos responsáveis por delitos considerados menos graves em vez de colocá-los na prisão. Ao mesmo tempo, mantinha milhares de pessoas trancafiadas mesmo depois de terem provado inocência. Ela se recusou a advogar a pena de morte contra um homem que matou um policial, mas defendeu a pena capital em tribunal. 

Certa vez, Kamala impediu a realização de um teste de DNA que poderia ter inocentado Kevin Cooper, um presidiário no corredor da morte. Cooper foi condenado em 1983 pelo assassinato de três crianças, entre elas sua filha Jessica, de 10 anos. Com o avanço da ciência forense, seus advogados lutaram por testes avançados de evidências de DNA, mas Kamala se opôs aos testes de Cooper e de mais uma dezena de presos enquanto ocupava o comando da Procuradoria-Geral da Califórnia. No ano passado, depois que o caso foi divulgado pelo The New York Times, ela disse ao jornal que se sentia “péssima com isso” e agora apoiaria os testes. Too little too late

Ela pediu doações para tirar da cadeia bandidos que estavam ateando fogo no país 

Foi também como procuradora-geral que ela passou anos subvertendo uma decisão de 2011 da Suprema Corte que determinava a redução da população carcerária do Estado. Trabalhando em conjunto com o governador Jerry Brown, Kamala e sua equipe apresentaram moções que foram condenadas por juízes e especialistas legais como obstrucionistas, de má-fé e sem sentido, sugerindo que a Suprema Corte não tinha jurisdição para ordenar a medida. A intransigência das ações de Kamala resultou, na consideração dos juízes que presidiam o caso, na condenação do Estado por desacato ao tribunal. Essa extrema resistência a uma decisão da Suprema Corte foi feita para evitar a libertação de menos de 5 mil infratores não violentos que vários tribunais já haviam inocentado por apresentar quase nenhum risco de reincidência ou ameaça à segurança pública. 

Como toda boa e aplicada seguidora do manual da hipocrisia, Kamala também colocou cerca de 1,5 mil pessoas na prisão por violações de uso de maconha, mas riu depois em uma entrevista quando lhe perguntaram se alguma vez havia fumado a droga. Na época, durante seu mandato como procuradora-geral, a venda e o porte de maconha eram ilegais na Califórnia. Os eleitores do Estado decidiram legalizar a maconha recreativa apenas em 2016, o mesmo ano em que Kamala foi eleita para o Senado dos EUA e deixou seu posto de procuradora. 

Durante os recentes protestos violentos nas grandes cidades norte-americanas do grupo marxista Black Lives Matter e do grupo terrorista Antifa, a vice de Biden não condenou uma única vez os saques e o vandalismo, e ainda acrescentou que essas vozes deveriam ser ouvidas e que não poderiam parar. Durante muitos protestos que acabaram em violência e prisões, Kamala mostrou suas verdadeiras cores.  

Ela apoiou o perigosíssimo movimento Defund the Police, que visa ao corte do orçamento das corporações policiais em todo o país. Foi além: divulgou na internet uma página que arrecadava doações para tirar da cadeia bandidos que estavam ateando fogo no país. 

A pergunta que não quer calar é se Biden, oficialmente eleito, sucumbirá à plataforma radical da ala extrema no partido a que Kamala Harris pertence. Aumento de impostos, regulações, Estado inflado, políticas de fronteiras abertas, aproximação perigosa e sem freios com a China, agenda ambiental utópica, banimento de combustíveis fósseis, principalmente agora que o país é autossuficiente, agenda agressiva para a política de gênero. 

As políticas que Kamala Harris apoia são perigosas: basta olhar seu passado e o próprio site oficial da chapa. A preocupação não resulta apenas do canto de sereia de figuras como Kamala aliado a uma imprensa que perdeu qualquer escrúpulo e contato com a realidade. O problema também está em como muitos “liberais”, por pura picuinha política, estão fechando os olhos para políticas que afetarão — negativamente — a vida de todos nós em efeito cascata, e para consequências muito piores do que as malcriações no Twitter do homem laranja do mal. 

Título e Texto: Ana Paula Henkel, revista Oeste, 13-11-2020

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