Humberto Pinho da Silva
Resguardada do ardor da tarde sob frondoso
castanheiro, na cercania de carriça transmontana, a velhinha fia.Pintura: Van Gogh
Tem o rosto sulcado pela goiva do tempo. Olhos
apagados, lábios finos, boca desdentada, e tez crestada, da cor de centeio.
Fia, e o fuso gira...gira...gira... pressionado
pelos descarnados dedos.
Foi moça fagueira; esbelta, de farta cabeleira
calamistrada e viçosa face da cor de nácar. Casou… Foi mãe.
Criou filhos, que abalaram...
Todos partiram: uns, para o Céu; outros, em
demanda de vida melhor...
Ficou mergulhada em saudade e cuidados de quem a
deixou.
De tempo a tempo, telefonam, escrevem...
Prometem interná-la num lar...
Daqueles que guardam pais e mães, que deixaram de
serem prestáveis.
Cuidou dos filhos com esmero, ajudou-os a darem os primeiros passos, a comerem à mesa, aparou-lhes a baba viscosa, que escorregava do beiço, enxugou-lhes o húmido nariz, branqueou-lhes a roupa enegrecida pela traquinice, passou horas de angústia à cabeceira do berço...
Os meninos eram tudo, e tudo era para eles.
Agora, é a mãe que carece de mão amiga: quem a
ampare; quem cuide; quem lhe lave a veste enodoada; quem lhe apare as unhas
endurecidas; quem a desvele com carinho.
Para que nada lhe falte.
Mas os filhos não têm disponibilidade...
Olvidam que chegou o tempo de retribuírem;
esquecem-se de pagarem - os cuidados, os carinhos que receberam...
Meditando, a velhinha fia.
E o fuso gira... gira… gira...
Pelos desgastados olhos desenrolam-se cenas
amorosas, recreações pueris, que a memória guardou, com amor.
Agora só Deus permanece...
Só Ele ficou...
Os gerados pelas suas entranhas esquecem-se, que a
felicidade, o diploma, a riqueza que gozam, é fruto daquela velhinha, que junto
ao carriço, arrimada ao secular castanheiro fia... fia... fia...
Zagaziantes lágrimas de saudade, docemente
escorrem pela face encarquilhada:
"Coitados! Têm muito que fazer... A culpa é
das mulheres... trabalham muito. Como gostava de estar na companhia deles!…”
Leve sorriso amoroso, alastra-lhe pelo rosto
tisnado...
E o fuso fia...fia...fia...
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva
Quem pertence à classe média?
“Impávidos marotos” ou os cromos de Natal
A propósito de um comentário no "Luso-Brasileiro"
O meu Menino Jesus
Ser doutor é necessário
Fico pensando em seu excelente escrito e ao mesmo tempo triste pelo paradoxo dos pais e avós que abandonaram seus filhos e netos, dos tios, primos e padrinhos que não acompanharam suas infâncias e futuros., que dariam outro excelente texto. Nós nos acostumamos a escrever biblicamente, contando em versículos somente um lado dos nossos aforismos. A vida é uma dualidade constante, não há no mundo uma civilização que não tenha sofrido escravismo e agruras familiares. Achoe que todos deveríamos ser cosmopolitas, de um jeito político ou de outro sempre seremos escravos. Desculpa-me por tentar ser deus e escravo de mim mesmo.
ResponderExcluirfui...
Obrigado pelo amável comentário,e que o Menino Deus lhe dê neste Natal muita paz e saúde.
ExcluirO comentário acima é de Humberto Pinho da Silva, autor do texto.
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