A categoria custou R$ 400 milhões ao contribuinte em 2020
J. R. Guzzo
Toda essa conversa é uma
grande pena, porque fala-se de tudo e não se fala do essencial: o aparelho do
Estado brasileiro é uma peça-chave do atraso, da desigualdade e da injustiça
que desgraçam o Brasil desde sempre. Mudar, e mudar profundamente, o sistema no
qual esse desastre se baseia não é “problema de político”, ou de
“especialista-técnico-perito” em administração; não é problema de economista. É
um problema que ataca diretamente o bolso do cidadão, insulta a lógica e
desrespeita as noções mais elementares da equidade e da decência.
Enquanto se debate a “reforma
administrativa” na estratosfera de Brasília, que tal mostrar um pouco ao
público um ou outro — só um ou outro — dos escândalos mais agressivos desse
mecanismo? Desses que são de compreensão imediata, representam um tapa na cara
do cidadão e não podem ser justificados por absolutamente nada? Na verdade, nem
é preciso falar em “um ou outro”. Basta falar em um, o vínculo com o empregador
— que não é “o governo”, como se diz no bonde PT-PSL-PCdoB-etc. e sim a
população que paga impostos.
O funcionário público, ao contrário do que acontece com qualquer mortal, é contratado pelo resto da vida; quando entra, fica em média 60 anos sendo pago pelo erário, entre serviço ativo e aposentadoria — isso mesmo, 60 anos. Não importa para que tipo de trabalho: uma vez que a pessoa passa no concurso e é contratada como funcionário, o vínculo é eterno. Se você, por exemplo, quer pintar a sua casa e contrata um pintor para fazer o serviço — passa na cabeça de alguém que o sujeito tem de ficar empregado pelo resto da vida? É exatamente isso o que acontece no funcionalismo público.
O servidor público no Brasil
não é contratado segundo os interesses da sociedade que paga pelos seus
serviços, mas única e exclusivamente segundo os interesses dele, servidor.
Talvez nada demonstre esse disparate de forma tão chocante quanto o fato de que
você continua pagando, e vai pagar durante toda a aposentadoria, funcionários
que não têm nada a fazer — zero, mesmo — porque as suas profissões
desapareceram. Por exemplo: datilógrafos, operadores de telex, ascensoristas,
classificadores de cacau e por aí vamos.
Nenhum deles tem o que fazer —
mesmo que quisessem trabalhar, não poderiam, pois não existem mais máquinas de
escrever ou aparelhos de teletipo. Teriam de ser demitidos, como ocorre com
qualquer outro brasileiro na mesma circunstância, mas a lei não deixa.
Poderiam, então, trabalhar em alguma outra coisa? Aí vem o melhor de tudo: não,
a lei atual também não permite.
Funcionários encaminhados
pelos chefes para um outro tipo de trabalho recorrem à Justiça, invocando o
direito de exercer exclusivamente as funções para as quais foram contratados.
Ganham sempre — e têm o direito de ficar em casa sem fazer nada, recebendo
salário integral, agora e durante toda a aposentadoria, até morrerem.
No momento há 3 mil
datilógrafos no serviço público federal; custaram R$ 400 milhões ao
contribuinte em 2020. Ao todo, há cerca de 70 mil funcionários ocupando cargos
que foram extintos. Seu custo é de R$ 8 bilhões de por ano.
Quem paga tudo isso não é “o
governo”, como dizem os sindicatos. “O governo” não paga um tostão furado de
nada. Quem paga tudo é você, com os seus impostos, a cada vez que acende a luz
de casa, liga o seu celular ou enche o tanque do carro. Haveria algum mínimo de
justiça em qualquer aspecto dessa aberração? Qual?
A reforma administrativa, como
dito no início, está “travada”. Mas será que não se pode mexer nem nessa
história das profissões que não existem mais? Não, não pode, dizem a esquerda e
os “centristas-equilibrados-socialdemocratas”. E deixar assim como está, mas
mudar para os novos contratados, pelo menos? Não, também não pode. Não pode
nada. Não insista, senão você ainda acaba na CPI da Covid, levando pancada da
turma que defende “a vida” e que não pode nem ouvir falar em reforma
administrativa.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Gazeta do Povo, via revista Oeste, 14-6-2021, 18h
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