Querer a mesma coisa acabou colocando os
dois no 'bonde do genocídio', aglomeração que reúne do PT e partidos nanicos à
OAB e demais clubes da elite nacional
J. R. Guzzo
Até algum tempo atrás, os
ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal,
eram inimigos públicos e altamente emocionais. Num acesso de ira especialmente
severo, Barroso não apenas disse na frente de todo mundo que Gilmar era uma
“pessoa horrível”, mas que também apresentava “pitadas de psicopatia” — nada
menos que isso. A acusação foi feita em sessão plenária, gravada em vídeo e
áudio, e não pode mais ser apagada. Também não pode ser condenada como “fake
news” pelas agências de fiscalização da verdade que hoje são a Estrela-Guia das
redações brasileiras.
Mas esta vida é mesmo cheia de pequenas surpresas. O tempo passa, o mundo gira e eis que Gilmar e Barroso, no momento, estão de acordo em praticamente tudo, pelo menos quando se veem os decretos que baixam, sem parar. Deveriam, teoricamente, estar brigando ainda mais entre si, porque ambos disputam hoje o mesmo lugar — o de marechal de campo da oposição, ou, mais precisamente, o de chefe de governo. Mas querer a mesma coisa acabou colocando os dois no “bonde do genocídio”, aglomeração que reúne do PT e partidos nanicos à OAB e demais clubes da elite nacional; vivem para despejar o presidente Jair Bolsonaro do Palácio do Planalto, se possível antes da eleição de 2022. Barroso e Gilmar deveriam ser desafetos. Estão cada vez mais iguais.
Imaginem se um deputado de
direita dissesse numa “live” que um ministro da Suprema Corte é
psicopata — poderia estar até hoje na cadeia, ou no mínimo em prisão domiciliar
com tornozeleira. Mas ministro do STF é ministro do STF: do mesmo jeito que vão
mudando a lei a cada momento para atender aos seus propósitos, vão mudando
também as realidades. O que era não é. O que é varia, segundo os desejos da
hora. O que será é o que eles decidirem que vai ser.
Até há pouco, Gilmar era quem
estava brilhando na boca do palco. Afinal, tinha decidido que o juiz que
condenou Lula era “suspeito” — Lula, coitado, foi só uma vítima acusada
injustamente de corrupção e lavagem de dinheiro. Em seguida à anulação de todas
as condenações que ele tinha recebido de nove juízes diferentes, inclusive uma
em terceira e última instância — aí, uma obra do colega Fachin, outro destacado
passageiro do bonde —, Gilmar criou, mais do que ninguém, a candidatura Lula
2022. Em compensação, quem está rodando a toga no momento é o ministro Barroso:
mandou o Senado abrir uma CPI que o seu presidente não queria abrir e, por
conta de mais esse achado, já se ajeita melhor na liderança da ditadura
judiciária a que o Brasil está reduzido.
A CPI não tem o menor
cabimento, mas e daí? No entendimento de Barroso e do Partido Que Só Pensa Numa
Coisa — Bolsonaro —, essa baderna é algo que vai prejudicar o governo. Pode não
ter saído como queriam. A CPI deveria “investigar” crimes cometidos pelo
governo federal na administração da covid — só o governo federal, ninguém mais.
Na forma final, ficou aberta a possibilidade de ser tratada, também, a
corrupção desesperada que está acontecendo nos Estados e municípios; só na
Polícia Federal, até o momento, há mais de 70 investigações sobre ladroagem na
“gestão” das verbas que o Tesouro Nacional entregou às “autoridades locais”
para enfrentar a covid. Como se sabe, a situação é de emergência — e durante a
“emergência” ninguém precisa prestar contas das despesas que faz para “salvar
vidas”. O certo, de um jeito ou de outro, é que não vai acontecer nada — só
barulho de “genocídio”. Mas é isso mesmo que o STF quer.
De qualquer forma, quem apareceu como general da banda foi Barroso. O ministro Gilmar deve estar atento para não ficar para trás.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Estado de S. Paulo, via revista Oeste, 14-4-2021, 21h56
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