Mas e se a maioria dos eleitores decidir
que quer votar em Bolsonaro assim mesmo — como fica? Fica que, nesses casos, os
eleitores precisam ser protegidos de si mesmos
J. R. Guzzo
Para a mídia brasileira, a maior parte dos institutos de “pesquisa de intenção de voto” e quem acredita, ou finge acreditar, que o Brasil vai virar uma ditadura se Lula não for eleito presidente da República no ano que vem, o resultado da eleição de 2022 só pode ser um: Lula na cabeça, possivelmente já no primeiro turno. É torcida, claro, e torcida não ganha jogo. Ou ganha? Depende da torcida, do jogo, do juiz e da federação que, no fim das contas, vai decidir qual foi o resultado. Mas é evidente, a mais de um ano da votação, que um dos lados — a oposição — já resolveu que o adversário não tem o direito de ganhar a disputa. Fica assinado desde já, então, um contrato estabelecendo que vai haver crise, e crise de bom tamanho, na eleição de 2022.
O argumento exibido com mais
frequência para sustentar esse “cancelamento”, como se diz hoje, é que está em
jogo uma espécie de “valor supremo” — para chegar a ele, portanto, os fins
justificam os meios. Que valor seria esse? O regime democrático em pessoa, nada
mais nada menos do que isso.
De acordo com o consórcio que
junta hoje os principais meios de comunicação, a esquerda em suas diversas
encarnações e as mentes centristas, equilibradas, inteligentes etc., uma
vitória de Jair Bolsonaro significará o fim da democracia no Brasil, e a
Constituição proíbe terminantemente o fim da democracia no Brasil.
Mas e se a maioria dos eleitores
decidir que quer votar em Bolsonaro assim mesmo — como fica? Fica que, nesses
casos, os eleitores precisam ser protegidos de si mesmos. Não sabem o que estão
fazendo, dizem os pensadores que pensam por todos os brasileiros, e sua decisão
não pode valer — para o seu próprio bem.
De acordo com o evangelho pregado todos os dias pelos seus inimigos, Bolsonaro não está autorizado a ganhar — poderia ser legal, mas não seria “legítimo”. Não está autorizado a ganhar por todo tipo de motivo. Para começo de conversa, segundo o consórcio de oposição, ele é o responsável pelas 500.000 mortes causadas pela covid no Brasil. Não usa máscara em público. Defendeu a cloroquina, como o Conselho Federal de Medicina e milhares de médicos. Não vacinou a população com a rapidez e no volume que a oposição decidiu serem necessários — o Brasil já aplicou 100 milhões de doses, somando-se primeira e segunda, e é o quarto país que mais imunizou no mundo, atrás apenas de China, Estados Unidos e Índia, mas o número é denunciado como um fracasso.
Além de genocídio, Bolsonaro é
acusado de diversos outros crimes pelo Brasil que carrega a bandeira do “ou
Lula ou a ditadura”. Um deles é a sua possível indiferença diante de uma
possível tentativa de corrupção numa possível compra de vacinas que nunca foi
feita.
Daqui até outubro de 2022, a
previsão é de que se multipliquem crimes que ainda não foram cometidos; é a
busca permanente do dinheiro na cueca. São dois pesos e duas medidas. As provas
obtidas com a delação premiada de Marcelo Odebrecht — na qual o
empreiteiro-estrela da Lava Jato confessou de sua livre e espontânea vontade
uma penca de atos de corrupção, e concordou em devolver ao erário o equivalente
a mais de 2,5 bilhões (isso mesmo, bi) de dólares (isso mesmo, dólares) roubados
no governo Lula — foram anuladas pelo STF. Como encontrar provas mais provadas
do que essas? Não interessa. Nenhuma delas pode ser usada nunca mais contra
Lula, nem durante a campanha eleitoral, nem pelo resto da vida.
Mas, no caso de Bolsonaro, a
oposição, a mídia e o Brasil pensante já decidiram que nenhuma prova, entre as
que não existem agora e as que não vão existir no futuro, será necessária para
sustentar qualquer acusação. Haverá só a denúncia — pão com pão, sem recheio.
A mão que escreve as
pesquisas é a mesma que deseja, em público, a morte física do presidente
O presidente será incriminado por não ter apoio político, quando perder alguma votação no Congresso Nacional — e por comprar apoio político, quando ganhar. O “Centrão” vai ser elogiado como um clube de patriotas, quando ficar insatisfeito com o que recebe do governo — e denunciado como um bando de extorsionistas, quando concordar com alguma coisa.
Se for mão de vaca no “auxílio
emergencial”, “renda cidadã” ou outras variantes de bolsa-esmola que se
discutem por aí, Bolsonaro será acusado de insensível com os graves problemas
sociais do Brasil. Se soltar a grana, será acusado de fazer demagogia com os
graves problemas sociais do Brasil. Se o crescimento econômico for de 5% ou
mais este ano — e no ano que vem —, o maior desde as recessões gigantes da era
Lula-Dilma, o eleitor ouvirá que “o povo não come crescimento econômico”. De
qualquer forma, essa coisa de crescimento só favorece os ricos, dirá a
oposição.
Vão fazer o possível e o
impossível para prolongar a “CPI” da Covid por mais 90 dias após o seu prazo
legal de atividade — até novembro. Vão inventar outras CPIs; se o Senado e a
Câmara não quiserem fazer, o STF obriga, como obrigou no caso dessa que está
aí. O STF, aliás, continuará a atender a todos os pedidos do Psol, PT, PCdoB
& Cia., e a quebrar sigilos bancários, telefônicos e digitais de qualquer
figura do governo que lhe passe pela frente. Também continuará a dar prazos de
“cinco dias”, para o presidente responder a alguma coisa.
O ministro Barroso, com o
apoio dos companheiros de plenário, vai continuar na sua guerra a favor do voto
eletrônico da forma como ele é hoje, sem mexer em um átomo sequer de nada;
continuará dizendo que o atual sistema chegou à perfeição e, portanto, não pode
ser aperfeiçoado em nenhum dos seus itens, como não se pode aperfeiçoar a
tabuada ou o cálculo da área do triângulo. Mais: continuará acusando de
“golpista” quem quiser mudar alguma coisa — sem dizer quem são e onde estão
esses golpistas.
O Brasil está vivendo num
ambiente de vale-tudo em relação às eleições presidenciais de 2022; o viés é de
piora. Qualquer barreira ao percurso de Bolsonaro é aceitável; na verdade,
segundo os seus inimigos, qualquer barreira é um avanço da democracia. Vale
divulgar pesquisa eleitoral dizendo que Lula já tem 50% dos votos — quantos
pontos ele vai ganhar dos institutos até o fim do ano? E daqui a um ano? Vai
estar nos 100%?
A mão que escreve as pesquisas
é a mesma que deseja, em público, a morte física de Bolsonaro. Nos dois casos,
tem certeza de que fazer qualquer coisa contra o presidente da República, mas
qualquer coisa mesmo, é salvar a democracia no Brasil. Nada mais natural,
assim, que continuem dobrando a aposta.
Título e Texto: J. R. Guzzo, revista Oeste, nº 67, 2-7-2021
Análise mais que pertinente. Olha, muita gente no Brasil sente uma pontinha de esperança quando se lê coisas assim. O Brasil está fedendo no momento. E muito! E olha que nem votei em Bolsonaro (votei em branco) e não concordo com tudo que ele faz. Mas uma coisa é certa, o que a mídia (aquela emissora de TV) está fazendo com um presidente da República eleito democraticamente (quer gostemos dele ou não) é absolutamente baixo.
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