A tentativa de desqualificar uma médica que
dedicou sua vida a salvar vidas foi o ponto mais abjeto desse espetáculo
medonho
Rodrigo Constantino
O presidente Bolsonaro
desqualificou de forma absurdamente rude uma médica que era contra a
cloroquina. Ele perguntou a ela detalhes como a família do vírus, o tipo de
exame para detectar a imunidade celular, e mesmo quando ela tentava responder,
com calma e serenidade, o presidente a ignorava, fingia que não tinha ouvido
nada e atropelava sua resposta, num típico “manterrupting”. “Você não
sabe nada!”, berrou um presidente visivelmente descontrolado, para o espanto de
quem acompanhava a troca. Claro que a grosseria foi tema da mídia por uma
semana, com todos os jornalistas revoltados com o machismo do presidente.
O leitor está tentando puxar
da memória quando foi que isso aconteceu, certo? Entendo. É que não aconteceu.
Sim, Bolsonaro já deu respostas atravessadas a vários jornalistas, sem
distinção entre homens e mulheres. Mas esse caso acima é hipotético. Na
verdade, ele aconteceu, mas com outros personagens. Foi o senador Otto Alencar,
um ortopedista que virou político há décadas, com a doutora Nise Yamaguchi, na
CPI circense da Covid.
A tentativa de desqualificar
uma médica que dedicou sua vida a salvar vidas foi o ponto mais abjeto desse
espetáculo medonho. Silvio Navarro, editor desta revista, resumiu com perfeição
numa mensagem que repercutiu muito: “Foi sem dúvida o pior dia da CPI. Mas
também o dia em que o jogo sujo ali ficou ainda mais claro: a politicalha dos
cangaceiros com mandato. Retrato de um velho, mal-educado e pobre Brasil que
ainda existe no Senado”.
Foi sem dúvida o pior dia da CPI. Mas também o dia em que o jogo sujo ali ficou ainda mais claro: a politicalha dos cangaceiros com mandato. Retrato de um velho, mal-educado e pobre Brasil que ainda existe no Senado.
— Silvio Navarro (@silvionavarro) June 1, 2021
A maioria nas redes sociais
ficou revoltada, indignada, enojada. Alexandre Garcia sintetizou: “A inquisição
é tanta que parece que os senadores estão tratando com pessoas que recebem
propina de empreiteiras, ou com alguém que desviou recursos da saúde, ou com
alguém que roubou da Petrobras”. A inversão de valores chegou ao limite:
vagabundos tratando gente séria como criminosos. E no caso de uma senhora, com
o baita currículo que tem, mantendo a educação o tempo todo, sendo humilhada
desse jeito só por apostar num tratamento possível para seus pacientes foi
mesmo o ápice da canalhice.
A inquisição é tanta que parece que os senadores estão tratando com pessoas que recebem propina de empreiteiras, ou com alguém que desviou recursos da saúde, ou com alguém que roubou da Petrobras.
— Rodrigo Constantino (@Rconstantino) June 2, 2021
Leia mais em: https://t.co/iocwZO7tBe
Mas um grupo permaneceu em silêncio, um silêncio ensurdecedor. Falo das feministas. Sandra Annenberg, apresentadora do Globo Repórter, tinha comentado semanas antes: “Machismo na CPI: o senador Marcos Rogério interrompe a fala da senadora Leila Barros e ainda diz: ‘Calma, não precisa ficar nervosa’”. Isso, para ela, foi prova de machismo inaceitável. Sobre a postura dos senadores de oposição com a médica, nem uma só palavrinha. Foi como se nada tivesse acontecido.
O que esses velhacos tentaram
fazer com a médica na CPI é o tipo de coisa que deveria unir todas as pessoas
minimamente decentes em total repúdio, independentemente de serem de esquerda
ou direita, de gostarem ou não de Bolsonaro, de defenderem ou não a cloroquina.
E, de fato, teve gente que reagiu assim. É preciso fazer justiça. Foi o caso de
Eduardo Jorge, médico e político de esquerda. Ele desabafou, demonstrando
sensatez: “Jacobinos sedentos. Conheço dra. Nise há muito tempo. É uma
oncologista experimentada. Neste caso da pandemia discordamos 100%. Tentei
mudar sua opinião algumas vezes e não consegui, lamentavelmente. Não é por isso
que vou deixar de tratá-la de forma civilizada”.
Jacobinos sedentos. Conheço Dra Nise há muito tempo. É uma oncologista experimentada. Neste caso da pandemia discordamos 100%. Tentei mudar sua opinião algumas vezes e não consegui, lamentavelmente. Não é por isso que vou deixar de trata-la de forma civilizada.
— Eduardo Jorge (@EduardoJorge) June 1, 2021
Mas e as feministas, aquelas
que alegam lutar pelas mulheres? Afinal, eis o que vimos: homens brancos ricos
heterossexuais (com uma possível exceção) demonstrando total falta de educação,
grosseria tosca e desrespeito ímpar com uma senhora, que é médica, uma mulher
independente e “empoderada”. Mas as feministas tomaram o lado dos agressores
políticos. Diante disso, desabafei em minhas redes sociais: feminismo não é
sobre mulher, mas sobre esquerdismo. A atriz Regina Duarte curtiu e comentou:
“Falou e disse, Constantino. Infelizmente o movimento do final dos noventa ‘foi
pro brejo’”.
As mulheres “empoderadas”, mas conservadoras, jamais são enaltecidas ou
mesmo respeitadas pelas feministas
E é esse o foco aqui. Sim, um
movimento que defendesse o simples direito ao voto quando ele era proibido às
mulheres fazia todo o sentido. Sim, lutar por igualdade de direitos sempre foi
uma boa luta, justa. Mas faz tempo que o feminismo, hoje em sua terceira
geração, representava isso. Hoje, infelizmente, virou um movimento radical que
mais odeia homens do que ama a liberdade, e que serve de instrumento
revolucionário para a esquerda. A própria bandeira de igualdade salarial, independentemente
de mérito individual, é prova disso. Comparam laranja com banana, ignoram
diferentes escolhas profissionais e a produtividade, para pregar remuneração
equivalente para trabalhos diferentes. Usam estatísticas de forma
deliberadamente deturpada. Querem o socialismo, não direitos iguais.
Quando vazou áudio do
ex-presidente Lula conversando com a então presidente Dilma, em que Lula se
mostra totalmente grosseiro com as mulheres do seu próprio partido, as
feministas se calaram. Quando a ex-mulher de Marcelo Freixo, do Psol, acusou o
deputado de agressão, as feministas fingiram que nada tinha acontecido. As
feministas de hoje, cada vez mais histéricas e ressentidas, adotam um
escancarado duplo padrão, tudo para blindar companheiros esquerdistas e demonizar
qualquer um à direita. Inclusive mulheres!
Afinal, as mulheres
“empoderadas”, mas conservadoras, jamais são enaltecidas ou mesmo respeitadas
pelas feministas. Thatcher é um exemplo clássico, e ela mesma não creditava ao
feminismo nenhuma conquista sua — ela que foi primeira-ministra por tanto tempo
e com tanto sucesso num ambiente predominantemente masculino. Mulheres que
exercem sua liberdade de escolha e preferem focar a maternidade também não são
respeitadas pelas feministas, que dizem defender a liberdade de escolha da
mulher.
A dra. Nise pode estar certa
ou pode estar errada sobre a cloroquina, mas isso nem deveria importar aqui.
Uma médica com extenso currículo e uma vida dedicada a cuidar dos outros foi
tratada como um lixo por políticos, e na imprensa vimos vários comentaristas ou
se calando ou aplaudindo esses senadores! Tudo porque agir assim serve ao
interesse político de desgastar o presidente Bolsonaro, por parte de quem
politizou até um remédio nessa pandemia.
Vera Magalhães, da TV Cultura
(bancada pelo governo Doria), falou sobre o “risco de dar palco para
negacionistas”, desqualificando a médica. Guilherme Macalossi, da Band, chamou
o que o senador Otto Alencar fez de “descredenciar como técnica” a doutora,
“expondo seu desconhecimento sobre o ramo da infectologia”. Ele concluiu: “E
fez bem”. Isso nem sequer é correto do ponto de vista dos fatos, uma vez que a
doutora respondeu corretamente às perguntas, e o senador é que fingiu não
entender. Esse foi o tom geral em nossa imprensa: aplausos para o show de
horrores propiciado pela oposição na CPI.
Filipe G. Martins, assessor da
Presidência, apontou para a inversão nesse caso de quem demonstrou conhecimento
e quem decorou sem entender o que dizia: “Otto Alencar disse que a covid-19
pertence à família betacoronavírus, que na realidade é só um dos gêneros de uma
das subfamílias da Coronaviridae. A dra. Nise disse que pertence à
família Coronaviridae. Ela estava certa. Ele falou bobagem. Mas o
aplaudido pela mídia foi ele”. Coube ao Filipe a melhor conclusão também do que
se passou ali: “Nenhuma sociedade minimamente civilizada admitiria que uma
senhora de 62 anos de idade, que dedicou mais de 40 anos de sua vida à ciência
e à saúde do próximo, fosse tratada com tamanho desrespeito e grosseria numa
sessão parlamentar para a qual ela foi CONVIDADA”.
Mas as feministas nem se
importaram. Não era uma esquerdista como vítima nem um direitista como algoz,
então é como se nem tivesse acontecido…
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, revista Oeste, nº 63, 4-11-2021
https://revistaoeste.com/brasil/ministro-da-saude-volta-a-dizer-que-populacao-estara-vacinada-ate-o-fim-do-ano/
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