Ao pacote pró-covid, somaram-se a gripe
comum, a influenza H1000N5000, a dor de cabeça, o bicho-do-pé e tudo o mais, de
maneira que é praticamente impossível não estar doente
J. R. Guzzo
Imagine que você é um executivo de alguma empresa rica de São Paulo, ou coisa parecida, ganha R$ 60.000 por mês e está morando, digamos, na Praia da Pipa, um paraíso perto de Natal. Recebe o salário pontualmente, a cada mês; pode até ter um aumento. Seu plano médico cinco estrelas está de pé. Continua tirando férias, com 30% de adicional, e mantém o 13º inteirinho. Só que não é mais preciso comparecer ao local de trabalho. Nada de horário para entrar, possivelmente a grande divisão diária entre quem trabalha de verdade e o resto da espécie humana. Nada de trânsito. Nada de stress. Agora você se levanta à hora que quiser, faz surfe de manhã, ou alguma outra atividade fisicamente correta, almoça coisas nutritivas e investe tempo “consigo mesmo” ou com a família, como recomendam os melhores consultores em qualidade de vida. A um momento qualquer, quando se sente preparado, senta-se na frente do computador e fica lá até julgar que terminou as tarefas do dia. Recebe então um elogio do chefe (caso tenha um chefe; é possível que seja uma empresa onde não há a brutalidade dos “níveis de hierarquia”), diz “valeu, cara” no Zoom e volta a cuidar das suas próprias coisas — até começar tudo de novo no dia seguinte. Que tal, como meio de ganhar a vida?
Foto: AZP Worldwide/Shutterstock |
É melhor ainda do que parece.
Preocupado, talvez, com uma possível desconfiança da empresa em relação a essa
história toda? Tipo: “Será que vale a pena continuar pagando tudo isso para o sujeito
ficar na Praia da Pipa? Será que esse negócio de home office vale
mesmo o colosso que estão dizendo?” Esqueça. Todos à sua volta — e
principalmente os que estão acima — convenceram a si mesmos, desde o primeiro
dia de vida nova, que o “trabalho à distância” é puxadíssimo. Dez em dez
executivos que vivem hoje na praia, ou na montanha, ou no Havaí, ou seja lá
onde for, dizem que estão “trabalhando muito mais” fora do escritório. Garantem
que sua produtividade “aumentou”. Que estão “mais focados”, que o trabalho está
mais “intenso” e por aí afora. É claro que dizem isso. Quem fiscaliza e julga o
resultado do “trabalho à distância” são os próprios executivos; são eles que
medem as horas trabalhadas, os índices de produtividade e a eficácia do que
fazem. São eles que atestam que assim é melhor. Ou, então, quem faz a avaliação
são os dirigentes de RH, seus irmãos gêmeos; jamais diriam o contrário, até
porque eles mesmos, os RHs, também estão ganhando sem ir ao trabalho.
Xeque-mate.
A mãe de todo esse mundo admirável é a covid. De um lado, a doença matou 5,5 milhões de pessoas pelo mundo, arruinou vidas e causou a destruição econômica que seria causada por uma guerra nuclear. De outro, está sendo uma benção extraordinária para muita gente. Sem ela, não haveria Praia da Pipa, nem qualidade de vida, nem salário integral sem sair de casa. Sem a covid, aliás, não haveria nenhuma das maravilhas que mudaram para muito melhor a vida diária de algumas centenas de milhões de pessoas pelo mundo. À essa altura, o que ganharam se transformou em “direitos adquiridos”. Precisam que a covid continue para continuar com suas novas conquistas. Quem vai querer voltar às realidades do passado — e que continuam sendo as realidades do presente para a imensa maioria dos seres humanos? É por isso que, justo no momento em que a pandemia começou a ceder, apareceu a promoção desesperada da Ômicron — como tinham aparecido antes os 50 diferentes tons de “cepa”. Para reforçar o impacto da nova “variante”, somaram-se no pacote pró-covid a gripe comum, a influenza H1000N5000, o resfriado, a dor de cabeça, a febre de 37 graus, o bicho-do-pé e tudo o mais que vier, de maneira que é praticamente impossível não estar doente hoje em dia. Conclusão: o combate permanente para “salvar vidas” tem de continuar, intacto — e, com ele, todo o mundo maravilhoso de vantagens que veio para a minoria, a começar pela turma do home office com surfe e outras belezas.
Com a covid, a sua vida melhora. Sem a covid, sua vida piora. De que
lado você acha que eles estão?
É possível que nunca tenha havido, em toda a história da humanidade, uma campanha tão poderosa em favor de algum sistema de organização social como a que está sendo feita desde 2020 em torno da covid — e das “necessidades” de que a “vida mude” radicalmente para combater a doença. Também podem chamar essa campanha de cruzada, esforço de guerra, lobby ou lavagem cerebral — tanto faz. O que importa é que se trata de um movimento com poder inédito para mudar o mundo. Está acima de qualquer força conhecida até agora, ignora fronteiras nacionais e é capaz de juntar numa mesma neurose — e nos mesmos interesses objetivos — pessoas das mais diferentes convicções políticas, religiosas ou morais. O que lhe dá a força extraordinária que tem são duas coisas. A primeira é o pânico — e a súbita recusa de encarar a própria mortalidade por parte das classes que mandam na sociedade. A segunda é o espetacular combo de vantagens materiais que a covid trouxe para uma parte da população mundial — justamente a parte mais rica, mais instruída e mais influente. Essa gente toda, indiscutivelmente, está tirando proveito direto e pessoal da covid — proveito financeiro, político, social, ideológico, psicológico ou de outros tipos. Com a covid, a sua vida melhora. Sem a covid, sua vida piora. De que lado você acha que eles estão?
Movimentação de pessoas na plataforma da Linha 11 Coral, da CPTM, na Estação da Luz, região central de São Paulo. Foto: Bruno Rocha/Foto Arena/Estadão Conteúdo |
Os beneficiados reais, a turma
que tira proveito líquido e certo da covid, são, talvez, 10% da população do
mundo. É apenas uma hipótese; não foi feito ainda, nem é provável que se faça,
nenhum cálculo coerente sobre quanta gente se beneficiou e está se beneficiando
da epidemia, baseado em observação sistemática da realidade, em fatos e em
evidências. Mas é uma hipótese que está dentro da lógica. É também um número
que dá o que pensar. Qualquer 10% é pouco, claro. Para começo de conversa, quer
dizer que 90% estão fora. Mas faça as contas: se for isso mesmo, num mundo com
cerca de 8 bilhões de habitantes, os que lucram ativamente com a covid seriam
uns bons 800 milhões. Vá lá, para arredondar: 1 bilhão. É gente, não é mesmo? É
a minoria, mas é gente que não acaba mais. Sem dúvida, é mais do que o
suficiente para influir no rumo das decisões — a começar pelo fato, como dito
acima, que esses 10% são exatamente os que estão melhor de vida. São os que têm
mais condições de dar opinião, e de defender os próprios interesses. São os que
costumam ser ouvidos. São os que têm a condição de tomar decisões, seja na vida
pública seja na vida privada. São os que dão ordens de todos os tipos. São os
diretores do banco — não os gerentes de agência. São os que estão em cima — não
os da linha de frente. É óbvio que as suas posições, e os seus interesses, em
relação à covid valem mais do que o que acham ou não acham os outros 90%. São,
em suma, a minoria da minoria; 7 bilhões de pessoas, pelo menos, estão fora da
sua bolha. Mas estão ganhando muito mais do que todos os outros.
O cidadão diz que “não se sente seguro” para trabalhar de novo — e
pronto, não se fala mais no assunto
O povo do home office é
o primeiro grande bloco que vem à mente. Estão há dois anos sem ir ao trabalho,
com os salários e benefícios intactos, levando as crianças à aula de inglês,
rodando de bicicleta em dia da semana e no horário comercial, e dormindo de
tarde. Seu trabalho, em grande parte, é ficção — pelo menos quando se usa a
palavra “trabalho” com o significado que ela tem no dicionário. Pela primeira
vez na vida, estão dando ao empregador exatamente o esforço e a dedicação que
acham necessários, nem 1 grama a mais. O patrão não tem ideia do que o sujeito
está fazendo nesse ou em qualquer momento do horário de trabalho. Ninguém é
demitido. Quando aparece alguma ameaça de voltar ao trabalho “presencial”, como
se diz hoje com desprezo (só o trabalho “remoto” é considerado bom), o cidadão
diz que “não se sente seguro” para trabalhar de novo — e pronto, não se fala
mais no assunto. É outra coisa, não é? Os jornalistas, a propósito, merecem
atenção especial nesse mundinho do “teletrabalho”. O público é escassamente
informado a respeito, mas o fato é que os jornalistas estão ganhando sem sair
de casa desde o começo de 2020, e desfrutam de todos os privilégios descritos
nos parágrafos anteriores. Só que são eles, justamente, os encarregados de
dizer como está a covid. O que você acha que estão dizendo? Querem continuar
com a vida que têm hoje; precisam, portanto, que a covid esteja cada vez pior.
Tenha certeza, então, que vão continuar lhe socando em cima cada vez mais
“Ômicron”, mais gripe, mais fluorose, mais vírus alfa, beta, gama, delta — até
o ômega. “Brasil tem primeiro morto com Ômicron”, exclamaram as manchetes dias
atrás. Já houve mais de 600.000 brasileiros mortos de covid, e o que morreu “de
Ômicron” era um homem de saúde precária, mas e daí? É preciso manter o pânico
de pé. É preciso manter o home office.
Multiplique o número de
jornalistas brasileiros pelo de jornalistas dos outros 200 países do mundo;
multiplique os executivos da Praia da Pipa pelos executivos de todas as grandes
empresas do mundo, mais as médias. Já começa a ficar na cara, à essa altura,
quanta gente está viajando no bonde mundial da covid. Mais: o grosso desse povo
está nos Estados Unidos e na Europa. O Brasil, perto dele, é mixaria. O
trabalho “remoto”, aqui, fica na elitezinha ordinária de sempre — nas Faria
Limas da vida e seus clones mentais, aqui ou ali. Essas facilidades também não
estão disponíveis na África, é claro. Lá não tem office e
muitas vezes nem home — imagine-se, então, quanto pode ter
de home office. Ou seja: o lobby da covid está
presente justo na parte do mundo que comanda o resto. É óbvio que fica muito
mais forte, e é muito mais copiado pelas mentes iluminadas que dirigem os
fundões do mundo. A coisa muda realmente de figura, porém, quando se entra no
universo dos funcionários públicos; aí já é outro patamar, em matéria de
multidão.
Só no Brasil há 12 milhões de
funcionários do Estado. Some-se a isso, então, a burocratada do resto do mundo
— e dá para começar a fazer ideia, então, de como se chegaria aos 800 milhões
citados lá no começo. Não são os funcionários só dos países. (Para ter um pouco
de ideia: as Forças Armadas norte-americanas, sozinhas, têm mais de 2 milhões
de membros; vai pondo o resto.) Some-se a eles a população empregada nos
milhares de organizações internacionais de todas as espécies, desde a ONU e o
seu império de escritórios até a União Europeia e todo o resto dessa geringonça
que não acaba mais. É a Comissão Europeia da Sardinha ou o Comitê Internacional
Para Medir a Temperatura do Gelo. É a Organização Mundial de Trigonometria ou o
Painel Internacional das Terras Indígenas. Enfim: deu para entender, não é? É
um negócio que não acaba mais. Em comum, todos eles têm vontade que a sua vida
continue como está — se possível para sempre.
Trabalho é para os 90% da população que tem de se pendurar em poste
para consertar o corte de luz na casa de quem não admite comparecer ao serviço
Por que iriam querer outra
coisa? Os professores brasileiros ficaram quase dois anos sem dar aula — aula
de verdade, é claro; não essa piada de ensino on-line, num país onde a internet
“não pega” e pobre tem computador da idade da pedra, quando tem. Não perderam
um tostão por causa disso; tiraram férias e licenças-prêmio. (Os que quiseram
trabalhar, por sinal, foram perseguidos pelos sindicatos.) Os juízes nunca mais
apareceram no fórum — nem os procuradores, auditores, ouvidores etc. etc. deram
a cara na repartição durante o horário de expediente. Nas empresas estatais,
então, são férias permanentes para todos os que não têm trabalho de verdade
para fazer — numa plataforma da Petrobras, por exemplo, ou entregando carta nos
Correios, as pessoas certamente trabalham duro. Quanto mais inútil você for,
melhor; se está atrás de uma mesa, é quase certo que essa mesa fica em casa. Os
empregados de colarinho-branco da Eletrobras, por exemplo, se recusam a ir ao
trabalho; a empresa manda irem, mas eles simplesmente não vão. Já ganharam seis
vezes seguidas, na Justiça, o direito de bater ponto na própria sala de estar.
É a ordem mais do que natural das coisas: se os juízes não vão, por que o
funcionário da estatal tem de ir?
Trabalho é para os 90% da
população brasileira que tem de se pendurar em poste elétrico para consertar o
corte de luz na casa de quem não admite comparecer ao serviço — ou para todos
os que são obrigados a trabalhar para sobreviver. É coisa de quem tira lixo da
rua. É coisa de quem guia o metrô, ou do motoboy do delivery, ou do
porteiro do prédio. É coisa de quem trabalha no comércio, no hospital ou na
polícia. É coisa de operário, do técnico da torre de aeroporto, do homem da
companhia de gás que se enfia embaixo da terra para garantir o fogão dos terraços gourmet.
Não é o mundo do professor da USP. Não é a Praia da Pipa. Esse é o Brasil da
maioria que realmente produz, e não o Brasil dos parasitas — do universo
político, dos banqueiros de esquerda, da CPI da Covid, dos comunicadores e das
classes intelectuais que andam de máscara, combatem o genocídio e querem que o
mundo continue nessa camisa de força que lhes faz tão bem.
A lista dos sócios do vírus
ainda vai longe. Pode incluir a big pharma norte-americana e
mundial em peso, da Pfizer, AstraZeneca e Johnson&Johnson a todas as suas
irmãs. Só o Brasil, e só nesta primeira fase, colocou no Orçamento cerca de R$
30 bilhões para gastar com vacinas, numa conta que ainda pode ser muito maior.
Calcule agora o tamanho dessa bonança em termos mundiais; é de dar inveja em
qualquer Google da vida. Junte os fornecedores de testes para covid, os
fabricantes de insumos para a vacina e os produtores de material de apoio. Some
as empresas de transporte, as redes de farmácias e outros serviços de
assistência — para não falar em médicos e hospitais. Não se esqueça, enfim, dos
6.000 prefeitos e dos 27 governadores brasileiros, que ganharam do Supremo
Tribunal Federal o prodigioso direito de fazerem o que bem entendem para
“salvar vidas” — a começar pela dispensa de licitação para gastar dinheiro
público no combate à covid. É roubar, deitar e rolar, com a aprovação do
Judiciário e o diploma de “heróis da saúde” concedido pelos editoriais da
imprensa. Quem vai querer outra vida? É covid para toda a eternidade.
Título e Texto: J. R. Guzzo, revista Oeste, nº 95, 14-1-2022
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