sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

A religião do ódio

Montagem: Revista Oeste

No Brasil de hoje a virtude passou a ser a recusa em admitir o ponto de vista do outro. Dia após dia, o ódio vai sendo transformado num atributo moral

J. R. Guzzo

O Brasil está se tornando um país cada vez mais intolerante — e isso é uma novidade muito ruim. A sociedade brasileira tem tido uma longa história de prudência e de serenidade na gestão dos seus rancores, diferenças e conflitos; chegamos aos 522 anos sem nenhuma guerra de verdade, dessas que deixam mortes, feridos e destruição, por causa de religião, ou de raça, ou de nacionalidade, ou de língua, ou de qualquer outra escolha. Sempre houve, de um modo geral, a disposição de admitir ações, pensamentos, crenças, sentimentos ou hábitos diferentes entre si, qualquer que fosse o ambiente político.

O Brasil nunca foi uma democracia de verdade — mas, mesmo nos seus momentos de ditadura aberta e declarada, a inclinação predominante tem sido a de aceitar o princípio de que cada um tem direito à sua própria vida, ao seu modo de pensar e ao seu comportamento pessoal. Não mais. No Brasil de hoje a virtude passou a ser a recusa em admitir o ponto de vista do outro. Há cada vez menos adversários e cada vez mais inimigos. Dia após dia, e de forma mais e mais agressiva, o ódio vai sendo transformado num atributo moral — ou numa exigência para a prática correta da atividade política e social.

É um sinal destes novos tempos escuros, de supressão de liberdades e de repressão à divergência que alguém como o ministro Moraes seja promovido à posição de apóstolo da “democracia”

Em nenhuma outra área da sociedade a intolerância prospera tanto quanto nessa nebulosa frouxa, disforme e sem princípios que é a esquerda nacional de hoje. Os verbos mais usados ali, a propósito de tudo, são proibir, punir, reprimir, prender, multar, penalizar, criminalizar, censurar; fala-se cada vez menos em diálogo, e cada vez mais em castigo.

Não há nenhuma demonstração tão clara disso quanto o novo herói da esquerda brasileira, o ministro Alexandre de Moraes — que segundo a mídia, as classes intelectuais e a elite meia-boca destes trópicos salva dia após dia a democracia popular no Brasil. Quanto mais ele transforma o país numa delegacia de polícia, e quanto mais utiliza a sua função pública para reprimir, agredir e calar quem pensa de modo diferente, mais excitação provoca na esquerda; vai acabar virando uma espécie de Che Guevara do judiciário.

O ministro cassa o passaporte de um jornalista que teve de se exilar nos Estados Unidos para escapar à sua perseguição pessoal. Multa em R$ 23 milhões um partido político cujo crime foi apresentar uma petição à justiça eleitoral, com alegações de que houve irregularidades na última eleição. Quer que a polícia acabe à força com as manifestações diante dos quartéis. Faz dezenas — dezenas, literalmente — de coisas assim, e a cada uma delas se torna mais sublime para artistas de novela, militantes do PT, PSOL e redondezas, advogados de corruptos, milionários de esquerda, jornalistas etc. etc. etc.

É um sinal destes novos tempos escuros, de supressão de liberdades e de repressão à divergência, que alguém como o ministro Moraes seja promovido à posição de apóstolo da “democracia” e de tudo o que hoje é louvado como correção política. Não há precedentes de alguma outra autoridade pública brasileira que tenha, como ele, feito uso tão extensivo do ódio como método de ação política — e que tenha sido tão admirado por fazer isso na porção do Brasil que julga a si própria como “progressista”. Não se trata apenas de usar a suprema corte de justiça do país para violar sistematicamente a Constituição e o restante das leis em vigor, com garantia de impunidade e na execução de objetivos políticos. A agravante para esta conduta é a sua carga de rancor em grau extremo. É a recusa do debate livre e a obsessão em destruir quem não concorda; é o senso moral de quem fica no campo de batalha para executar os feridos. Virou, em suma, uma coisa fanática. Em vez de gerar reprovação, porém, o comportamento de “terra arrasada” de Moraes e de seus colegas de STF gera profundo encantamento na esquerda. O resultado é uma aberração. As mentes virtuosas, que propõem a “justiça social”, a “igualdade” e outras fantasias “progressistas”, aplaudem a repressão policial às manifestações em torno de guarnições militares; é a primeira vez na história mundial que a bomba de gás lacrimogênio se vê elevada à condição de arma em defesa da democracia.

Por que o ódio a Neymar? Porque ele apoiou Bolsonaro para presidente, em público. Para a esquerda, isso é crime

A intolerância radical do Brasil de hoje fica evidente, também, na ideia fixa da esquerda em “criminalizar” tudo e todos que a desagradam. Não falam em outra coisa — “criminalizar”. Gente que se diz democrática, equilibrada e “lúcida” vive fascinada com a mania de criminalizar a homofobia, o racismo, o machismo, o “bolsonarismo”, os protestos em frente aos quartéis, a camisa amarela — tudo que vai contra eles tem de ser crime, tem de ser castigado, tem de “dar cadeia”. Deixou de ser uma linha de ação; passou a ser uma neurose. A última manifestação desse tipo de demência penal veio de um pequeno senador que vive em estado de permanente histeria em sua conduta política e se tornou, ele também, um ídolo da mídia que faz o “L” e se abraça nas redações, em transe, quando Lula é declarado vencedor da eleição presidencial pelo TSE de Alexandre Moraes.

O senador fala num projeto de lei para punir com cadeia (de um a quatro anos) quem der vaia nele, ou em gente como ele, ou chamar a eles todos de “safado”, “vagabundo” ou coisa que o valha. Ele diz, e a mídia repete, que está preocupado com a “pluralidade” política e o “diálogo republicano”. Não enganam com essa conversa nem uma criança de 10 anos.

Toda a esquerda vai continuar chamando Jair Bolsonaro de genocida, fascista e destruidor da Amazônia. Quem protesta nos quartéis continua sendo criminoso, golpista e “antidemocrático”. Estudantes de direita continuarão a ser insultados e agredidos nas universidades, com o aplauso dos reitores, diretores e professores. O “assédio político” é crime que só o adversário pode cometer.

A esquerda festejou a contusão de Neymar na Copa do Mundo — o que pode ser mais intolerante do que uma coisa dessas? Na verdade, é a hora em que o fanatismo atravessa a fronteira do desequilíbrio mental; tirar prazer do sofrimento físico de alguém, seja ele transitório ou permanente, é um dos pontos mais baixos a que pode chegar um ser humano em sua descida rumo ao mal absoluto. Chegou-se a esse ponto, no Brasil de hoje — e a partir daí não há limite para a depravação.

Por que o ódio a Neymar? Porque ele apoiou Bolsonaro para presidente, em público. Para a esquerda, isso é crime; não se admite, ali, a noção do voto livre. É um dos fundamentos de qualquer democracia — sem liberdade de votar, simplesmente não pode haver regime democrático. Mas no Brasil do STF, da esquerda e do Google é exatamente o contrário; para haver o seu modelo de democracia, não pode haver o voto livre.

É proibido escolher o candidato que você prefere. É proibido manifestar a sua opinião em público. É proibido pensar com a sua própria cabeça. Os próximos passos, por essa lógica de negação da liberdade individual, são o candidato único, o partido único e o jornal único. É o país com que a esquerda brasileira sonha.

****

O Google suspendeu a publicação de propaganda programática (os anúncios de outras empresas distribuídos pelo Google) em Oeste; diz que a revista fere a sua coleção de princípios e aponta, entre os motivos, os artigos de quem assina este texto.

Quais os princípios, objetivamente, que foram feridos? O Google não informa. Quais, então, os artigos específicos que estariam em desacordo com as regras de conduta da plataforma? Também não se diz nada a respeito; presume-se que sejam todos, incluindo os que ainda não foram escritos. Pelo que deu para entender, o Google não quer que o autor escreva na Revista Oeste; aparentemente, permite que os seus artigos continuem a ser publicados no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo, onde é colunista fixo e regular, pois, tanto quanto se saiba até o momento, não suspendeu a sua publicidade em nenhum destes dois veículos. O que se pode dizer com certeza para o leitor é que a Revista Oeste continuará publicando os textos do autor, exatamente com o mesmo teor de sempre.

Título e Texto: J. R. Guzzo, Revista Oeste, nº 141, 2-12-2022

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Um comentário:

  1. Adoro esse cara. ai em cima, um verdadeiro 'Maxão'. Cagou, digo, chegou ai, peidou, digo, parou. Sempre sozinho, de cabeça erguida, anda pelas ruas sem medo, sem guarda costas, sem polícia federal, sem policia militar, sem guarda, sem arma... 'Omem de verdade precisa de seguranças para quê?!
    Euzinha ando aqui pela Borges de Medeiros, sem segurança, sem arma, tendo como companheiros, ora minha bicicleta ora meus patins e a tiracolo, o Aparecido. Somos livres, leves, soltos, para que um bando de cachorrinhos em nossos rastros?
    Carina Bratt
    Ca
    da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.

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